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Vendedora de feira
Cláudio Thomás Bornstein


Ela era feia de doer. Gorda, as banhas estouravam por todos os espaços não cobertos pela vestimenta. Ainda por cima insistia em trajes reduzidos, decotes ousados, mangas curtas e shortinho, em vez de esconder o que era melhor que ficasse escondido.

A bermuda, acima do joelho, deixava aparecer as pernas cheias de varizes. O cabelo cacheado, empapado com algum creme alisante, engordurado e brilhante, era constantemente arrumado com as mãos, deixando à vista unhas imensas, vermelho carmesim.

Devia se achar bonita e isto a fazia ainda mais feia. A cara muito pintada, a boca pequena crispada, que ela mantinha em forma de cruz e que, de vez em quando, se abria em um sorriso indecoroso, deixando à vista dentes e gengivas, tudo ressaltava o ordinário e o vulgar.

Dizem os moralistas que quem vê cara não vê coração. Só que ali era tudo feio, tanto cara, como coração. As laranjas que ela vendia, umas laranjinhas pequenas, mirradas, cheias de manchas, a casca já enrugada de tanto ficar no sol esperando freguês, eram todas "seleta".

Uma vez, surpreso com o verde das laranjas, tão verdes que doía na vista de tão azedas que deviam ser, eu me acerquei e perguntei: “Que tipo de laranja é esta?”
“Seleta” foi a resposta.
“Seleta?” insisti, incrédulo.
“Seleta!!” respondeu com um olhar desafiador, me mirando bem nos olhos.

Sim, porque além de tudo era brava e desbocada. Alguma gracinha que se fizesse e que ela não gostasse, armava logo um "barraco". Uma vez a vi destratar uma velhinha, que até podia ser chata e inconveniente, mas era uma velha inofensiva, não precisava ameaçar jogar um caixote em cima dela, nem tampouco dizer que ia lhe arrancar os olhos.

Era tarada por homem. Estava sempre aos cochichos, lançando olhares insinuantes para qualquer homem que passasse, não importando se era preto, branco, gordo, magro, velho ou novo.

Andava por ali um mulato, homem jovem, bonito, cabelo rastafári. Ele, gentil, civilizadamente a cumprimentou. Era novo ali, e queria conquistar amizades. Ela jogou pesado: “Não cumprimenta, senão você corre perigo. Aqui tem que passar direto, sem olhar. Olhou, já era. Vai ter que faturar. E olha que eu cobro."

A todo mundo chamava de "amor". Amor prá lá, amor prá cá. E ai de quem lhe desse bola e retrucasse no mesmo tom. Tinha logo que segurar a mão, da mão ia pra o coração, o coração fica no peito, ia-se escorregando mais para baixo, lá no esconderijo, escondido pelo tabuleiro da barraca. Tudo assim na vista de todo mundo, que ali não havia pudor, nem medo de vexame.

Tanto erotismo atraia todo tipo de mariposa. Tinha as meninas, do tipo que gosta de menina, quer dizer, estavam mais para velhas, não tão feias quanto ela, mas o suficiente. Deviam estar à cata de alguma juventude e ela podia ser feia, mas velha não era. Ficavam as mariposas rondando, rondando em volta da lâmpada, mas não se sentavam no prato, porque ela não deixava. Mulher ali não tinha vez.

Tudo na vida tem a sua compensação. O braço da balança não costuma ficar preso de um lado só. Logo surge alguma coisa que restabelece o equilíbrio, recompõe a harmonia e a estabilidade. De tão feia que ela era, feia, sem jeito, sem graça e sem pudor, chego até a achar que era bonita, tinha jeito, graça e pudor. Era bonita no seu jeito feio de buscar a beleza. Tinha graça no seu jeito sem graça de buscar a graça. Era recatada no seu jeito despudorado de afrontar o pudor.


Biografia:
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