O domingo acaba de raiar. Lira olha o relógio encima da cristaleira marcando seis horas, abre a janela e vê os primeiros raios luminosos do sol atravessando as árvores, realçando o brilho às suas folhas. O dia claro, céu azul, lembrou-se das brincadeiras na praia, no mar, sentia-se bem flutuando sobre as águas clara e transparente.
Lira afina a garganta com vários trechos de músicas da jovem guarda, e assim a labuta se inicia. Era de sua conveniência recolher as roupas antes que tomassem sol em demasia.Nessa manhã os varais repletos de roupas macias do sereno.
Cantando, recolheu as roupas, sentou-se à beira do poço para dobrá-las, com as roupas nos braços mal se via seu pequeno rosto, colocou-as numa cadeira para serem passadas. Voltou à porta da cozinha, pegou a vassoura. Varrendo e tirando o pó dos móveis, juntando roupas sujas, tirando os objetos que estavam no chão, Lira canta e trabalha.
Uma pausa se estica na cama, fecha os olhos e sonha.
_Lira! Acorda menina! Ta na hora de trabalhar!
O chamado a fez voltar à realidade.Lira sabia de quem se tratava.
_Tô indo! Pode encher o tanque e as bacias.
_ Tudo isso! Para que tanta água? Hoje é domingo! Que tanta roupa você vai enxaguar?
Lira continua respondendo de dentro da casa, ao Senhor Carolino, pai de sua cunhada, vinha todo o dia encher os vasilhames de água e em troca dos serviços de Lira, que fazia a barba e cortava os seus cabelos.
_Senhor Carolino; não estou dormindo, estou arrumando os quartos.
_Falaram que você teve visita ontem. É verdade?
_ Seus informantes são muito rápidos. Foi um amigo de onde eu morava que veio me visitar. Para seu governo, me achou muito crescida.
_Crescida! Você já pode casar, sabe fazer de tudo dentro de uma casa. Deixa de preguiça, vem ver se chega de água.
_ Está tudo cheio? Então chega! Mas preciso que mate esse frango amarelo. Vou fazê-lo para o almoço.
_ Lá vem a exploração!
_Sem reclamação, por favor.
_ Já sei sua enjoada, coloca a água no fogo para ferver que já...Já...Passo a faca no pescoço do bitelo.
Lira colocou a panela no fogo e caminhou para o quintal, mas quando seu Carolino pegou o frango na posição de degolar, voltou correndo para a cozinha.
_ Vem ver menina, que bobagem a sua.
_ Não quero ver!
_ E se eu não viesse aqui hoje, quem mataria?
_ Deixa de ser bobo, como é que o senhor não viria aqui, se a nossa rua é a sua passagem mata logo isso antes que eu me arrependa.
_ Agora é tarde! Está estrebuchando. Viu como foi fácil.
_ Foi fácil, né? Vou fazer o mesmo no seu onze, quando raspar o pé do seu cabelo. O então... O senhor esquece que embaixo do seu queixo, tem também o seu gogó, com a gilete novinha vai ser fácil, fácil o degolo.
_ Tu és besta! Você fala assim de bobeira. Eu sempre falei que a sua mão é uma seda.
_ É “bebé”! Quem vai cortar é a lâmina, não a minha mão. E agora chega de papo, que eu.
Vou fazer o almoço.
_ Corre mesmo com este almoço, se não vai ficar o dia todo na cozinha, se ficar de moleza perde o domingo. A praia já perdeu.
_ Sai pra lá, boca de azar que o meu domingo você não vai azarar.
Lira sabe que tem que correr, pois o domingo é curto, todo trabalho será paralisado ao meio dia. Daí em diante, sombra e água fresca. A menina é ligeira, tem senso de responsabilidade maneja os serviços domésticos com destreza, logo o delicioso cheiro do refogado subia no ar.
Após o almoço, Lira vai ao cinema com sua irmã e Rita cunhada de Júlio que a trouxe para ajudar Izaíde. Lira foi beneficiada com a presença da amiga que se tratavam como primas. Rita respeitava o Júlio como se fosse seu pai pelo gesto carinhoso que teve em trazer toda sua família de S. Fidélis para o Rio o de Janeiro.
