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Amor de verão
Flora Fernweh

O verão é a estação que melhor define o amor: um sonho que chegou iluminado, mas passageiro tal qual o sentimento, deixando apenas o calor de uma intensa lembrança. Os dias quentes trazem consigo um inexplicável impulso de vida acompanhado pela coragem que nasce quando se sabe que nada é eterno. Veranear é semelhante a se apaixonar, na candura firme e ensolarada dos enamorados que entendem o poder do acaso e que duvidam do destino. Os dias são para sempre, inspirados pelo amanhecer inigualável de uma procissão de pássaros que roubaram o cândido céu após uma curta noite de vagalumes e enlevos. Há um sopro diferente no ar, feito de chamados e suspiros que conduzem à incessante busca de viver uma nova história. Ah! Eu lembro dos verões de minha terna juventude sem uma saudade dolorosa de amores sublimes em um acordo perpétuo, mas com uma nostalgia branda de um tempo valioso em que o amor nascia como uma chama, e ao fim de poucas semanas, docemente se dissipava sem remorsos. Toda a pureza que ainda preenchia as frestas do mundo adentravam em milagre os corações, que na compatibilidade de duas almas à procura uma da outra, harmonizavam-se em descobertas sutis no anúncio do fim de uma inocência infantil. Estávamos no ápice da estação, mas no tempo humano, sabíamos que era hora de explorar para além dos horizontes que nos mostraram e virar a página para uma nova fase da vida, recheada de emoções e de revoluções. Tudo começou com uma despretensiosa viagem em família. Meus pais raramente conseguiam conciliar a época de suas férias, e quando a oportunidade chegava, não a perdíamos por nada. Eu e minha irmã caçula tínhamos longos meses de recesso escolar para nos dedicarmos integralmente às alegrias que só o verão proporcionava: sorvetes, piqueniques e banhos de piscina. Mas nesse verão, tudo mudou. Já havia tempo que as férias em família tinham perdido o meu interesse de outrora, eu gostaria de passar meu tempo livre em minha casa, longe das agitações das praias e dos fervos que a estação promete, eu recentemente completara 15 anos e a vida estava se expandindo para mim, introspectivamente em meu próprio universo de aprendizados, sensações e prazeres individuais e proibidos que eu há pouco descobri. Eu já previa minhas revoltas, mas sabia também que era ótimo espairecer de vez em quando em outro lugar, distante da vida comum que tanto nos suga. Meus pais haviam alugado uma casa de veraneio por uma semana no litoral do estado, há poucas horas de nossa cidade provinciana. A princípio, imaginei que se tratava de um tempo excessivo longe de meus particularismos, mas aceitei tudo de bom grado, ainda que eu sempre fuja do calor abafado das praias nas horas mais críticas do dia. Por essa razão, eu preferia ir sozinha até a praia em um horário mais agradável e aprazível para mim, próximo ao fim da tarde, na hora costumeira daqueles que tomam chá conforme os costumes do interior. Dessa forma, eu exercia a minha independência e ganhava um precioso tempo com a minha própria companhia. Enquanto isso, minha irmã se entretia com as outras crianças do condomínio, o que dava aos meus pais a chance de bons momentos juntos. Esse meu estado de espírito se modificou ao alvorecer da praia no segundo dia. Eu adorava o meu tempo sozinha, mas no fundo eu ouvia a voz do meu coração alertando que por certas experiências, só passamos em uma única vez na vida, e esse era o meu tempo, o meu mais precioso tempo, a flor de minha idade desabrochando em brisas de sal, como um mandacaru florindo no solo arenoso, tal qual uma nova face de mim, antes sólida, mas que agora se abria para as intuições e para os desejos. Naquele fim de tarde, não entrei na imensidão do mar, pois meu corpo expelia um sangue que o coração ainda não entendia e que a razão sempre me fazia lembrar das aulas de anatomia feminina no colégio. Decidi por fim, apenas caminhar pela beira do mar, sentindo a maciez da areia entre meus dedos e a ventania penteando os meus cabelos. Depois de um tempo, notei que cada passo era uma ânsia em busca do objetivo para o qual eu estava indo e que eu nem de fato conhecia ainda, mas os ecos do meu interior já me davam pistas. Quando eu vi aquele moço, em uma adolescência já madura e dotado de um olhar melancólico, soube exatamente que por muitos anos, ele seria a minha mais bela e mais sublime história de amor. Sua fisionomia elegante era o menor de seus detalhes diante do sentimento que ele despertou em mim, na igual proporção da