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Georg Simmel
Georg Simmel
Bianca de Moura Wild

Resumo:
O objeto principal de análise de Georg Simmel, não é nem o individuo, nem a sociedade em si: todo o seu interesse se focaliza sobre a interação criadora entre esses dois pólos extremos: a produção da sociedade pelos indivíduos; e a conformação permanente dos indivíduos pela sociedade, constitui, neste sentido, a matriz fundadora do vínculo social. Situando-se no ponto de vista contrário a Durkheim, Simmel privilegia, portanto, não a pressão social, mas o “devir” da sociedade.

Considerações sobre Georg Simmel – A compreensão inicial de uma principiante.

"Só ao homem é dado associar e dissociar" (Simmel, 1993)


O objeto principal de análise de Georg Simmel, não é nem o individuo, nem a sociedade em si: todo o seu interesse se focaliza sobre a interação criadora entre esses dois pólos extremos: a produção da sociedade pelos indivíduos; e a conformação permanente dos indivíduos pela sociedade, constitui, neste sentido, a matriz fundadora do vínculo social. Situando-se no ponto de vista contrário a Durkheim, Simmel privilegia, portanto, não a pressão social, mas o “devir” da sociedade.
Georg simmel seguiu seus estudos na linha da microsociologia, ou seja, a analise dos fenômenos no nível “micro” da sociedade, foi ele quem desenvolveu a chamada “sociologia formal’, das formas sociais, muito influenciado pela filosofia de Kant, distinguia a forma e o conteúdo dos objetos.O principal conceito criado por este autor foi o conceito de SOCIAÇÃO, no sentido de forma pura de interação e não de “associação”. Outro traço que se acrescenta à complexidade e à originalidade do pensamento de Simmel é a amplitude temática dos seus trabalhos, a maior parte dos quais data do século XIX.
Para alguém que via a sociedade através de formas, em processos de conflito, sociação, individuação, são surpreendentes os momentos em que deparamos com teorias cheias de transcendência nos textos de Simmel.
Para Simmel a sociedade parte da interação entre os indivíduos e comporta uma distinção entre forma e conteúdo. Nesta concepção, os indivíduos tendo diversas motivações (paixões, desejos, angustias etc) conteúdos da vida social, interagem a partir delas e se transformam em uma unidade. Esses conteúdos isolados não são sociais. A sociação é a forma pela qual os indivíduos constituem uma unidade para satisfazerem seus interesses, sendo forma e conteúdo na experiência concreta, elementos inseparáveis.
Paralelo a sociação surge o conceito de sociabilidade: Tendo em vista que a sociedade é a interação com o outro para realizar os conteúdos materiais (individuais) e a partir da percepção de que as sociações envolvem além dos conteúdos, a própria valorização da sociação pelos indivíduos; E as formas que resultam destes processos, ganham vida própria, libertas dos conteúdos e existindo por si mesmas, constituindo a sociabilidade, que transforma a sociação em um valor apreciado em si. Em outras palavras: a sociabilidade é a “forma lúdica” da sociação, não importando as motivações.
O objetivo de Simmel consiste em apreender os processos de sociação no momento de sua manifestação, aqueles em que os fluxos da experiência vivida ganham forma e prosseguem para além dos conteúdos íntimos originais. Deste modo a demonstração de como essas formas atuam na organização das interações é simples conseqüência. A vida aparece como a fonte de energia que alimenta as relações recíprocas dos elementos. A sociedade é então concebida como um conjunto de aproximações e afastamentos, no quadro dos efeitos da presença desses elementos. A reciprocidade desses efeitos é o ponto melhor definido desse modelo. Nenhuma regulamentação normativa ou legal pode substituir inteiramente os sentimentos que brotam espontaneamente nos homens nas suas aproximações e afastamentos recíprocos.
