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LIRA E A FESTA DO CASAMENTO
Donária Salomon

Na sexta-feira Lira despede-se do pai e dos irmãos seguindo com Olinda, que estava ali só decompanhia, foram para a casa de Thereza. O casamento seria realizado no dia seguinte pela manhã em Nova Iguaçu. Lira esperou por Sílvio até tarde e cada táxi que passava suas esperanças renovava até que o cansaço a vencesse.
Pela manhã começaram os preparativos. Lira não via a hora que o noivo chegasse, as horas da manhã passaram. A apreensão foi geral cada um imaginava um episódio acontecido para justificar o atraso, à tarde também passou, a noite chegou triste e silenciosa trouxe com ela os convidados e à medida que ficavam sabendo que não houve o casamento na dúvida, expressavam-se cada um a sua maneira.

Lira continuava calada, ouvindo os comentários dos irmãos e convidados. Deliberadamente mantinha-se controlada, não adiantava esbravejar, chorar não teria nenhuma utilidade. Um imenso burburinho na casa. Caminha para o quarto, a cama cheia de presentes, porém deserto.Deteve-se frente à parede vazia e o reflexo do espelho da penteadeira aos seus olhos naquele momento pareceu lhe a janela aberta para entrar. Preste a se desintegrar, petrificando-se ao concreto. Um toque em seu ombro a fez virar-se lentamente, sua irmã estava parada ao seu lado.
Tetê apesar de aflita disse gentilmente:
_ Está tudo acabado.
_ Isso mesmo, o que faço agora?   Estudando o rosto impassível de Lira, Tetê sentou-se ao seu lado:
_ Não esperava outro resultado, não é mesmo?   Lira permaneceu em silêncio por algum tempo, pensativa.
_ Eu esperava que ele viesse até o último momento para o casamento, por isso deixei que transcorressem todos os preparativos.   Eu sei que tenho minha parcela de culpa por tudo isso ter acontecido, Mais tenho certeza que ele vai aparecer, hoje não mais virar. Mas virar!      
Depois de tantos transtornos,   Sílvio deveria ser punido. Em vez disso era elogiado, perdoado. Se chegasse seria aclamado e de imediato tudo esquecido.
Um sorriso insinuou-se nos lábios de Tetê, era um sorriso amistoso. Durante todo o mês de preparativos ela observara Lira atentamente e sentira-se atraída pela força e coragem da irmã caçula. Sentia necessidade de confortá-la:
_ Não deve se angustiar tanto, no estado em que se encontra.
_ Não estou mal. Vou sair bem dessa situação.    Murmurou.
Levantou a cabeça reprimindo o vazio de dentro, o desespero, a angústia a derrota afloraram. A expressão dos seus olhos, subitamente comoveu sua irmã arrastando-a de sua serenidade, os olhos embaçados pelas lágrimas e a garganta travada, passou o braço pelos ombros de Lira a consolar:
_ Sei como se sente maninha, mas não se atormente, Deus e meus orixás vão dar um jeito em tudo isso. Lira encorajada acenou com a cabeça. As duas saíram, Tetê seguiu para os fundos onde estavam os convidados bebendo e conversando. Lira saiu para a varanda da frente da casa e ali ficou completamente desnorteada, lamentando-se da intensidade que concentrara os últimos dias em preparativos, havia uma semana que quase não chegava perto da cama, tantos eram os afazeres. Contando que Sílvio estivesse algum contra tempo, viajando a trabalho da editora Abril Cultural, por isso não dando noticias. Queria que ele chegasse e encontrasse tudo pronto. O arrependimento era   que havia conversado muito pouco sobre o que deveria fazer, ele não sabia da festa improvisada, seria surpresa após a chegada do cartório e o resultado foi amargar sua falta e de quebra recepcionar os convidados. Que amável se despediam, alguns com apenas, uma boa noite, os mais chegados apresentando suas condolências e oferecendo seus préstimos. Um amigo tocou-lhe no ombro:
_ Sei como se sente menina, mas não se atormente, saiu-se muito bem, seu comportamento firme ajudou-a muito mais do que pode imaginar.
_ Não fiz nada. Queria fazer, mas não fiz. Por tudo que é mais sagrado, pensei em fazer tantas coisas e acabei não fazendo coisa alguma.

