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A Morte da Égua
Vanderlei Antônio de Araújo



A Morte da Égua

   A égua morreu. Não de morte morrida, mas de morte matada, como diriam antigamente. A rua inteira presenciou a cena cruel e desumana de sua morte. Uma morte que virou manchete de jornal. O dono, já de muito tempo, enchera-lhe de maus tratos. As dores do animal, que vivia tristonha, faminta de carinho e de alimentos, foram aumentadas pelo excesso de peso que ela era obrigada a carregar. Vez por outra, a égua levantava o focinho à procura da mão caridosa que lhe trouxesse a água, a comida, o afago. E nada vinha. A égua queria outro mundo, outra vida para esquecer a vida miserável que tinha. Seu dono só queria seu trabalho sem dar nada em troca.
   O nada era assim tão difícil para a ela que tanto se esforçava em fazer tudo que ele queria. Só uma coisa a preocupava e muito, o dono malvado, carrasco de éguas indefesas. Quando ele a batia, ela não sabia muito bem o que fazer e por isso se esforçava puxando a carroça rapidamente, mesmo sem saber exatamente para onde ir e para onde não ir. Eram aí que lhe nasciam os ferimentos no lombo e nos cascos. Na verdade, a égua queria entender as razões da malvadeza do seu dono, se ela fazia tudo o que ele queria. Por vezes era fácil ver a égua correndo pela rua puxando uma pesada carroça cheia de papeis e bagulhos com seu dono em cima.
   O que aconteceu naquele dia, foi quando ao atravessar a rua deu uma trombada com um carro, porque seu dono a obrigara a avançar o sinal. A trombada foi feia. A égua ficou ferida e estirada no asfalto. Num sofrido e imenso silêncio. O dono ficou bravo, pois a trombada o fez perder tempo, alem do prejuízo de ter toda a carga espalhada no asfalto. E, depois de açoitá-la para se levantar a abandonou na rua no meio dos entulhos, ainda com vida. Entretanto, ela não tinha forças para sair dali, até que uma pessoa caridosa a levou para uma clinica veterinária.
    Na frente da clinica a égua permaneceu quieta. Um grande silêncio entrara-lhe na alma animal e parecia que tudo ali possuía um cheiro de morte. O veterinário viera tantas vezes examiná-la que perdera a conta. Os repórteres iam e vinham carregando suas maquinas de sempre. Já eram tantos os estranhos que chegavam para vê-la ali deitada, que ela nem mais se importava. As horas passavam, todavia não era tédio que havia ali. Era um sofrido e imenso silêncio que anunciava a sua morte.
   Não havia mais nada a ser feito, concluíra o veterinário. Teria que sacrificá-la. Examinou-a mais uma vez só para ter certeza absoluta de que fizera tudo quanto fora possível, as vísceras saltavam-lhe do abdome e uma hemorragia, humanamente, impossível de deter determinaria sua morte, lentamente. Para seu consolo, era de que tudo acabaria, ao ouvir da boca do veterinário que seria sacrificada.
   Lá pelas tantas, ruidosos estampidos encheram o ar da vizinhança. Um homem acabara de atravessar o portão da clinica carregando uma arma. Levantou o braço, puxando o gatilho. Foi preciso apenas um tiro para a égua morrer. O domingo chegou e alguns moradores vieram ver o que sobrara dela. Nada, apenas as marcas da cena que horrorizou toda uma cidade e ficou estampada nos jornais..


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