Simmel acredita que uma reflexão sobre a vida é historicamente construída, que a vida se torna objeto de contemplação e angústias, quando o que nós vivenciamos de forma imediata pode ser diferenciado do que concebemos com auxilio do intelecto. Simmel combate a visão do intelecto como unidade absoluta inicialmente num terreno lógico. O intelecto conhece não apenas por meio de um processo de diferenciação, mas também de unificação. Ou seja, processos intelectivos ou intelectuais dependem tanto de diferenciação, quanto de unificação. Mais ainda, unificação é uma categoria discursiva, cognitiva. "É uma questão de satisfação emocional, que pode vir tanto de uma visão do mundo como radicalmente unido através de sua base ou de uma visão do mundo como resplandecente na riqueza de um número infinito de unidades independentes”.
Para Simmel, mesmo sendo um “constructo”, a sociedade possui diversos agrupamentos e configurações que devem ser pesquisadas e que não se confundem com a vida dos indivíduos em si, ressalvando que o conceito de individuo é uma construção abstrata, deste modo qualquer análise neste nível, também se valerá de uma abstração de qualidades, forças históricas sintetizadas naquele conceito. A categoria sociedade para este autor deve ser compreendida de forma mais abrangente, como a interação psíquica entre os indivíduos; a definição “social” não abrange apenas as interações duradouras já estabelecidas, como o estado, a igreja e a família.
A sociedade significa por outro lado, que os indivíduos estão constantemente ligados uns aos outros, influenciando e sendo influenciados, e também algo funcional que os indivíduos fazem e sofrem simultaneamente: A sociação. Neste sentido a sociedade forma, deste modo, não uma substancia, algo concreto em si mesmo, mas um acontecer, “que tem uma função pela qual cada um recebe de outrem ou comunica a outrem um destino e uma força”, talvez possamos entender ai a sociedade como um constante “devir”.
Uma tal noção do ser e do viver, segundo Simmel, age no pensamento ocidental de modo a sacudir a velha crença de que a "racionalidade é a essência básica e profundamente assentada do homem que se coloca sob os outros estratos da vida". De acordo com Simmel, o que quer que se faça de uma tal concepção do ser é estritamente um assunto de personalidade filosófica (ou "atitude" filosófica).
De acordo com Simmel, os elementos negativos e duais, impelem um papel inteiramente positivo na configuração social, muito embora possam causar estragos em relações particulares; por isso mesmo, para Simmel, o conflito é também uma forma de sociação, e é destinado a resolver dualismos divergentes, é uma forma de conseguir alguma unidade, ainda que por meio da destruição de uma das partes conflitantes, o conflito surge em função de elementos dissociativos da sociedade, como ódio, inveja, interesses, necessidades etc. Sendo assim o conflito não é patológico e tão pouco é negação da sociedade, mas sim condição de sua estruturação.
O conflito se estabelece por meio da inerência da sociedade no individuo, e se mantém pela capacidade que o ser humano tem de se dividir em partes colocando-se em uma relação conflituosa ente as partes do seu “eu” que se sentem como ser social, e os impulsos não absorvidos por este caráter: “o conflito entre a sociedade e o individuo prossegue no próprio individuo como luta entre as partes de sua essência”.
Simmel Concedeu ao conflito uma autêntica função social, segundo ele, a sociedade tem, efetivamente tanta necessidade de sociação como de competição. Longe de se confundir com uma causa desastrosa de mau funcionamento, o conflito vem a ser uma fonte de regulação que perpassa e estrutura grande número de campos e de formas socais (famílias, partidos, indústrias, igrejas etc). Simmel faz uma lista numerosa das propriedades do conflito, dentre as quais podemos citar as seguintes: - O conflito concede ao individuo o sentimento de não se deixar esmagar completamente em uma relação social, isto é, tanto mais vivo quanto mais familiares são os interactantes – O conflito traz à tona as divergências internas (mascaradas, dissimuladas) – O conflito estrutura relações coletivas – O conflito reforça e cria a identidade social etc.