Foram se arrumar, tantos foram os preparativos vestindo e tirando a roupa, até que finalmente chegaram a um consenso: Passam pó de arroz, batom, molduram os olhos com lápis, penteiam os cílios com rímel, calçam meias finas e sapatos, perfumam-se. Assim saíram as três. Rita, mais ou menos da idade de Lira, parecia mais baixa, por ser gorda e de estrutura atarracada não fascinava. Mas atraía a atenção com grande simpatia, pois mesmo com a dicção deficiente cumprimentava a todos com muita alegria. A caminho do ponto do ônibus, seu corpo e gestos tornaram-se elétricos, sacudindo-se toda, ora do lado de Lira, ora do lado de Olinda, de vez em quando dava uma guinada no salto do sapato. Lira chamava sua atenção:
_ Rita apruma o corpo, estica a perna, seu pé tem que ir para frente. Então ela voltava a caminhar ereta. Mas logo, logo esquecia e novamente jogava o corpo pra frente e as pernas para trás, totalmente inclinada parecendo que ia bater de cara no chão. A todo instante segurava o ombro das primas, o jeito cômodo que achava para não ficar para trás. Quando Lira percebia que estava sendo puxada lembrava a prima que estava esquecendo das boas maneiras. Rita, mas uma vez pedia desculpas.
Quando chegaram no ponto do ônibus, Rita falou:
_Nada de ônibus Barra, essa hora tá cheião. As duas irmãs concordaram e riram do cheião arrastado, embarcaram no ônibus Ilha de Guaratiba. Depois de passar a roleta Oli sentou-se e Lira e Rita no banco atrás. Mal a condução saiu Rita debruçou-se para conversar com Oli e Lira advertiu-a:
_Fala baixo para não chamar a atenção.
Voltou-se para a janela, sentiu o carinho do vento no rosto, viu as árvores, os morros, contemplou a grandiosa ingazeira na entrada do Caminho do Rio, sentiu saudade ao ver longe a areia fina e branca que descalça pisou como se pisasse num fofo tapete de pétalas de rosas. No Largo do Corrêa viu a escola onde há pouco tempo atrás estudou, a ponte, o armazém de Juquinha Paes, o Largo do Monteiro onde funcionava a oficina dos bondes e onde os passageiros faziam baldeação, a guarita. Uns raios reluzentes no asfalto chamaram sua atenção, mas logo identificou que se tratava de pedaços do trilho que estavam à mostra, o bonde fora uma condução muito importante na sua infância. Quando andaria novamente de bonde? Por que não podia ter os dois? Somar é melhor que subtrair. Não adiantava lamentar, não havia condições de resolver, e problema que não tem solução, solucionado está. O que passou, passou, deu-se por satisfeita. Pulara muitos dormentes, se equilibrara nos trilhos, ouvira o som do bonde com as orelhas grudadas no trilho, sabia até de que lado ele vinha ou ia. Questionou, lamentou. Nesse delírio viajou... Nem para dentro do ônibus olhou. Rita afoita cutuca e Lira se assusta. Rita tenta mostrar o rapaz que havia embarcado na altura do Comari Lira não deu a mínima. Voltou a olhar a paisagem e lembrar os nomes dos lugares onde o bonde passava que afinal são os mesmos por onde passa nesse momento, sentada no ônibus em cadeiras macias.
Rita não agüentando mais:
_Deixa de sonhar acordada, olha pro rapaz, o cara não tira os olhos de você, fica marcando touca que o jacaré te engole.
Lira levantou o olhar tão rápido, viu tanta gente que preferiu voltar as suas recordações. Rita a tagarelar alto com Oli, incomodou Lira que de leve tocou-a dizendo fala baixo. Rita sacudiu o ombro dana-se Lira olha para ver se havia alguém olhando pra elas. Lira nesse momento viu a única testemunha, de grandes olhos castanhos que a fitava. Quase hipnotizada, perplexa, quando ele esboçou um discreto sorriso de satisfação ela entendeu como dissesse: “Agora sim você me viu”. A sensação de deslumbre penetrou no coração de Lira. Chegando no ponto final na praça Raul Boaventura o rapaz que viajou todo o percurso de pé se posicionou para saltar, Lira ansiosa da janela a procurar na calçada, mas havia muita gente que saltavam de outros ônibus. Apressou-se a saltar, espremida, conseguiu chegar ao degrau da porta sempre olhando para a calçada, se descesse do ônibus sem olhar pro chão ia pisar nos pés do rapaz, Lira desceu quase empurrada e levada pela prima e a irmã como se fosse uma criança teimosa e pirracenta e ouvindo as gozações de ser distraída e tola.
_Do que vocês estão falando?
_ De você não ver o rapaz e ainda ficar parada igual uns “dois de paus” atravancando a porta.
Lira com ar de vencedora: _Cuidado boquinha, com o que fala. Eu vi e falei com ele, sua Rita ita catifirifita cerra mato ita catifirifita.
_É. Lira ira catifirifira cerra mato ira catifirifira.
