A Casa de Thereza
Na plataforma entrou com as crianças no trem com destino à Santa Cruz, sentou-se. Depois de mais de uma hora de viajem entretido, vendo e ouvindo ambulantes com seus pregões a ir e vir ao longo do transporte, vendendo; Pente Flamengo, pregadeiras redes, óleo lavanda brilhantina gumex, agulhas, linhas de costura e de bordados, fósforos, pavios de lampiões e lamparinas, biscoitos de polvilho...
Chegaram em Campo Grande, ali saltaram, pegaram o lotação que os levou até o bairro Magali, andaram um pouco mais chegando ao Jardim Santana. Lá estava à casa de sua filha onde estavam abrigados sua mulher e um casal de seus filhos ( Elias e Olinda). Depois do desconforto da viagem finalmente podia descansar. Almoçaram ou jantaram, devido à hora que fizeram a refeição. Conversaram, fizeram planos para esperar a mudança que seria despachada por Júlio que ficou com essa incumbência em São Fidélis.
Lira, carioca da gema, estava de volta à sua terra natal. Recebida com abraços, beijos e apertos nas bochechas. No meio da conversa barulhenta, tilintar de pratos e talheres, o rádio tocando música de carnaval, aproveitou a euforia da mãe e das irmãs que dançavam, pediu à mãe: _Me dá um golinho aí. A mãe que pensou que ela havia esquecido deu uma gargalhada, colocou-a no colo mostrando o peito vazio:
_ O leite secou, o gato bebeu tudo. Você está muito grande para mamar. A mãe foi caminhando para o tanque e Lira a seguindo, chorando com raiva do gato. A mãe fez carinhos, alisou os cabelos. Lira parou diante da mãe, olhou como só agora enxergasse, lambeu as lágrimas salgadas e quentes. Gostou, fez força, não saíram mais lágrimas, o que conseguiu foi rir riu alto, a mãe abraçou-a e ficaram por alguns momentos iluminadas pelo sol daquele fim de tarde. Para Lira foi como se acendesse uma luz na sua mente, daquele momento em diante tudo que ouvia com clareza ela entedia, foi uma espécie de despertar de um longo sono...
Certa vez sua irmã tocou no assunto batizado, Lira aguçou os ouvidos para aquela palavra. _Se todos são batizados, ela deveria ser também, teria padrinho e madrinha para tomar a bênção, foram às palavras de sua irmã Thereza. Lira lembrou-se da ordem de sua mãe para o seu irmão: _ “Toma a bênção a seu padrinho menino!”. O reforço do que ouviu, veio em seguida quando conheceu os vizinhos e compadres de sua irmã. Cabe aqui um adendo uma família negra: Senhor Pedro, Dona Georgina e as filhas adolescentes Eva a mais velha e rechonchuda e Elzi bem esguia. Quando foi apresentada Lira não conseguiu distinguir qual das duas era a afilhada de sua irmã, pois as duas chamavam sua irmã de madrinha Thereza e tomavam a benção! Nesse convívio Lira brincou e aprendeu muito com as meninas, que a banhavam na bacia, penteavam seus cabelos se revisavam a fazer: trança, rabo de cavalo e coques amarrados com barbantes. Aprendeu a fazer, boneca de pano, cantigas de roda, passar anel, o corrupio, pintar os lábios com urucum... Comeu angu com carne salgada no feijão...E sempre que contavam estórias de fadas e bruxas, encenavam em baixo do túnel feito pela grande parreira de maracujá...
Nos, dias que seguiram, Lira sempre segurando a perna do pai caminhava para o portão. Enquanto ele fumava, ela brincava na calçada de pedra bruta no estilo mata junta. Todo o dia passava um senhor que comprava pão em uma barraca um pouco acima da casa de sua irmã, este senhor brincava muito com Lira e conversava com seu pai. E nesse dia a menina aproveitou a longa conversa, parou de pular as pedras e girou em volta das pernas do pai.