“A posição do homem no mundo está determinada pela circunstância de que, dentro de toda dimensão das suas propriedades e da sua postura, se acha a todo momento, entre dois limites. Isso se apresenta como estrutura formal da nossa existência, estrutura que nos seus diversos setores, ocupações e destinos se enche a cada momento de um conteúdo sempre distinto”.
Georg SIMMEL, 1950.

Simmel aponta que a configuração social não é dada apenas por elementos convergentes desta sociedade, mas também, por seus elementos dissociativos, e é exatamente esta tensão que vai moldar as estruturas sociais, tais estruturas não são resultados da simples adição ou subtração desses elementos, como se pudéssemos atribuir-lhes aprovação ou rejeição, sinais negativos ou positivos.
Chamemos atenção agora para o que Simmel nos revela sobre a competição nas relações sociais: a principal característica sociológica da competição é o fato de o conflito ser, ai, indireto, na medida em que alguém se livra de um adversário, ou o prejudica diretamente, não estará mais competindo com ele.
Uma das teses mais reconhecidas de Simmel acerca da vida é amparada no "Caráter transcendental da vida". A cognição pode fornecer um exemplo de como a vida se estrutura de modo transcendental, ou seja, tanto a partir do reconhecimento de um limite, de uma fronteira, quanto de um tipo particular de transgressão a essa restrição.
O fato de conhecermos os nossos limites como tais implica, de certo modo, uma habilidade de transcendê-los, pois só assim o reconhecimento do limite é possível; nesse gesto, todavia, somos sempre remetidos para a restrição que transcendentalmente reconhecemos. Esse acréscimo caracteriza a compreensão simmeliana da vida como experiência principal, liminar, assim como nos permite ter acesso ao próprio sentido que Simmel confere à idéia de transcendência.
“(...) o fato que nós, como seres cognitivos, e dentro das possibilidades da própria cognição, podemos vir a conceber a idéia que o mundo pode não caber inteiramente nas formas de cognição, o fato que, mesmo de forma puramente problemática, nós possamos pensar em algo dado no mundo que nós simplesmente não podemos pensar — isto representa um movimento que alcança o além, não apenas de uma simples fronteira, mas do limite da mente em sua totalidade, um ato de transcendência que em si estabelece os limites da cognição, não importa se esses limites sejam atuais ou apenas possíveis”. (Simmel, 1971, p. 357).
Para Simmel a sociologia define seu objeto por processos de abstração, dispersando as existências individuais em um conceito próprio, como os seres humanos, vivem em constante interação uns com os outros, tal fato traz um novo modo de observação: o ponto de vista da produção social pelo qual entende-se que todas as formações, linguagens, religião, família etc, se reproduzem na relação entre os indivíduos. Assim a sociologia não é somente uma ciência com objeto próprio, delimitado e reservado para si, o que a oporia a todas as outras ciências, mas ela também se tornou, principalmente um método das ciências históricas e do espírito de maneira que as demais ciências se aproveitaram do método sociológico sem necessariamente perderem seu foco, mantendo sua autonomia.
Simmel parte da diferença entre vida individual e vida social, ressaltando que a unidade do grupo precisa ser tratada como se fosse um sujeito, com leis e características próprias, sendo fundamental para o questionamento sociológico as diferenças entre as duas experiências. No centro desta diferença localiza-se a característica dos grupos de possuírem propósitos e objetivos mais definidos que os individuais, a massa não conhece o dualismo e as indecisões, visto que, de acordo com Simmel, seus objetivos correspondem aqueles que os indivíduos apresentam como mais simples e primitivos exatamente por serem mais amplamente disseminados, ao passo que na experiência individual, o ser humano é pressionado por comportamentos e impulsos contraditórios.
A causa da formação da unidade social, com base nos pensamentos mais simples está na idéia de que a semelhança e a diferença são os princípios essenciais do desenvolvimento externo e interno do ser humano, é como se cada individualidade sentisse seus significados tão somente em contraposição com os outros, a ponto de essa contraposição ser criada artificialmente onde antes não existia.