Oli interrompeu a brincadeira:
_ Vocês vão falando até soltar uma bobagem, já esqueceram do nome de Dona Roide que vocês falaram nessa língua pervertida? Rita colocou o braço no pescoço de Lira e implorou:
_ Diz como você conseguiu falar com ele?
Lira que já não estava agüentado arrastar a prima foi rápida na resposta:
_Foram os nossos olhos que falaram.
_Ele falou o quê, dos seus olhos?
_ Não foi dos meus olhos, foi conversa de olhares, agora, por favor! Tira o braço do meu pescoço, me dá sua mão.
Seguiram juntas em meio uma verdadeira multidão apressada. Lira na confusão havia perdido o rapaz
_Viu! Por causa de vocês, não vejo o rapaz.
O filme em cartaz era Candinho, com Mazzaropi. Depois de enfrentar uma enorme fila, entraram no cinema que estava lotado, poucos lugares vagos, o lanterninha iluminando conduziu as até encontrar lugar para as três e mais ou menos no meio do cinema passou a luz da lanterna rapidamente nas três cadeiras era o sinal que podiam sentar-se. Lira entrou, depois Rita, em seguida Oli. Lira ao colocar no descanso da cadeira o braço esquerdo esbarrou no homem que estava sentado ao lado. O cinema gargalhava. Lira falou:
_ Viu! A pressa, em não esperar o filme terminar. Podíamos esperar lá no salão.
Passou a mão no bordado do vestido examinando cada pedaço do ramo, os que ela havia feito, eram caules e folhas. Quando estava bordando Oli deu a linha Varicor com matizes de verde, só colocou o verde forte, quando a irmã perguntou porque só o verde escuro, respondeu: “Quero que fique igual ao meu pé de crisântemo que o passarinho plantou na minha horta”.Então a irmã explicou: “Eu vi, mas os rococós da flor têm que ser entremeados de linha branca e vinho”. Lira entendeu, acrescentando: “E o miolo com miçangas amarelas e marrons, não é?...”.
Oli resmunga: _ Que demora! Esse filme parece que não acaba mais.
._ Eu gostei muito desse vestido da cor de alface.
Rita interferiu:
_Que você joga todos os talos fora!
_ estou falando da cor do vestido.
_Eu sei! Mais tu és trouxa, o talo é gostoso, a gente come e nossa boca fica cheia d’água e agente não se entala com a comida.
_ Vai lá ajudar o Candinho. Você mastiga, mastiga os talos, molha a horta, antes que chova.
Lira após ganhar uma cutucada de Rita, deu uma acertada no vestido e encontrou a mão do sujeito debaixo de sua perna, então rapidamente acomodou-se pro lado de Rita para se proteger. Quando o filme terminou e as luzes acenderam, Lira olhou para o lado e o homem já havia saído. Rita resolve ficar em pé para uma esticada, olhou para trás e com os olhos de lince viu o rapaz do ônibus em pé lá no fundo do cinema, acenou apontando para a cadeira ao lado de Lira que estava vazia, Lira não gostou dos modos da prima fazendo um oferecimento deslavado daquele. Mais para o momento foi uma decisão perfeita.
Todos sentados alguns ainda se acomodando com a ajuda do lanterninha, a luzes se apagam e o filme começa. Depois de conversarem Lira ficou sabendo que o rapaz morava em Campo Grande e estudava no Colégio Campo Grande e seu nome era Sílvio. Na saída do cinema Lira trazia no rosto sinais de preocupação, no entanto avistou-o conversando com alguns colegas na calçada e ao cruzarem trocaram um leve sorriso, Lira continuou a andar indecisa e insatisfeita, deveria ter sugerido um novo encontro, como não o fez achou que tinha perdido a oportunidade por falta de iniciativa. Enquanto caminhava para o ponto do ônibus deu graças a Deus por não ter ônibus no ponto, assim quem sabe ainda o veria novamente. Com o cair da noite de domingo, comércio fechado, a praça Raul Boaventura semideserta se ouvia no alto-falante a música “El Presidente” do conjunto “Tijuana Brás”. De imediato essa música envolveu o seu ser e tornou-se a eleita de seu coração que agora pulsava mais forte. Pensado no olhar penetrante que através de suas retinas, fundiram as suas almas. Obstinada interroga aquele encontro de seres no meio de tantas pessoas diferentes. Pertencia sem dúvida a uma classe polida cujas palavras saíam de formas objetivas e convencionais, um raciocínio sempre completo. Haveria de encontrá-lo novamente...
