As duas alcatéias... Cara a cara....Ou melhor, focinho a focinho.
Rosnavam, salivavam imaginando o gosto da carne de seus semelhantes caninos. A chuva que os ensopava servia como um atenuante para o clima sangrento que as árvores e todos os outros seres ali presentes iriam assistir. As duas facções da mesma classe entretiam um ecossistema confuso. A idéia era de que o espírito selvagem aflorava-se incontrolavelmente.
Os grupos, que se encontravam em divisões de 10 lobos cada, paralisados continuavam a enfrentar-se por olhares e grunhidos. Mesmo a esfera de morte que rondava a bela paisagem não ocultava o detalhe de que nenhuma das partes dava início ao combate. Ainda que a rivalidade era constante, algo os mantinha quietos, sem o mínimo movimento. Alguns uivavam, outros mostravam os dentes. Tudo para que o medo alheio viesse a galope, os tomasse e abatesse. Nesse conflito telepático, os lobos permaneceram horas em meio à chuva.
A coruja continuava com seus olhos esbugalhados para qualquer eventual acontecimento. Era a peregrinação de um pensamento distante. Desistir da posição seria hastear a bandeira branca, da rendição. Inimaginável e insuportável idéia para bravos e fortes animais.
A cada raio de Sol que se despedia da vegetação, a majestosa Lua presenteava a Terra e seus habitantes com um banho de luz prata, brilhante e fascinante. O uivo era o grito solitário de uma alma vagando pela festa no céu dos animais muçulmanos. A 11ª exceção seria a glória maior.
A fome os fazia balançar, piscar. Hipnotizados, ferozes.
Eis que algo muda totalmente a trajetória e linearidade da história. Entre os dois bandos, no espaço pré-guerra, caminhava livremente e com toda a coragem que não lhe é característica uma lebre. Ignorava mal algum, mesmo caminhando pelo vale da sombra. Sentia a divindade a iluminando.
Ninguém a havia notado ainda. Porém, os afiados focinhos detectaram o cheiro bom, de comida. As faces irritadas converteram-se em bobas, infantis. Não sabiam o que fazer.
A lebre, pequena e branca como flocos de neve, sentou. Respirou e começou a cavar.
Era petulância demais. A pobre criatura desrespeitava a cadeia alimentar. Assim mesmo, os lobos não eram dignos de sequer algum sinal de desistência.
Os estômagos tremendo, contraindo-se precisando de alimento. Transpiravam, com a língua para fora, procuravam enganar suas mentes.
Subitamente, assim como um raio atinge seu alvo, um puma, bicho inimigo de todos ali presentes, abocanhou a tenra lebre, correu para os arbustos e desapareceu. Foi-se. Assim, sem mais nem menos. Felino, dourado, esperto e safado! Levou o prato principal da refeição dos lobos.
Apenas uma palavra resumiria o pensamento dos instintivos animais naquele momento: vácuo.
Assim, sem mais motivo ou lembrança para um ataque, um a um, foram-se os caninos. De todos os 20 ali presentes, meia dúzia que trazia o orgulho no pêlo permaneceram raivosos.
Morderam e mataram-se mutuamente. Definharam admirando o brilho da Lua Cheia que contemplava a foice da morte.
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