Muitas vezes ligo a televisão, mais por hábito que por gosto, e tenho a infeliz sensação da frustração de não ter nada para assistir. Não consigo encontrar nada que me interesse. Mas isso não é lá grande uma novidade.
A grande novidade foi a constatação que pude fazer outro dia. Acordei num sábado de manhã acionei este nefasto aparelho na esperança de me distrair enquanto continuava deitado na cama. Percebi uma estranha coincidência. À medida que eu passava os canais, inflamado pela expectativa infundada de encontrar algo que fosse “da minha conta”. Pude observar que repetiam-se canais e mais canais que passavam programas religiosos. Logo pensei: “será que não tem nada melhor para passar num dia de sábado de manhã quando a gente acorda de ressaca?” Realmente não tem nada melhor. O resto do dia também não tem muita coisa que preste. Mas não foi esse o meu achado. Instigado pela descoberta desse fenômeno, resolvi me deter um pouquinho para tentar entender o porquê.
Primeiro contei quantos canais passavam em minha televisão naquela manhã. Depois contei quantos canais relacionados à instituições religiosas. Dos dezessete canais, nove exibiam programação de igrejas de diferentes denominações. Fiquei surpreso. Como sabemos, as emissoras de televisão tem fins comerciais, ou seja, criam programas que chamem a atenção para que empresas paguem para anunciar nos intervalos. Bem, essa é razão social da televisão. Por quê não colocar na grade um programa de esportes? Talvez tivesse mais audiência. Quem sabe até a minha? Como já disse, quando se trata de “fins comerciais”, vende-se a quem paga mais. Logo os representantes de Jesus tinham mais dinheiro que algumas empresas que poderiam anunciar no mesmo horário.
Sem dúvida, Jesus é uma marca muito lucrativa. Não sou eu que estou dizendo. A própria História já mostrou isso várias vezes. A “Companhia de Jesus” cumpriu direitinho o seu papel de amansar os índios para que estes não incomodassem mais os negócios de Portugal. As “Cruzadas” afiguram-se como um outro exemplo fantástico. Em nome de Jesus e dos santos, europeus invadiram o oriente para tirar o santo sepulcro das mãos dos “malvados” islâmicos. De quebra trouxeram também várias riquezas que pertenciam aos turcos. A medida que o negócio ficava lucrativo, mais e mais indivíduos aventureiros se animavam a servir à “causa santa”. Por esta época também era muito comum vender pedaços da cruz onde Jesus foi crucificado, ossos de santos e toda sorte de apetrechos relacionados à figura do Filho de Deus. No século XVI, os burgueses, incentivaram o desenvolvimento de uma nova vertente do cristianismo, o protestantismo. Isso porquê a Igreja católica condenava a usura, e ficava com uma parte dos lucros dos comerciantes desse tempo. Era preciso uma mudança de mentalidade. A bíblia tinha que ser interpretada de sorte que Jesus aprovasse, legitimasse a “prosperidade financeira”. Assim os burgueses poderiam fazerem seus negócios com a consciência e o bolso tranqüilos. Lutero e Calvino cuidaram disso muito bem.
A “marca” Jesus é extremamente versátil. Pode ser usada para legitimar uma guerra. Também é muito eficiente em eleições. Um “homem de Deus” e seguidor de Jesus, aparentemente é muito mais confiável do que um sujeito “do mundo”.
Tampouco é necessário o uso da coerência. Neste mesmo sábado, onde tive a minha tentativa de assistir TV frustrada, pude ver com meus próprios olhos, que a terra e os vermes hão de comer, uma curiosa inferência lógica. Um pastor dizia aos brados que o fiel que adquirisse um tal carnê da fé conseguiria resolver “do nada” todos os seus problemas pessoais. Dizia que “do nada” a dívida seria paga. Também “do nada” o marido deixaria de beber. “Do nada” surgiria a tão sonhada casa própria. Obviamente me interessei pelo tal carnê. Há dois anos tento comprar a minha casa própria. Nunca vi uma solução tão simples para um problema. Resolvi então, refazer o argumento do pastor na tentativa de entender o método de conseguir o que eu desejava. Bem, o que é o nada? O nada é nada. Dentro do nada há o quê? Há nada. Logo, o que vem do nada necessariamente tem que ser nada. Pois é, achei essa relação de causa e efeito muito arriscada para mim. Decidi mudar de canal. O outro parecia ser mais realista e mais em acordo com a razão social da televisão. Camisetas, bíblias especiais em edições luxuosas tudo em promoção e dividido em várias vezes no cartão. Era possível encontrar também livros com a “palavra de Jesus” adaptada à toda sorte de necessidades, tipo “como ter uma família abençoada” , “Jesus nos negócios”, “Jesus no amor”, dentre outros da mesma natureza. CDs de Jesus também eram vendidos e chegavam pelo correio. Muita coisa com o nome de dele era vendida. Tava explicado o mistério da grande quantidade de canais passando a “mensagem de Jesus”.
Sempre que posso, leio a bíblia. Jesus, o homem, é uma figura fantástica. Admiro muito a sua postura e suas sábias palavras. Acho uma pena ela ser tão destorcida e utilizada para fins tão desconexos com as suas idéias. Ainda bem que decidi fazer como o tão criticado discípulo, Tomé. Decidi ver para crer. Acabei me deparando com uma estrutura de pensamento sofisticadíssima, além de uma teoria ética extraordinária. Sua doutrina expressa um profundo humanismo. Talvez ele ficasse um pouco chateado com o que algumas pessoas fazem com a sua imagem.
Mas uma coisa eu tenho que concordar com os representantes comerciais de Jesus, não o homem, mas a marca. A palavra “Jesus” é realmente poderosa e faz milagres. Principalmente os econômicos. Já foi testada com sucesso muitas vezes na história. Os resultados comprovam uma respeitável eficiência. Enquanto objeto de marketing oferece imensas vantagens aos anunciantes. Não cobra cachê. Não se envolve com prostitutas nem travestis. Não reclama se a sua imagem é utilizada para além daquilo que foi estabelecido em contrato. E o melhor, é extremamente querido e todos confiam nele.
E aí? Você acha que tem garoto propaganda melhor que este. Duvido que a Nike ou a Coca-Cola tenha mais prestígio como marca quanto este nome. É um nome a ser pensado nas próximas contratações. O sucesso é garantido. O mercado é grande e os fãs são muitos. Não me espantaria se eu ligasse a televisão novamente e visse um homem trintão de cabelos cumpridos dando um gole saboroso em um refrigerante, fazendo aquela zoadinha de frescor (ahhrrr!) e dizendo: “Imagem não é nada. Sede é tudo. Beba...!
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