Meses depois do encontro no cinema, numa época de muita chuva, passando perto do túnel que interliga os dois lados do bairro sob a linha férrea, Lira ouviu um “psiu”, continuou a andar, mas a intuição falou mais alta, parou, deu uma olhada e avistou o rapaz abaixado amarrando uma grande mochila, “oi!’, disse Lira ele respondeu apenas com um sorriso, Lira então perguntou se ele tinha feito o” psiu “. Ele não deu certeza, mas Lira estava certa de que tinha sido ele e satisfeita por tê-lo encontrado perguntou se ia viajar, ele respondeu que praticava alpinismo e naquele momento estava indo para Itaguaí como voluntário na ajuda às vítimas da enchente. Marcaram um encontro, mas não se encontraram. Novamente Lira ia e vinha a Campo Grande na tentativa de encontrá-lo. Dezembro, o comércio lotado, conseguiu avistá-lo em frente à Sapataria Santa Clara, viu quando ele entrou. Segurou o passo, esperou até que saísse. Ele saiu e pôs-se novamente em frente à sapataria junto a alguns rapazes”. Sentiu “. -se envergonhada de se aproximar, chegar nesse momento não seria vista com bons olhos. O que fazer? Enquanto esperava, uma multidão de fregueses colocou-se diante da loja então se apressou, esbarrando num senhor, pediu licença a um menino e conseguiu chegar perto. Desta vez foi rápido o encontro, ele estava trabalhando, um novo encontro foi marcado e igualmente ao primeiro não aconteceu. Lira voltou várias vezes à sapataria, chegou até a comprar sapatos, não mais o viu, contudo não perdeu a esperança de encontrá-lo”.
Nove meses depois do encontro no cinema, no dia treze de junho de 1966, na festa de Santo Antônio na Curva do Matoso, Quando mal chegaram, Lira e Dora depararam-se com o rapaz que conversava com prováveis amigos. Trataram de mantê-lo sob observação constante, dessa vez não permitiriam que a oportunidade se perdesse, mantiveram uma certa distância aguardando que o papo terminasse. Em dado momento foi ele quem percebeu a sua presença, mas não teve chance de aproximar-se porque nesse momento Lira foi abordada por Jorge seu vizinho que insistia em entabular conversa, Lira não podendo dar atenção, disse que daria uma volta. O rapaz afastou-se depois de lançar uma proposta:
_ Vamos ver qual dos três se arruma primeiro? Lira topou na hora, sem tirar os olhos do rapaz, certa de que ganharia a aposta. Enquanto o amigo saiu em busca de sua caça Lira e Dora se posicionaram em frente à roda de rapazes e logo, talvez hipnotizado a presa caminhando a passos lentos juntou-se a elas em companhia de um amigo. Depois das apresentações, a sobrinha conversava com o amigo e Lira pôde então perguntar pelos desencontros. Ele explicou que não sabia o que estava acontecendo, afirmou que compareceu a todos os encontros. Lira não fez força para entender, estavam novamente juntos, isso bastava, estava satisfeita.
O colega Jorge, o da aposta, passou bem perto para confirmar e com um leve aceno demonstrou reconhecer que tinha perdido a aposta.
Marcaram um novo encontro, para o dia seguinte, segunda-feira e acertaram que dessa vez não poderia descarrilar, iriam encontrar-se na praça da Igreja de Nossa Senhora do Desterro. Logo se lembraram que as segundas-feiras uma grande quantidade de pessoas acendem velas no cruzeiro da igreja pela remissão das almas o que produzia um fogaréu e um cheiro quase insuportável de sebo derretido, mas isso acabou para eles tornando-se motivo de brincadeiras. Despediram-se. Lira toda feliz pediu a sobrinha para acompanhá-la no dia seguinte ao encontro, falava com entusiasmo:
_ Dora, só mais uma noite e vou vê-lo novamente.
Lira passou uma noite de sonhos maravilhosos. A manhã estava ótima e a tarde seria linda, por isso nessa manhã cantou enquanto cuidava de seus afazeres. O Sol e o vento se incumbiram das roupas no varal, o cheiro gostoso do almoço no fogão, quando tudo estava pronto foi aprontar-se. Quando a sobrinha chegou em seguida saíram. Caminhavam e a sobrinha fazia suspense de sua opinião do que poderia acontecer. Lira ressabiada com a desconfiança de Dora que conhecia toda a estória acomodou-se ao seu lado no assento do ônibus, fechou os olhos para descansar do trabalho que teve durante toda a manhã, de quando em vez abria os olhos e logo cerrava novamente as pálpebras. Ergueu-se e encostou o rosto no vidro da janela. Depois de observar longo tempo o céu, voltou a olhar as árvores naquele ar fresco de junho. Sentia uma espécie de monotonia, seu olhar, detido como que paralisado em quanto á condução seguia.
