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O Mistério dos Livros da Profª. Sueli
Erivelto Reis

O Mistério dos Livros da Profª. Sueli

Quando a morte conta uma história
Você deve parar pra ouvir.
In “A Menina que Roubava Livros” de Mark Zusak


            Professora Sueli os seus livros estão aqui.
Não todos, é claro, (eram muitos!), apenas os que consegui comprar. Não sabia o que lhe havia acontecido. Pra ser sincero não percebi no início que havia indício de uma coisa fantástica.
Eram livros usados, vendidos num sebo, como tantos que existem na cidade. Eram importantes trabalhos, sobre Literatura e assuntos conexos, alguns em muito bom estado, adquiridos aos pares, dia após dia e que traziam a inscrição na folha de rosto sem rosto: “Profª. Sueli”. Eram livros sem passado (ilusão incompatível aos freqüentadores dos sebos), até que o livreiro – comerciante de destinos – me perguntou se eu notara que tudo o que eu adquirira era de uma mesma, única pessoa... Foi como se o peso de uma existência desabasse sobre mim.
            Sei que pode acontecer de alguém desfazer-se até de uma biblioteca inteira com títulos que abordem diversos assuntos; de uma enciclopédia que eventualmente tenha ficado desatualizada. Mas não daqueles livros todos de uma vez!!!
Refleti muito sobre os motivos que a teriam levado a desfazer-se das obras, especulei insone por diversas hipóteses: desemprego, doença, necessidade financeira (não se espante o Leitor, mas no Brasil é comum que os professores passem por isso), desilusão com a carreira escolhida, presente a alguém como legado; presente a alguém ingrato que depois se desfez do oferecimento como se pusesse ao lixo um lenço de papel usado.
            Fico inclinado a pensar que não foi a “Profª. Sueli” que se desfez dos livros, mas que a vida é que se desfez dela. E nesse caso, poderia ser generosidade da família passar o legado da fonte de tantos conhecimentos, através do desapego material, cumprindo um último desejo de seu ente querido. Tal pensamento desperta em mim um ímpeto de compreensão e me solidarizo com a suposta perda. O “abandono” de seus livros me faz lamentar a ausência de uma pessoa a quem sequer conheci. De quem nada sei. Com que olhos a professora lia esses mesmos livros que agora me pertencem? Quais eram seus sonhos? Quais deles ela teria conseguido realizar? Era feliz? Dormia bem? Era casada? Era sozinha? Haveria livros de outros assuntos? Onde eles estariam?
            Os livros têm a capacidade de apreender um pouco da essência de quem os lê, à medida que se desenha uma interação entre o leitor e o veículo que contém o objeto da leitura. E tal constatação se faz por associação subjetiva. Assim como os porta-retratos com fotos dos mortos do poema de Carlos Drummond de Andrade, a estátua de gesso do poema de Manuel Bandeira ou o “pobre poema” inacabado de Mario Quintana, o que é possuído, possui um pouco daquele que o possuía. Sempre haverá objetos que nos recordarão daqueles que se foram, pela notoriedade de sua proximidade, de sua interação. Uma roupa no armário a esperar por um filho; as sandálias velhas na soleira da porta a esperar por um pai que não vai voltar; uma pétala de rosa desbotada e seca dentro de um cartão de natal enviado por amigo distante e possível e agora tão perto e inatingível... Um retrato 3x4 de um parente, de um poeta, de um amor ou de um amigo...
            Professora Sueli, os seus livros estão aqui!
            Não é minha intenção evocar sua memória através dos livros que eram seus, muito embora ela surja circunspecta e embotada de mistério, talvez a me indicar que o ciclo venha a se repetir comigo. E que os seus livros que hoje são meus e estão com etiquetas adesivas contendo o meu nome, um dia, talvez, estejam numa banca vendidos num calçadão pra alguém que irá se esquecer de nós. Eu e a Senhora irmanados na firme constatação da imaterialidade, da transitoriedade da anima que move as coisas. É certo que pulsa em meu ser a idealização de quem, por ser professora (de Literatura), já mereceria o respeito do modesto escritor. O conhecimento perdura a duras penas. Que pena!
            Espero que onde quer que a senhora esteja, possa estar num lugar melhor do que esse aqui. Espero que você que me lê, perceba que nas pequenas coisas, nos pequenos detalhes, se escondem as chaves da reflexão sobre coisas importantes para valorizar e melhorar a vida e para encarar a morte. Que olhe com mais carinho para os livros deixados em seu lar por alguém que se foi; que cumpra a vontade do ausente se ela assim manifestar-se. E que entenda que as páginas desbotadas de um antigo livro, são como os fios de lágrimas de um grande amigo lamentando a perda daquele a quem não vai ver mais.
           