Conseqüentemente o trágico da sociologia é o fato de que mesmo o individuo possuindo qualidades aprimoradas e cultivadas, a instancia na qual será possível a comparação para a formação da unidade será reduzida a camadas inferiores e sensorialmente primitivas: “a massa torna-se um novo fenômeno que surge não da individualidade plena de cada um que coincidem com os demais. Esses fragmentos, contudo não passam dos mais primitivos, aqueles que ocupam o lugar mais baixo do desenvolvimento”.
Deste modo as ações da massa são sempre dominadas por uma idéia de preferência, a mais simples possível, faltando-lhe a consciência da responsabilidade, sendo experimentada por uma elevação extremada dos sentimentos.Simmel desenha a evolução do conceito de individualidade partindo da proposição de incompatibilidade entre a igualdade e a liberdade, para chegar enfim no conceito de individualidade do século XVIII, com sua ênfase na liberdade pessoal que não exclui, ao contrario inclui a igualdade, porque a verdadeira pessoa é a mesma em qualquer “homem circunstancial”. Por outro lado na concepção do século XIX, o autor aborda como o conceito de individualidade inspirado pela tradição teórica do socialismo, se separa em dois ideais: a liberdade sem igualdade e a igualdade sem liberdade, desfazendo a síntese atingida no século XVIII.O ponto crucial de toda esta discussão encontra-se na relação que as forças e formas da sociedade mantém com os indivíduos e nos conflitos reais entre aqueles dois pólos, já que as exigências e atitudes sociais se contrapõem a situação individual.
Uma das interrogações centrais de Simmel é a diferenciação social, para ele a vida social é um movimento pelo qual não cessam de se remodelar as relações entre os indivíduos, estas relações são, a imagem da ponte que liga e da porta que separa, um feixe de tendências contraditórias à coesão e à dispersão. Para analisar essas relações, Simmel propõe um conceito norteador: o conceito de ação recíproca. Ele entende por isto, muito simplesmente a influência que cada individuo exerce sobre o outro; esta ação é guiada por um conjunto de motivações diversas (amor, impulsos eróticos, interesses, práticas, fé religiosa, imperativos de sobrevivência ou de agressão, trabalho etc), e é a totalidade, sempre móvel e conflituosa destas ações que contribuem para unificar o conjunto dos indivíduos em uma sociedade global.
Simmel não ignora, entretanto a existência de estruturas pesadas que levam a reprodução social, mas lhes atribui simplesmente um estatuto comparável à esses eventos microssociais da vida cotidiana. Essas interações múltiplas e efêmeras (a sociabilidade) que constituem também a essência das relações humanas; em oposição ao conteúdo da ação (motivações que dirigem o agir humano). Simmel dá o nome de “formas sociais” ao produto das ações recíprocas.
Se as formas sociais (jurídicas, artísticas, habituais etc) são produtos dos seres humanos e das interações entre eles, acham-se também muitas delas, em via constante de objetivação; este processo de abstração lhes confere uma lógica de funcionamento autônomo que as faz parecer estranhas aos sujeitos que as geraram.
As formas sociais são, portanto, elementos necessários à vida cotidiana, somente elas oferecem um quadro aos vínculos sociais, este paradoxo, que se nutre de uma constante tendência a coisificação das relações humanas, está no cerne daquilo que Simmel denomina a tragédia cultural da modernidade, é o que se dá com o dinheiro, por exemplo, instrumento de troca, meio de avaliação dos objetos e dos seres humanos, o dinheiro facilita o desenvolvimento econômico das sociedades modernas. Infelizmente, constata Simmel, o dinheiro aprisiona ao mesmo tempo os indivíduos em relações sociais empobrecidas por estarem cada vez mais submetidas ao cálculo e a estratégia.