No ponto final desembarcaram e seguiram para a igreja. Ainda longe avistaram os rapazes sentados no banco da praça. Pareceu-lhe que ele se encontrava ao seu lado, um calor sensual percorreu-a levemente da cabeça aos pés, um impulso rápido do seu coração apaixonado, tramando seu destino Lira pôde então soltar o ar contido no peito apressou-se. Cumprimentaram-se com uma leve bicota e os dois casais conversaram naquela tarde como se fossem conhecidos de longa data. Ele com um Português fluente. Tinha o rosto sereno, cabelos de corte baixo negros, crespos e brilhantes, sobrancelhas altas extensas tornando ainda maiores os olhos castanhos e amendoados os cílios cerrados, longos. Sua eloqüência e encantador olhar atribuíram a Lira uma importância especial a todas as palavras que ele pronunciava.
Lira comentou a respeito da festa junina na igreja de perto da sua casa e os convidou para assistirem a dança de quadrilha que ela fazia a marcação dos passos, dançava e neste ano seria a noiva e Dora a mãe.
Até o final da tarde os rapazes não tinham afirmado com certeza se iam à festa, mas agradeceram o convite e propuseram que se não fossem, não seria motivo de um novo desencontro, tornariam a encontrar-se ali mesmo na próxima segunda. Caminharam de mãos dadas até o ponto do ônibus, brincaram e riram como crianças que acabavam de selar o pacto das segundas-feiras. Descobriram que nasceram e viviam em Campo Grande e gostavam das mesmas músicas. Após esse encontro, tornaram-se namorados.
E aqueles quase encontros apesar de não serem significativos para o rapaz afirmando, que mesmo não se procurando se encontraram é por que estava escrito. No entanto Lira sabia o quanto lhe custou à busca, na verdade foi intensa, Quase um ano, não faltou nenhum dos encontros e se perguntava: Será que ele foi?
Entrou no ônibus e voltou a preocupar-se, falou com Dora:
_ Como vai ser?
_ Como vai ser o quê?
_ O Nilton. Ele dança comigo.
_ Ah! Vocês não desmancharam o namoro?
_ Eu sei, mas ele não se conforma...
_ Deixa disso, você não está gostando mais desse? Acabou e pronto!
_ Ele está desconfiado porque eu mudei.
_ É bom porque ele perde logo a esperança, em três anos vocês não se acertaram, para que continuar, ainda mais agora que você está com calafrio na espinha por causa desse novo rapaz!
_ Vamos ver no quê isso vai dar...
Essa questão não pareceu tão simples para Lira, apesar de estar feliz, sentia-se triste, paralisada ao pensar na possibilidade de ser causadora de sofrimentos, que na certa deveria sentir, pois gostava tanto dela, quanto ela gostava do novo namorado e seria proibido de vê-la freqüentemente. Afinal foi seu primeiro namorado, era seu par constante na dança da quadrilha, amigo de seus irmãos e freqüentava sua casa. Lira havia desmanchado por causa de ciúmes da parte dele. Não deseja ser causadora de dor a quem quer que fosse muito menos aquele que a amava Mais teria que deixar esse porto seguro em busca de sua fonte de felicidade...
Estava possuída de profundos impulsos emocionais sentia-se alegre mesmo sem conhecê-lo o suficiente. Não teve dúvidas seria ele o seu predestinado para compartilhar de sua existência. Não sabia que estava no limiar da vida real para a vida de sonhos Pegou na bolsa o papel da bala que ele havia oferecido, apertando contra os lábios o beijou. Conservou o na boca e refletiu: Ele é o meu príncipe. Tenho certeza pela forma que me sinto agora se for comparar antes, não havia essa comoção que me arrebata do chão.
No dia da festa lá estava Lira vestida de noiva dançando e marcando a quadrilha, todos os componentes vestidos a caráter receberam os aplausos do público que assistia aglomerado em volta da quadrilha. Quando marcou “Olha a chuva” todos os componentes se abaixaram e ela pôde ver lá no topo da estrada o rapaz que descia o caminho da igreja. Foi difícil continuar. Ordenou, “Cumprimentar o público” e “Caminho da roça” e um segundo depois estava a caminho da sacristia para trocar a roupa. O ex-namorado andando atrás dela queria saber o que estava acontecendo, insistia para falar com ela, foi quando apressada respondeu às suas indagações:
_ Agora mesmo é que não posso explicar nada. Meu namorado está aqui na festa. Saiu correndo para os braços de seu príncipe..
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