fagulha que eu acendi em seu coração. Não precisávamos falar nada, não estávamos temerosos, fizéramos um acordo de silêncio para aquela raridade que sabíamos ter encontrado, porque antes e depois daquela breve vivência, sabíamos que restaria o silêncio, sempre o silêncio invadindo o vazio. A tarde logo se encantaria com o pôr do sol espelhado por aquela água, que por um instante pareceu mais límpida e doce, e meu coração se derreteu apaixonadamente por aquele rapaz que atraíra minha atenção, os meus sentido e toda a minha vontade. Éramos tão iguais em nosso realismo, que bem compreendíamos que o amor não iria durar, não foi feito para durar, tamanha era a nossa sintonia e nossa impetuosidade em nos consumir como animais e em vislumbrarmos nossa forte conexão. O mundo lá fora e as multidões pararam e nada fez mais sentido, apenas o ato simples de sentir se fez presente. Lembro de ter sido puxada por um beijo inédito em minha história, cujo sabor não se assemelhava a nenhuma outra coisa experimentada. Entrei em êxtase naquele momento, eu já conhecia o que era um beijo, mas eu queria aquilo que se escondia tênue atrás desse gesto de amor: eu queria fazer amor! mais que isso, queria poder chamá-lo de “meu amor”. Ainda era cedo, mas sempre achamos que é, até o momento de acontecer, e quando algo é bom, comumente nos arrependemos de não ter feito antes. Trocamos muitas palavras, beijos e carinhos até o anoitecer e a praia esvaziar, mas eu não poderia passar a noite ali, naquele relento paradisíaco com o moço ao qual eu me entreguei, eu precisava voltar para casa de verão. Assim que cheguei, estranhei as luzes apagadas, e me dei conta que já era tarde da noite e caía quente a madrugada. Todos já estavam dormindo e a casa se fazia sonolenta. Havia um tom distinto no ar e eu estava inquieta com o que havia ocorrido, perdi o sono e meu corpo foi apoderado de um desejo por carnalidades que esvoaçavam em um pedaço de tenda na areia. Pensei que seria uma ideia melhor voltar à praia e aproveitar o sossego da noite. Antes de eu me virar em direção àquele refúgio, como um náufrago emocionado com seu pedaço de ilha, senti um abraço quente por trás das costas, afagando meu corpo sedento por carícias, senti a pressão de suas mãos por cima das roupas em meus seios ainda em crescimento, na loucura por se apressar em minha pele nua. Não havia ninguém pelas imediações do pátio, todos já estavam recolhidos. Ele me colocou em seus braços e me carregou até a praia, à frente do local exato em que nos vimos pela primeira vez há algumas horas. Meu corpo virgem não sabia ao certo como se comportar ante um visitante. Com certa timidez, me desvencilhei das roupas que me cobriam enquanto ele fazia o mesmo, cada toque era uma explosão de surpresas e assombro, nos deleitávamos em uma intimidade que gritava pelos poros da pele, até que o meu corpo conheceu o prazer de ter outro corpo em seu interior, latejante e ofegante, no gozo indescritível da carnalidade crua, jovem e primeira. Depois da excitação, do frenesi e do orgasmo, nos deitamos lado a lado enquanto a lua se esvaía, após testemunhar o ato. A claridade do dia se misturava com o som das ondas e dos sussurros dos amantes que já quase adormeciam. Até que com espanto, me levantei ao lembrar que eu deveria chegar em casa antes que todos acordassem, e me despedi do meu homem com dois longos e amorosos beijos. A partir de então, transformamos o lugar de nosso ritual em um ponto de encontro para o amor, durante todas as tardes que restavam. No último dia, o brilho parecia ter se desprendido do verão, e todo aquele calor culminou na chuva de um céu nublado. Os céus choravam enquanto camuflávamos as nossas lágrimas, a tempestade se intensificou tal qual o nosso sentimento, e fomos abrigo um para o outro enquanto as gotas caíram com força. Nos beijávamos com veemência e sem compromissos que pudessem nos trair no futuro, estávamos lá naquele momento, um para o outro, pois era assim que a ocasião exigia. Aos poucos, o sol ressurgia e deslumbramos um arco-íris no horizonte, perdendo o céu e ganhando a profundeza do oceano, o que nos mostrou a beleza que se esconde após uma tribulação, partimos em despedida com a mensagem de esperança que nos foi presenteada. Meus pais não estranharam a minha ausência, sabiam de minha índole e do meu gosto pela solitude, mas guardei somente comigo esses segredos. Nos vimos somente naquele verão. Nós vimos. Nem todos verão.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
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