O Brasil está em festa, porque o melhor samba-enredo homenageia Eunice Paiva.
Ainda estamos aqui, resistindo à opressão de um passado que maculou o que fomos e o que seremos.
A marchinha de carnaval ganhou ritmos de vozes potentes da música popular brasileira.
E a alegoria é de penugens escuras tal qual a prisão, a tortura e o exílio político.
Meu bloco é primavera nos dentes, e a porta-bandeira do momento é Fernanda Torres.
Ontem à noite, o cinema brasileiro foi agraciado com a eminente estatueta do Oscar na categoria de melhor filme internacional, o que é motivo de orgulho à sétima arte de qualidade que aqui se faz. Este prêmio certamente já se tornou arma política da qual a esquerda se apoderou para lançar seu discurso contra a extrema direita reacionária, que até agora tem dificuldade em reconhecer a grandeza de Fernanda Torres, atriz que repetiu os passos de sua mãe, indicada ao mesmo prêmio pelo filme Central do Brasil em 1999, embora Ainda Estou Aqui seja de uma temática que apela para que os tempos sombrios de nossa História não se repitam.
No Brasil, a solenidade foi regada pelo clima carnavalesco da agitação do povo, e ainda que a atriz principal tenha perdido o Oscar para Mikey Madison, que interpretou Anora, Fernanda Torres consagrou-se como boneco do Olinda, feito que para um brasileiro é símbolo de reverência nacional. A grande Fernandinha não é a preferida da academia nem da crítica, mas por muito tempo seguirá sendo o ícone predileto de parte considerável dos brasileiros politizados.
Inegável que fomos, de certa forma, ofuscados mais uma vez por uma produção que carrega a marca do glamour hollywoodiano, mas a vitória na categoria de melhor filme estrangeiro é um prêmio louvável, não obstante o peso de nossa história tão vivente nos leve a acreditar que seríamos merecedores do melhor filme geral. Anora… anistia? Quase. A disputa foi acirrada, mas a anistia não pode lograr êxito quando se trata do bloco rígido dos direitos humanos, conquistados a duras penas em cada batalha cultural, pele a pele ou constitucional.
Já derramamos muito vinho tinto de sangue…
O filme lateja no pulso firme porque a ditadura não é ditabranda, e o Estado Democrático de Direito tem sido afrontado nos últimos tempos após hediondas tentativas de golpe das nossas instituições, a anistia desses criminosos é igualmente inconcebível. Agora, após denunciado por Paulo Gonet, ou o opressor inelegível foge ou será preso, pois reconhecível é a competência do relator e da turma de ministros.
Se Lula foi preso por corrupção passiva e por lavagem de dinheiro por um juiz parcial, e se Dilma foi presa por subversão e militância pelos militares, embora diferentemente de Rubens Paiva, a ex-presidente tenha sobrevivido para contar história e presidir uma nação, Bolsonaro possivelmente também será preso, mas por organização criminosa, golpe de Estado, e outros tantos, e mais: pelo Supremo, o órgão máximo da a ordem e do Judiciário constituído.
É preciso dar um jeito, meu amigo…
O Oscar repercute na identidade e em nosso pertencimento a um país que tem muito o que contar ao mundo. Os olhares do norte global experimentaram um embrião de decolonialidade e voltaram-se ao Brasil ante o reconhecimento de nossa produção cinematográfica. Ser notado por um outro que dita as regras e cria os parâmetros da arte dá sabor à admiração local. E é por isso que hoje nós queremos e vamos sorrir!
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