Tomemos o interesse simmeliano pela circulação monetária. O dinheiro é apenas um sinônimo da necessidade urgente de encontrar um denominador comum em meio a uma rede de meios que se torna cada vez mais complexa. Com o aparecimento das economias monetárias, os objetos perdem, pouco a pouco, o seu significado subjetivo, pessoal. Essa experiência societária mostra que toda uma estrutura de meios converte-se não apenas num passo intermediário entre o desejo e sua satisfação, mas no núcleo mesmo da vida social.
Na passagem do sentimento íntimo individual à interação social está em jogo também uma mudança de tonalidade. De acordo com Simmel, a gratidão é inicialmente um complemento da ordem legal. Esta obriga a completar o movimento que, para Simmel, está na base de todas as relações humanas: o "esquema da oferta e do equivalente". Mas nem tudo pode ter sua equivalência assegurada por coerção legal externa. Neste ponto entra a gratidão, para "tecer um laço da reciprocidade, um balanço do receber e do dar entre os homens". O dar e o receber na vida social não podem ser reduzidos à simples troca. Esta não recobre todas as dimensões da reciprocidade entre os homens. Na realidade, quando plenamente desenvolvida, como no mundo moderno, ela isenta os homens. A relação dos homens converteu-se em relação dos objetos”. Neste sentido, a troca é a "conversão em objeto da capacidade de reciprocidade dos homens". A gratidão inverte o sentido desse movimento, voltando-o para o interior dos homens, como "resíduo subjetivo" do ato de receber e dar. Simmel a vê como uma "memória moral da humanidade, uma ponte que a alma sempre encontra para aproximar-se do outro ao mais leve estímulo, insuficiente talvez para gerar por si uma nova ponte". Ao fazê-lo, a gratidão proporciona aquilo que importa na constituição e permanência da vida social: a persistência de relações para além do momento da sua criação. Fosse ela abolida como resíduo subjetivo e memória moral, a sociedade "tal como a conhecemos" deixaria de existir.
É verdade que praticamente não há interações em que o receber e o ofertar se mantenham no mesmo nível em ambos os lados, claro que aqui entra o dinheiro, como intermediário equalizador. Mas este só opera objetivamente, nas relações entre objetos, ao passo que a gratidão se dirige ao próprio ato da doação, e não apenas à forma monetária que assumem os objetos da troca. Esta, isolada, garante a troca dos objetos, mas não lança as pontes sem as quais a troca perde o sentido, que é social não porque se destaque da intimidade dos homens, mas exatamente porque lança raízes nela.
O ponto principal em todos os processos desse tipo é que a persistência diz respeito à relação e não mais ao sentimento que a possibilitou. É como se a gratidão, ou qualquer outro tipo de ponte de ligação dos homens, tivesse a capacidade de converter o seu impulso inicial em um sentimento prolixo, tingindo as interações seguintes com o tom da gratidão pura e simples, e não com a lembrança pontual de alguma doação singular. É por isso que ela é capaz de levantar uma contraprestação espontânea mesmo não sendo um dever externamente imposto. Há também um outro caminho para construir essas pontes sociais. Uma relação pode ganhar persistência no tempo não porque tenha na origem algum impulso íntimo, mas porque a experiência reiterada do estar próximos leva os parceiros à "indução" do sentimento correspondente. É o caso da fidelidade, na qual Simmel assinala uma "cooptação" pela situação social externa de mera proximidade dos sentimentos correspondentes.
Tudo isso nos conduz à questão do papel das formas da vida social em Simmel. A idéia básica é a de que determinados padrões de interação destacam-se dos conteúdos (sentimentos, impulsos etc.) que de certo modo lhes davam vida e passam a operar por sua própria conta, como receptáculos para relações que se ajustem a eles. Isso permite pensar a sociedade não diretamente como um conjunto de interações em fluxo, mas como um conjunto de formas padronizadas. As questões passam a incidir sobre as relações das próprias formas entre si e também sobre as relações entre as formas e os conteúdos que as preenchem no desenrolar da vida social. Em ambos os casos a evidência ocorre sobre a busca de diferenças finas, seja no modo como as experiências se dão nas formas sociais que as condicionam, seja no modo como as formas sociais e culturais assimilam a diversidade das experiências que acolhem. É difícil sustentar que no núcleo do esquema analítico de Simmel esteja uma Sociologia estritamente formal, no sentido de que as formas de sociação sejam vistas como tornando os seus conteúdos irrelevantes para a análise.