_Fica quieta! Tenha modos!
Olhou para o pai, olhou para o senhor, até que o pai intrigado perguntou:
_ O que é que você quer?
_ Pede a ele.
_ O quê? Tornou a perguntar.
Ela tomou distância dos dois e falou:
_ Pede a ele para me batizar.
O pai todo sem jeito tentou disfarçar dizendo que ela queria pão. O senhor que não entendeu direito o que ela falou perguntou:
_O que mesmo que ela quer?
O pai de Lira não sabendo o que responder muito sem graça coçou o queixo, contraiu o rosto, falou:
_ O senhor me desculpe, mas ela quer que o senhor a batize.
O senhor então sorriu e perguntou a idade. Ficou admirado em saber que até os seis anos não tinha sido batizada. Deixou entender ao se despedir que conversaria com sua esposa, deu um sorriso para Lira passou a mão na sua cabeça despedindo-se.
De volta para dentro de casa Seu Vicente não se agüentava em pé de tanta vergonha, com um sorriso sem graça falou:
_Essa menina me fez passar uma vergonha.
_O que foi que ela fez pai?
Perguntou Thereza.
_Pediu para que ele a batizasse.
A irmã soltou uma gargalhada não sabendo se de contentamento ou espanto dizendo:
_ Meu Deus, senhor Alberto é o homem mais rico da redondeza.
_Viu no que dá falar as coisas na frente de criança.
Retrucou a mãe de Lira.
No dia seguinte seu pai evitou ir até o portão, mas quando ouviu as palmas certificou-se que era o senhor Alberto, olhou para Thereza como se pedisse socorro. Nada mais justo, pois tinha sido ela a começar tudo. Ela não negou o pedido, apressou-se em atendê-lo pedindo desculpas pelo acontecido no dia anterior. Sr. Alberto todo sorridente, vendo a menina na varanda junto do pai foi dizendo:
_Já é minha afilhada.
A partir deste momento toda situação de constrangimento e insegurança desapareceu e a decisão foi celebrada com o pedido de bênção, beijo na mão e um forte abraço.
Sr. Alberto conversou bastante com todos que estavam presentes, apontou para o lado onde estava situada sua residência, desejando que a menina e os demais fizessem uma visita e conhecessem sua esposa. Depois da despedida o silêncio foi quebrado com todos falando ao mesmo tempo. Thereza deu um abraço apertado em Lira dizendo:
_Graças a Deus! Você teve sorte.
Disse o pai.
Ele gostou mesmo dela. Porque ele teria esse trabalho, pois deve ter muitos afilhados com a idade que tem. Louvado seja Deus!
Lira admira o vestido feito por Dona Conceição, filha de seus padrinhos. Por vários dias não deixou de visitar o quarto de costura e delicadamente caminhava até a máquina Singer, a que costurou o seu vestido e que por direito poderia usá-lo também. Pegou o vestido branco, passado e engomado, que estava pendurado, e vestiu-o na máquina, abrindo toda a sua roda da saia no tampo do gabinete. Percebeu que tinha pouco comprimento, não chegava nem no joelho dela, deixando-a com as pernas pretas de fora, e sozinha com a máquina, conversou: “será que toda essa gente ficaria surpresa se você chegasse assim na igreja, e todo mundo ia rir de suas pernas de ferro preto e seus cabelos curtos encarapinhados porque come muitos rabos e focinhos de porco no feijão?” “Fala que você era branca e uma bruxa ruim dos contos de fadas, que tinha inveja de sua beleza e alegava que seus pais estavam velhos para ter uma filha tão bela e por isso transformou-a, com sua vara de espinhos, sua cor e seus cabelos longos e castanhos em carapinha e depois não se conteve em vê-la andando por ai, transformou-a em uma máquina de costura preta, de pés largos”.
“Mas diga também que gostaria de ser batizada...”
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