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Os sapatos
Vanderlei Antônio de Araújo



Por mais de cinco anos, Guilherme morou sozinho num apartamento no quinto andar de um prédio na Avenida Z. Durante esse tempo nunca teve o sono perturbado por qualquer barulho. A sua tranqüilidade era monumental, não havia a qualquer hora da noite, músicas ensurdecedoras nem crianças correndo pelos corredores ou mulhe-res andando de salto alto no andar de cima. Imaginava-se dormir no paraíso.
Aconteceu que numa noite, ele foi despertado por uma forte pancada no teto. Sobressaltado, levantou-se e acendeu a luz. Por algum tempo, esperou. Não ouviu mais nada. Tranqüilizou-se e imaginando que o barulho poderia ter sido produzido pelo vento na janela, voltou a dormir.
Na noite seguinte, na mesma hora, foi acordado, novamente, pelo mesmo baru-lho. Esperou mais um pouco e ouviu pela segunda vez uma forte pancada vinda do andar de cima. Alguém daquele apartamento, atirara alguma coisa ao chão. Pensou. E por duas vezes seguidas. Depois veio o silêncio e por muito tempo não ouviu mais nada. Adormeceu.
Ao acordar pela manhã, decidiu que a norte ficaria atento para descobrir o que estava acontecendo. E naquela noite ouviu, nitidamente, duas pancadas, uma separa-da da outra por um intervalo aproximado de dois minutos. Agora só precisava descobrir quem fazia aquilo.
Informou-se na portaria e descobriu que um rapaz havia se mudado, recente-mente, para o apartamento situado acima do seu. Por três noites, prestou atenção ao movimento do vizinho de cima e descobriu que ele, quando chegava para dormir, arremessava alguma coisa no chão com força, fazendo o barulho já conhecido. Cus-tou a entender. Mas, descobriu que o moço antes de se deitar, tirava os sapatos e os atirava com força no meio do quarto, um após o outro, num intervalo aproximado de dois minutos, provocando aquelas pancadas que tanto o incomodava. Passou, então a se deitar, somente após a chegada do rapaz e conseqüentemente, depois que ouvia a segunda pancada.
Por algum tempo a fórmula funcionou. Numa certa noite, o rapaz chegou tar-de. Tirou um pé de sapato e o jogou no meio do quarto, como sempre fazia. O outro, ele deixou silenciosamente junto à cama. A espreita, Guilherme, automaticamente, aguardou a segunda pancada, dentro do intervalo calculado. Preparou-se para dormir. Mas, não a ouviu. Não sabia o porquê, mas o rapaz demorava. Esperou mais alguns minutos. Nada. Levantou-se da cama. Andou pelo quarto impaciente e nervoso. De-pois, imóvel permaneceu de pé no meio do quarto. O ouvido dirigido para cima, esperando o segundo arremesso. Nada. Quando é que ele vai jogar o segundo sapato? Pensou. Se ele não jogar eu não durmo. Deu mais um tempo. Aguardou mais alguns minutos. Nada. Não entendia a demora.
Alta madrugada. Sentado na cama esperava pela segunda pancada. Estava de-cidido a não dormir enquanto não a ouvisse. Depois de muito esperar, teve a idéia de subir as escadas e ir até o apartamento do rapaz. Parou em frente à porta meio indeci-so. Depois, tomou coragem e tocou a campainha com insistência. O moço abriu a porta, sonolento, com ostensiva inconsciência do tumulto que causara, perguntou o que ele queria. Guilherme respondeu com outra pergunta:
- Eu quero saber por que você não jogou o outro sapato?



Biografia:
-
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