LIRA SATISFEITA
Satisfeitos, a atmosfera de amor, amizade e companheirismo imperaram. Harmonia perfeita. Havia sido tocado com tamanha intensidade pelo sentimento chamado amor, que em hipótese alguma conseguiriam viver cada um sem a sua metade. A partir dos nascimentos dos filhos a responsabilidade tornou-se necessária na proteção de suas três sementinhas. Não desejavam luxo, bastava estarem juntos e a felicidade era refletida para o mundo. Nada era melhor do que ficarem bem juntinhos e desfrutando das mais variadas carícias. Desde o primeiro momento, o objetivo de Lira fora de construir um ambiente aconchegante, harmonioso, em total segurança.
Sabedora de que, se fosse competente teria os méritos, e do contrário, no caso de fracassar, sem dúvida não teria vergonha de assumir, com toda certeza essa seria sua atitude. N a circunstância, se negligenciasse, desmotivada por algum motivo, em suas metas previamente estabelecidas, poria seu projeto em mãos alheias. Precisava de apoio, de estímulo, de encorajamento. E sem desejar nem pedir, seu irmão, ao vê-la cuidando dos filhos, lhe disse:
_ Mana, se um dia eu tiver um filho, quem vai criar é você!
_ (Rindo da colocação)_ Não me comprometa...
Lira lançou-se de corpo e alma ao batente. Tudo que se relacionasse com o seu lar, a ela era reservado. Confortavelmente protegida por seu marido, passava segurança e apoio para os pais e irmãos. Seu tempo todo era consumido em tarefas domésticas. Bem instalada. Quando solteira não tinha os recursos que no momento dispunha, suas mobílias eram muito simples: Panelas de ferro; canecas, bules e pratos de ágata... Para quem levava a metade do dia cozinhando o feijão no fogão de lenha, que felicidade! Em minutos ter um macio e cheiroso feijão preparado na panela de pressão.
Lira podia preparar com os recursos que tinha os mais variados pratos para saudáveis refeições. Extremamente feliz, brincava com o pulo da panqueca. Dançava o lento bolero com o filho no colo, enquanto fazia o mingau. Flexionava as pernas ao regar com o molho o assado no forno, chorava com o sumo da cebola ao arder seus olhos. Tinha cegueira passageira com o vapor das panelas que embaçavam seus olhos. Afundava as mãos na massa, ria um riso cheio de alegria, de contentamento, cada vez mais feliz à medida que abria e fechava a massa para modelar os pães, com grande prazer, pois seria elogiada logo que os comessem. Amassava, esticava, afofava. A casa cheirava a manteiga, ovos... Suas mãos claras confundiam-se com a farinha de trigo.
Investia toda sua criatividade, inventando pratos a partir de sobras. Atenta às vontades e gostos culinários de todos para confeccionar cada refeição, variando na medida do possível o sabor, com novos ingredientes, enriquecia os valores nutritivos dos alimentos, aguçando assim o apetite para que todos saboreassem as refeições e sobremesas prediletas.
Com extremada vontade de ajudar, e até economizar, Lira confeccionava as roupas das crianças e da casa, como lençóis, fronhas e cortinas... Cortava os cabelos das crianças e até do marido. Também fazia a barba e cortava os cabelos do pai e dos irmãos. Visivelmente satisfeita, lá estava ela trocando as roupas, lavando, passando, lustrando móveis... A casa cheirosa. Todos bem nutridos com alguns quilos a mais. Via neste encanto uma realidade que tinha certeza foram as de sua mãe, que tal como ela vivia para o lar: Enquanto acendia as lamparinas, medicava com ervas as febres e as diarréias dos filhos. A ensinou que o pó de “bimbinha”, misturado ao óleo de copaíba é uma pomada eficiente pra secar o umbigo do neném. Recursos usados com sucesso em cada sofrimento... Estendia as roupas para secar nas copas das laranjeiras... De cócoras comia pão torrado no fogão de lenha, sempre na cozinha em companhia da lua que infiltrava suave luminosidade por entre as frestas do telhado... Nesse momento calmo da madrugada eram feitos todos os pedidos para a vida melhorar, as faltas, as perdas, ali lembradas...
Esse foi o caminho trilhado por sua mãe. E Lira seguiu desde muita menina, quando se tornou responsável por todo trabalho da casa de seus pais, por ocasião da saída de sua mãe. As experiências adquiridas quando solteira, colaboram muito com a vida de casada, tornando-se uma extensão mais apurada. Assim, como não tinha outras pretensões de mudanças em sua vida como pessoa, bastavam-lhe as conquistas conseguidas.
No conforto do lar construía “peças” de real valor, acúmulo de bens vivos, a tornarem-se sua fortuna.
O casal, com os mesmos ideais formou um eixo forte a conduzir pelo universo seu precioso tesouro, com cumplicidades mútuas em todas as tarefas. Como em primeiro plano, para ela, estava seu lar, suas vontades e desejos podiam esperar. Seu desvelo, sem medir sacrifícios dava inveja, apostando toda atenção, dia após dia, determinada a construir, ansiosa, cautelosa nas suas decisões, não podendo fraquejar, afinal, era seu ninho, tinha que proteger seus filhotes. Por isso, com as necessidades do cotidiano, Lira foi aprendendo enquanto educava os filhos. Muitas vezes transformaram em rosas os espinhos das problemáticas diárias. Orgulhosa, por estar realizando seus objetivos sonhados, tão desejados, sentindo-os palpáveis, considerava-se muito feliz.
Os filhos cresciam fortes e saudáveis. O mais velho, pela manhã, despedia-se seguindo para a escola. O menino, de posse do seu laboratório de ciências havia feito do congelador o lugar seguro para guardar besouros, lagartixas, rãs, necropsiadas por ele, agora encontra um manancial prático do que havia aprendido na teoria. Ficou tão eufórico que pulava, gesticulava: ”Mãe! Essa é uma ave de postura, poedeira, criada para o aproveitamento dos ovos. Quando não põe mais são usadas para alimentação”. Lira, embasbacada, sem entender aquela felicidade do menino, estranhou. Lembrou-se que há bem pouco tempo atrás ele havia ficado paralisado quando o tio Arenil, limpando patos, colou uma pena em seu braço. Em agonia, seu braço foi lavado, ensaboado e de longe lhe foi mostrado que era uma penugem de ave. Dessa vez, enquanto a mãe cortava o frango, ele descrevia as partes, identificando as suas funções: “Asas, braços invertidos com os dedos reduzidos. Ossos ocos, pneumáticos ocupados por sacos de ar ligados aos pulmões. Tem o peito forte, com forma de avião, importante para o vôo de grandes alturas”.
_Mãe, me deixa abrir o coração. Quero ver as cavidades.
_Vai colocar também no congelador? Não quer as tripas pra limpar e fazer uma farofa?
O avô, que a tudo assistia:
_Esse vai ser médico das aves. Você era quem pegava as tripas de galinha pra fazer comidinha...
_E o senhor bem que comia as tripinhas com farinha!
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