No que concerne ao tempo, Simmel retoma a concepção aristotélica do mesmo:
“O presente, no sentido estritamente lógico do termo, não abarca mais que a "inextensão" absoluta do momento. Da mesma forma que o ponto não é espaço ele também não é tempo. Ele denota simplesmente a coalizão do passado e do futuro, apenas esses dois constituem tempo de alguma magnitude, quer dizer, tempo real. Mas como um não é mais e o outro ainda não é, a realidade adere apenas ao presente”.
“O passado atinge o presente como memória, como aquilo cuja atualidade tem de ser negada, mas cuja realidade deve ser recuperada continuamente — e assim, para ser mais preciso, teríamos de dizer que a mão do agora estira-se em direção ao passado. A esfera da vida presente, atual, estica-se completamente até ele. Isso obviamente não quer dizer que o passado como tal por este artifício levanta da sepultura. O que isso quer dizer, no entanto, uma vez que sabemos que a experiência não está no presente, mas antes atrelada a algum momento no passado, é que nosso presente não permanece num só ponto, como acontece com a experiência mecânica. Ele se estende, por assim dizer, para trás”.
A relação entre presente e passado é, deste modo, complexa e imprecisa. A mão do presente não se dirige ao passado a partir do nada, mas a partir de uma tradição, ou seja, do reconhecimento de nossa historicidade.Até quando surgi no presente como história pessoal, como memória privada, não podemos deixar de reconhecer o passado a partir dos laços sócio-históricos que estruturam a nossa existência. Para além do entrave lógico de sua definição, o presente é de fato transcendência ou excesso em duas direções opostas: como um esticar-se em direção ao passado ou um espreitar o nosso futuro, como memória ou como ansiedade. O futuro, desta perspectiva, não estaria fora de alcance, como algo que nos espera em um segmento desconhecido de nosso caminho, mas formaria um movimento natural de transcendência do agora. "O presente que se vivencia existe no fato de que ele transcende o agora. Em cada manifestação da vontade, aqui e agora, nós demonstramos que o umbral entre o agora e o futuro não é verdadeiro em absoluto; que tão logo assumimos um tal umbral, nós nos posicionamos de um e de outro lado dele”.Em relação ao futuro, pode-se assim dizer que "nós vivemos continuamente numa região de fronteira que pertence tanto ao futuro quanto ao presente”.
Perceberemos que o tempo socialmente planejado das tarefas coletivas, rituais, celebrações, o tempo do calendário, relaciona-se profundamente com essa dimensão temporal mais basilar em que o próprio existir vem à tona.
Em O Conflito na Idade Moderna, Simmel observa: "A ponte entre o passado e o futuro das formas culturais parece ter sido demolida; nós olhamos sob nossos pés para dentro do abismo de vida não formada. Mas talvez essa ausência de forma seja em si a forma mais apropriada da vida contemporânea”.
Georg Simmel foi uma das influências mais importantes na virada do século XIX para a escola de Chicago, influenciou autores como Robert E. Park que foi seu aluno em Heidelberg, voltou de Heidelberg com um doutorado cuja tese era um ensaio sobre as massas e o público como formas diferentes de organizar a sociedade de larga escala, também podemos citar Louis Wirth, Ernst Burgess, dentre outros.
