A Infância de Lira
Pais, na época eram muitos: Irmãos mais velhos com cara de pai, padrinho, tios, até sobrinhos mais velhos com idade suficiente pra serem seu pai, e o Senhor Vicente Gonçalves Fontes, que na ocasião do seu nascimento, devido à idade avançada, foi o seu “pai-avô”. Contando, o velho teve um total de vinte filhos e entre mortos e feridos sobreviveram quinze. Porém, os que se foram ficaram no coração de Lira. Entre os feridos estava a caçula, Lira. Ferida não! O que eu quero dizer é: Nascida empelicada. Sabe lá o que é isso? De imediato penso: No caso do seu nascimento estivesse sido nos dias atuais, num hospital com câmeras por todos lados, que sucesso seria. As manchetes dizendo: Gestante deu à luz uma espécie de ser... Teria várias versões, por onde a noticia chegasse: Parece um bucho de porco recheado com uma espessa massa... Extraterrestre... Chupa –Cabra... A especulação haveria de durar até chegar alguém que entendesse do assunto, na certa não teria ninguém disposto, para abrir o presente de aniversário de Dona Isabel, naquele sete de abril 1949; Lira morreria dentro de sua bolsa que estava totalmente lacrada. Graças a Deus Lira não nasceu num hospital equipado. Nasceu numa tarimba, em um cômodo de chão batido cuja iluminação provinha de uma lamparina. Mesmo assim, quase foi enterrada por seu pai que a pedido da parteira havia cavado um buraco bem fundo, para enterrar a tal lua (vamos chamar assim, porque o seu invólucro tinha o formato de lua crescente). O pai embalado por doses de Caninha feita na roça, fez do embrulho uma algibeira e já saía do pequeno cômodo, quando sua mulher o chamou:
_ Volta Vicente, que eu não vou deixar enterrar sem saber o que saiu de mim.
Sentou-se na cama e procurou um lugar que pudesse com facilidade abrir o embrulho gorduroso, como não encontrava, com as próprias unhas tirou parte da gordura que pelo tempo exposta ao ar estava ressecada. Continuou seu intento, a abrir sob os olhares do marido e da parteira que a essa altura rezava com galhos de arruda em rápidas batidas no ar. Logo que abriu deparou-se com a criança que dormia quietinha, semelhante às bonecas da Rússia.
Após os procedimentos feitos pela parteira, que a essa altura havia colocado o galho de arruda atrás da orelha. O pai Senhor Vicente, como era de seu costume fazer com todos os filhos que nasciam, pegou a menina e encaminhou-se para o quintal. E à lua pediu:
_Lua, luar, olhe esta menina e me ajude a criar...
Lira mamou... Comeu feijão, arroz, abóbora, inhame...Muitos outros alimentos. Cresceu forte, corada. Mas aos três anos resolveu mastigar alguma coisa mais sólida. Aproveitou a distração de sua mãe que cerzia e pregava botões, sentada numa sombra do quintal. Pegou um dos maiores botões de farda do exército, com quatro furos, feito de osso. Que pela qualidade deveria ser de um animal de grande porte. Engoliu. A mãe desesperada tentou provocar o vômito. Lira ria enquanto seu pequeno estômago digeria o botão que deveria naquele momento ser pregado na farda do irmão e no dia seguinte bem cedo seguir para o quartel. À noite com o nariz tapado, braços e pernas imobilizados toma uma boa golada de óleo de rícino. Na madrugada a mãe lança o último recurso, aplicou-lhe um clister.
Após o episódio o bordão corria solto por toda casa: Dondon engoliu o botão grandão!... E graciosa respondia: E a lavagem no... Né, mamãe? Logo depois, Lira parte com a família, foi morar em São Fidélis.
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