                                                                       Erivelto Reis


Biografia:
Erivelto Reis nasceu em 1976, em Rio Verde, Goiás. Veio para o Rio de Janeiro, aos três anos, com sua família. Filho de José de Arimatéia e Maria Aparecida da Silva Reis e irmão de Erivaldo, Erialdo e Elton. Erivelto é casado com a professora Gloria Regina e o casal tem três filhos: Allynie, Erick e Ian. Poeta, escritor, cronista, ativista e produtor cultural. Tem dois livros publicados: “Sem Rima” (Poesias - 2004) e “Somos” (Crônicas e Poesias - 2007). Escreveu crônicas para os jornais “O Guarazão”, da região de Guaratiba e “O Amarelinho”, de Campo Grande, ambos na cidade do Rio de Janeiro, o que lhe valeu uma Moção da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro em 2004. É professor formado em Letras (Português – Literaturas) e pós-graduando em Estudos Literários pelas Faculdades Integradas Campo-grandenses. Em 1998, no curso de Teatro Laboratório, no Teatro Arthur Azevedo, conheceu o poeta Primitivo Paes, seu amigo e grande incentivador. A partir de então, passou a dedicar-se efetivamente à carreira como escritor. Juntos, Primitivo e Erivelto, já somam, em onze anos de carreira, mais de mil apresentações em escolas, praças públicas, teatros, centros culturais e eventos em todo o Estado. Como ativista e produtor cultural, coordenou em 2006, o I Encontro de Poetas do Rio de Janeiro, na Lona Cultural de Campo Grande. Ingressou, em 2005, no Instituto Campograndense de Cultura, a convite da então presidente Marly Monte Araújo, e participou da produção da I Jornada de Letras do Instituto Campograndense de Cultura e da confecção da Revista comemorativa dos 40 anos do Instituto em 2007, além de ter participado, como jurado e, posteriormente ao seu ingresso no Instituto, da produção do Projeto “Novos Talentos do ICC”. Em 2008, passou a fazer parte do quadro de membros efetivos do renomado instituto, ocupando a cadeira número 8, que pertencera à professora Leda Lúcia e cujo patrono é Freire Alemão. Em 2007, participou, com um poema, de uma Mostra de Poesia e Artes Plásticas no Centro Cultural Ariano Suassuna, na Barra da Tijuca/RJ. Em 2008, participou como jurado, do concurso nacional de poesias da Revista Day By Night e em 2009, sempre ao lado do poeta Primitivo Paes, da I Mostra de Poesia Brasileira na Cidade de Maricá. Vencedor do Prêmio FEUC de Literatura em 2005 e 2009, seus poemas constam de inúmeras coletâneas e antologias pelo Brasil. Recebeu também o Prêmio Expressão Cultural da Coordenadoria Regional de Cultura da Zona Oeste em 2005 (coordenador de grupo), 2006 (ativista cultural) e 2008 (escritor). Participou da organização e da produção das XVI, XVII e XVIII edições da Semana de Letras da FEUC e dos XI e XII Fórum de Educação, Ciência e Cultura da mesma instituição. Recebeu o troféu comemorativo da I Jornada de Letras do ICC. Em 2005, por indicação do escritor Roberto Sobral, foi agraciado com a Medalha de Honra ao Mérito comemorativa dos 46 anos da Associação dos Taifeiros da Armada da Marinha do Brasil. Participou de diversas edições do Aniversário de Campo Grande, o que fez com que em 2007, recebesse mais uma Moção da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Em 2005 foi citado, por suas atividades culturais, pelo Ministério da Cultura no Programa Nacional de Incentivo à Leitura e à Literatura, como um dos fomentadores da leitura e da Literatura no Brasil. Frequenta eventos culturais em toda a cidade. Seus poemas e suas crônicas estão disponíveis para leitura em diversos sites. Contato: eriveltoreis@yahoo.com.br
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