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Aventuras na Caverna do Diabo
Aquiles Rapassi

É estreita a fenda que, esgueirando o meu peito, passei há pouco. Tenho ainda, fruto da compressão corporal entre rochas, arranhões e um filete de sangue que corre do ombro direito. Sinto no interior, sufocando meus pulmões, o calor intenso que a passagem me transferiu. Não há como não se sentir contagiado ou não querer dominar o terreno sombrio, inesperado e frígido que existe após a entrada comprimida de pedras.

Tomo-me de um pensamento avulso de que possa existir criaturas maravilhosas, protagonistas dos contos fantásticos que conhecemos na infância e, então, concluo que toda essa falta de luz pode nos fazer transcender. Dois passos adiante, deslizando-os pés a tatear o solo, sinto a nuvem de poeira que levanto com meus movimentos e que chega às minhas narinas e boca causando tosse incontida. Começo a perder os sentidos pois, sabe-se lá, seria essa uma poeira tóxica? Teria eu inalado algum veneno produzido pela natureza resultante de milhares de anos alheios à luz? No torpor dessas dúvidas e tomado por movimentos tussígenos piso em algo que não posso texturizar... sinto, com toda a leveza de meu corpo sem sustentação, que caí em uma espécie de fosso e que meu corpo flutua de tal modo a se mostrar esse buraco algo infinito. Perder a consciência é algo tão abstrato que não posso dizer que me aconteceu porque, certamente, já não dominava a minha há tempos.

Vozes quase inaudíveis chamavam-me durante a queda, rogavam para que logo eu aportasse em seus braços. Eram vozes femininas ora agonizantes ora estimulantes, em tons agudos, falas suadas, eróticas, trêmulas por um prazer vampiresco, terrível. Enquanto aguardava por algum tipo de impacto iminente em razão da queda prolongada, amedrontado, ansiava por logo chegar ao lugar de onde brotava os sons helênicos que me extasiavam os ouvidos. Chegamos a um ponto de exacerbação de sensações, influenciados pelas reações químicas do cérebro, que nos leva a um grau tóxico de divagação que nos pode custar a sanidade, senão a vida.

E me permito, longe nos meus pensamentos, divagar nessa alquimia. Afortunado, em queda livre, chorando um desespero de não me encontrar em lugar algum. Flutuo, corto o espaço desse precipício infindo, temendo uma morte inglória e desnecessária.

“Sofro em teus olores
Quero tua consolação
Dá-me teus amores
Cura-me a desilusão.”

O homem procura em vão uma solução para as angústias que o devoram. Mas é realmente em vão. Não adiantou, agora afirmo em certeza, a frondosa entrada desta caverna que me atraiu, florida e perfumada, como se fosse a terra prometida. O que encontrei foi desespero, alucinação, o mais terrível encontro face a face com o próprio anjo mau que me confessou, comigo aos prantos, desejar minha alma mais e mais. É aqui que ele regozija em minhas falhas e temores. Crê ele, em seu reinado mofado à enxofre, que a batalha está vencida. Sangro, enquanto despenco, pela boca e pelos olhos.

Mas não me entrego.

Aproxima-se o solo à medida que sinto a temperatura diminuir. O impacto que se segue é sonoro. Custa-me essa colisão algumas vértebras, mas nada sinto, por mais que as compreenda fraturadas em minúsculas partes. Não ouço minha respiração, embora ao repousar minhas mãos sobre meu peito possa sentir os movimentos infláveis dos pulmões coordenados pelo carnavalesco som do coração, mais ao fundo. Alguma luz surge, revelando pedregulhos amorfos que envolvem meu corpo agora combalido. Ponho-me de pé e sinto a confusão mental que resgata os sussurros femininos em tons agora de ameaça. Giro meu corpo à sinistra e não os identifico; à direita e não os vejo.

Não há ninguém a me dominar, não há ameaça que queira sugar meus pecados. Torno à consciência quando abro os olhos novamente e vejo meu corpo, embebido em suor, deitado em minha própria cama, em avançada hora da madrugada. Resigno-me do medo, encolho o corpo em minha cama e miro a estante de livros. Estou bem, acolhido na paz de meus domínios.

Preciso de água, preciso de ar. Sento na cama e estendo os pés. Eles tocam o chão e um frio corre meus membros. Piso em pedras, cascalhos e poeira se alevanta...


Biografia:
aquiles.rapassi@gmail.com
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