A obtusidade dos “Homens de Ciência”
Rosimeire Santos*
A história do estabelecimento dos primeiros centros científicos no Brasil data da chegada da família real. Junto com ela não vieram somente uma corte gigantesca de 10 a 15 mil nababos sustentados pela suntuosidade do poder absolutista da época e os problemas de enfrentamento ao emergente e avassalador poderio napoleônico, veio também à necessidade de modernizar a colônia a sua nova condição, ser sede do Império luso. A mudança não tinha precedente não apenas na história das Américas como em toda a história da exploração colonial. Nunca antes houvera um monarca europeu sequer posto o pé em uma colônia do Novo Mundo, muito menos se estabelecido em uma delas como centro de poder. Após sua instalação na capital, o Rio de Janeiro, o príncipe regente iniciou imediatamente a tarefa de adequação da colônia a nova realidade de funcionamento do complexo e burocrático aparelho estatal, criou instituições indispensáveis a esse propósito como o Banco do Brasil, instalou as primeiras tipografias para o funcionamento da Imprensa Régia, além de preocupar-se em preencher a lacuna intelectual e artística que existia, fundou as primeiras faculdades de medicina e direito, os institutos históricos e geográficos, os museus de etnografia, o Jardim Botânico, chegando até mesmo a contratar uma Missão Artística Francesa para fundar a primeira Academia de Belas-Artes. Um “bando de idéias novas”, foi assim que Sílvio Romero definiu a pujança do novo momento intelectual.
A esses novos centros de produção de saber era confiada a certeza de que os destinos da nação passavam por suas mãos e de que era necessário transformar seus conceitos em instrumentos de ação e transformação da realidade. Na faculdade de Medicina da Bahia em finais do século XIX, predominavam as teses sobre a medicina legal. Lília Moritz Schwarcz, nos relata que nesse momento o objeto privilegiado de pesquisa não era mais a doença ou o crime, mas o criminoso. Sob a liderança de Nina Rodrigues, a faculdade baiana passou a seguir de perto os ensinamentos da escola de criminologia italiana, que destacava os estigmas próprios dos criminosos: era preciso reservar olhar mais para o sujeito do que para o crime.
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* Especializanda em História Afrobrasileira pela FTC. Licenciada em História pela UCSAL. Membro do Grupo de Pesquisa Epistemologia do Educar e Práticas Pedagógicas do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA. Autora deste artigo. E-mail: rosipds@yahoo.com
A sinistra originalidade encontrada pelos “Homens de Ciência” baianos para explicar a nossa “degeneração” e atraso, pelo visto não está lacrada no passado. O país esta semana foi surpreendido com declarações escabrosas do Coordenador da Faculdade de Medicina da UFBA, Sr. Antônio Dantas, que ao tentar justificar o péssimo desempenho da instituição que coordena no ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), recorreu aos antigos métodos de explicações raciais dos seus antecessores, ao anunciar que o catastrófico resultado na pesquisa não poderia ser interpretado como um ato proveniente de uma ação política dos estudantes em não submeter-se a esse padrão de avaliação, e sim ao “baixo QI (quociente de inteligência) dos baianos”. Com esse furo do dia, nosso ilustre “Homem de Ciência” demonstrou que idéias conservadoras, elitistas e preconceituosas não são apenas fatos de uma narrativa histórica, mais discursos e práticas que continuam vivas, atuantes e o pior, perpetuam-se a ocupar postos importantes dos centros científicos de produção ou reprodução acrítica de saber?
Nina Rodrigues, do além, lhe manda informar meu caro Professor, que essa deformação genética de que sofrem os baianos é muito pior do que o senhor imagina. Extremamente seletiva só fez uma vítima, o senhor mesmo. Disso, alguém dúvida?
Referências bibliográficas
ROMERO, Sílvio. O naturalismo em literatura. São Paulo, Lucta, 1882. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro, José Olympio, 1. ed. 1888. O evolucionismo no Brasil. Rio de Janeiro, Livraria Clássica, 1895.
SCHWARCZ, Lília K. Moritz. Brasil afro-brasileiro. Organizado por Maria Nazareth Soares Fonseca. Raça como negociação. 2. ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
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