_ Vai fazer. Dê a si mesma uma única oportunidade. Vou manter-me em contato com você, enquanto isso mantenha alto o seu ânimo.
Lira levantando-se da mureta olhou para o portão onde estava o seu amigo conversando com a esposa. Ouviu quando disse: Agora atitude! Tem que ser firme... Lira empinou os ombros, respirou com profundidade o ar daquela noite e teve a certeza de que aquele não era o momento de se dar ao luxo de desmoronar em choro histérico, pois acabava de perceber a amizade em forma de rancor mesquinho, pediu a Deus forças porque sentia muito medo. Afinal sabia que não havia sido pega pelas mentiras e promessas de amor como todos pensavam. Teve a certeza do que previu no momento que se deixou engravidar... Tetê se despedia dos últimos convidados.
Alguns dias depois, na casa da irmã, às vezes idéias fixas pareciam persegui-la. Ficava obcecada com preocupações. Gostaria de voltar para perto do seu pai. Martirizada, sua mente, no momento fervia, exagerando tudo. Da mureta olhava em direção à casa da madrinha, que mesmo à distância se fazia presente, com seu aspecto altaneiro. Lá não tinha coragem de nesse estado voltar. Nesse instante recorda de todos os pormenores da casa, dos acontecimentos e de todas as pessoas que lá havia conhecido. Reviu as brincadeiras com Sueli, uma das netas de seus padrinhos, na imensa escadaria de mármore ao lavar os degraus com sapólio, onde foi ora princesa ora gata borralheira. O jardim, onde nos canteiros se ajoelhara na terra, a cavar, afofando, para que crescessem e florescessem novas mudas de rosas e de papoulas...
Um mês depois do episódio, a casa de Tetê estava com portas e janelas abertas, o som da vitrola bem alto, talvez para espantar para bem longe o sofrimento das três irmãs. Lira havia, com seis meses de gravidez, trabalhado bastante para deixar a casa limpa e arrumada. O primeiro a chegar e pisar no assoalho encerado foi o cunhado. Tetê correu ao seu encontro, beijou-lhe na face:
_ Está cheirando a bebida.
_ “Tô” de férias, não “tô”?
Lira conhecia esse tipo de argumento, porém sentiu que dessa vez, a sua presença influirá no comportamento do cunhado. Ele entrou e seguiu direto para o banheiro e Tetê o acompanhou. O silêncio irrompeu na casa onde momentos antes as irmãs bailavam para dissipar a tristeza dos olhos de Lira. De repente não mais uma conversa que se ouvia vindo do banheiro, eram palavras em tom alterado, berros. Por puro instinto sai da sala e corre a passos largos para o quintal, desejando proteger-se, entregue à tristeza e ao desespero, no entanto não tirava sua razão.
_ Não fique assim. Vamos conversar. Lira ouviu Tetê dizer ao marido que esbravejava:
_ Sai daqui! Você não me ajuda em nada, não sabe agir, só diz calma, como vou ter calma numa situação dessas, o que os vizinhos vão falar quando souberem que estou protegendo uma mulher sem marido e barriguda?
_ É apenas uma menina, temos que protegê-la.
_ Proteger “né”? Vou sair e tomar mais um gole, quando eu voltar não quero vê-la mais aqui dentro da minha casa.
Saiu tropeçando nos móveis evitando que a mulher o segurasse. Lira, sempre em silêncio, pegou a bolsa, colocou nela os seus pertences, trocou o vestido, calçou as sandálias. Quando penteava os cabelos Tetê veio abraçá-la. Lira se adiantou:
_ Não precisa ficar preocupada, vou para o Caminho do Rio, para perto do meu pai. Avisa a Arenil que ele me ajudou muito, só sinto por ter falado, bêbedo.