Simmel, nascido em Berlim, tinha como Muttersprache (língua mãe) o alemão, e em alemão sempre escreveu. Por essa razão, é preciso avaliar que o conhecimento, a recepção e a circulação de seus textos dependeu do acesso a essa língua. Ao que parece, nos anos de 1950 e 1960, os temas de maior interesse e estudo nas ciências sociais brasileiras não possuíam muita afinidade com a sociologia simmeliana, como se pode verificar no caso de Florestan Fernandes ou de Luís de Aguiar Costa Pinto. Porém em minha concepção podemos encontrar alguns conceitos básicos de Simmel em Gilberto Freyre, como por exemplo, na obra “sobrados e mucambos” , onde ele se utiliza amplamente das categorias “forma” e “conteúdo”, claro que não no sentido simmeliano , mas utiliza-se, bem cabe aqui uma citação de Gilberto Velho ao comentar a influência de simmel em Gilberto Freyre : “(...)Acredito serem muito fortes as afinidades de Freyre com sua obra, principalmente no que se refere à temática indivíduo e sociedade e à questão da subjetividade. A partir daí, encontramos a elaboração de reflexões que estão no limite entre uma antropologia cultural e uma psicologia social. A valorização da heterogeneidade sociocultural brasileira permite-lhe estar atento e valorizar o fenômeno da reciprocidade e das trocas socioculturais. Não se tratava de desconhecer contradições e conflitos, mas de vê-los como dimensão da vida social, aparecendo tanto na sociedade como um todo, como nas próprias trajetórias individuais, aproximando-o de Simmel" (Velho, 2001b:116, ênfases no original).
Em Sérgio Buarque de Holanda, na verdade, pulsa por trás de uma teoria da cultura, não por acaso Raízes do Brasil chamava-se, antes de publicado, “Teoria da América”, uma teoria da cultura que parece dever muito às discussões alemãs da virada do século, e de que Simmel formulou uma das versões mais poderosas e de maior riqueza.
Simmel teve muita influencia aqui no Brasil, podemos citar além dos dois autores anteriores também Roger Bastide, Evaristo de Moraes Filho etc.
Para terminar acho muito oportuna a citação de Georg Simmel quanto ao seu legado:
"Sei que irei morrer sem herdeiros espirituais (e é bom que seja assim). Meu espólio é como uma herança em dinheiro vivo, que é dividida entre muitos herdeiros: cada um converte a sua parte em alguma aquisição de acordo com a sua natureza, de modo que não se pode enxergar a sua proveniência daquele espólio." (Simmel, 1967 [s.d.]:1, ênfase no original, tradução do autor).

Referencias bibliográfias:
CAVALLI, Alessandro. (1989). Georg Simmel e Max Weber: un Confronto su Alcune Questioni di Metodo. Rassegna Italiana di Sociologia (XXX.4).
MALDONADO, Simone C. (1996). Georg Simmel: Uma Apresentação. Política & Trabalho (12).
SIMMEL, Georg. (1983). Simmel. Organizado por Evaristo Moraes Filho (Coleção Grandes Cientistas Sociais). São Paulo: Ática.
_______________. (1986). Sociologia. Madrid: Alianza Editorial.

MORAES FILHO, Evaristo, Org. (1983). Simmel. São Paulo: Ática.

FERREIRA, Jonatas, Org. DA VIDA AO TEMPO:Simmel e a construção da subjetividade no mundo moderno.( Revista brasileira de Ciências Sociais v.15 n.44 São Paulo out. 2000 – Versão online)

COHN, Gabriel, Org, AS DIFERENÇAS FINAS: De Simmel a Luhmann (Revista brasileira de ciências sociaisv. 13 n. 38 São Paulo Out. 1998)



Biografia:
Possui graduação em Ciências Sociais pela Fundação Educacional Unificada Campograndense (2007). Atualmente é bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia, atuando principalmente nos seguintes temas: antropologia, diversidade sexual, orientação sexual, televisão brasileira e tvs privadas. Tem experiência em projetos de desenvolvimento local e nos seguintes temas: Modo de produção escravista ou escravocrata, Etnicidade, sexualidade, orientação sexual, diversidade sexual, identidade(s), conflito identitário.
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