_ Olinda, que a tudo assistia, mesmo a contra gosto reagiu:
_ Se você vai eu vou também. Lira em agradecimento a abraçou, escondendo no seu ombro o rosto para que não visse que chorava. Deixaram Tetê aos prantos, mas a retirada da casa no momento fazia-se necessária. Olinda entre a cruz e a espada seguiu Lira para não deixá-la desamparada. O silêncio da viagem deixou claro que as duas pensavam no mesmo assunto, a mudez de Lira acabou quando chegaram no ponto da Padaria Velha. Saltou do ônibus, respirou o ar em baixo da sua amiga ingazeira e seguiu a passos largos, com pressa, muita pressa, respirava porque tinha que respirar. Olinda a seguia sem fôlego, pedindo que Lira tivesse mais calma. Lira tirou as sandálias pisando a areia acumulada na beira da estrada. Enquanto caminhava, lembrou a irmã às vezes que caminhou essa mesma estrada trazendo nas costa sua acordeom. A irmã ri dizendo: _Você agora carrega a sua! Lira acaricia a barriga, preocupada, apreensiva, no entanto, sentiu-se satisfeita. Improvisou um repente, desafiando a irmã, e canta: _Arriverdérci Roma, sabe que para sempre em minha vida, terei a lembrança tão querida...A irmã responde.
_O Baião da Serra Grande, já houve! Minha irmã...
_A casinha do Caminho do Rio, não está abandonada, memórias vivem ali...
Olinda com gesto de quem toca o acodem, canta: _As rosas que bailavam de alegria, inspiram só nostalgia do abandono cruel, é bem grande a sua dor o mal que sente é de amor...
Lira lamenta: _As rosas tristes envelhecidas pelo abandono da vida em perene solidão... A irmã pra ajudar entra formando a dupla: _Morrem murchando em botão, despetalado pelo chão. Volta vem rever nosso jardim, vem amor e nunca mais se afastarás de mim...
Ao chegarem no Largo da Madame.Lira não tardou avistar seu pai varrendo a calçada do armazém. Com os olhos brilhantes de choro e emoção pensou: “agora sim estou novamente segura ninguém me fará mal algum”.
Foi recebida com abraços sem palavras, apenas choro de ambas as partes, parecia haver uma eternidade que não se viam. Depois que a emoção abrandou conversaram sobre o acontecido na casa de Thereza. Ficou acertado que Lira voltaria para casa tão logo fechassem o armazém. O irmão a tranqüilizou eu te levo maninha de bicicleta para não chamar a atenção dos vizinhos não por mim que eu quero mais, que os canalhas...Abraça Lira e termina a frase. Explodam-se...Riram...
Lira sentia-se envergonhada, por tudo que não pode realizar, temia ser tratada por pena em virtude do que havia acontecido, tornar-se alvo de comentários da vizinhança não machucaria mais do que já estava, sua gravidez não a deixava impura, e condenava com repugnância todas essas notícias que surgiam constantemente a todo o momento de noiva que abortava para não parecer grávida no dia do casamento. Na sua opinião, escondia debaixo do vestido branco a cova que tirou o pequeno cadáver, então imaculadas pelo véu que cobre seus olhos diante do altar casam. Porque ela não poderia ter seu filho? Seria mais uma das Marias, porém teria seu filho.
Depois do retorno ao Carapiá em companhia do pai, sentiu-se forte. Percorreu o quarto que há um mês antes havia arrumado para deixá-lo. Parecia-lhe sentir ainda as trepidações da bicicleta no corpo. Deitou-se, a principio, ficou imóvel, esperando que o cansaço a fizesse adormecer, mas a insatisfação acabou invadindo seus pensamentos, abriu a janela, a noite clara, o imenso e reluzente céu estrelado de setembro, ao olhar o pequeno quintal o muro o portão as folhas salpicadas de branco do comigo-ninguém-pode, chamou sua atenção, aos seus olhos pareciam reflexos cintilantes das estrelas. Lira contemplou a planta. De repente ao transportar suas esperanças pôs-se à escuta, ouvindo o passo ritmado longe do amado, certa de que ele se deteria no portão, para que ela fosse ao seu encontro oferecer os lábios. Detendo sua ansiedade, sorriu de sua ingenuidade ao passar um transeunte. O ar tornara-se mais fresco viu quando a lua se vestiu de preto, semi-oculta por entre as nuvens, antevendo seu futuro. Ouviu um pássaro vibrar seu canto feito augúrio. Deu-se conta, de que não havia nada para fazer. Havia passado toda juventude naquela casa, sonhado cheia de planos para o futuro, as esperanças transbordaram seus dias, O príncipe dos seus sonhos, afinal encontrado, amado. Não sentiu o tempo passar... Rápido a realidade do cotidiano entra cerrando a porta de seus sonhos. Nesse mesmo instante decidiu, por um sentimento profundo a começar naquela manhã, não sairia mais de casa...


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