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O preço da arte
(Beyoncé, Jay-Z, Apeshit e o comércio nas galerias)
Roberto Queiroz

Bastou Childish Gambino (aka Donald Glover) escancarar a terra de Tio Trump em This is America e outros artistas decidiram escancarar outras aspectos que merecem ser discutidos no mundo o quanto antes. A vez agora é do casal Beyoncé Knowles - que todo mundo conhece desde os tempos em que exibia sua meninice junto às Destiny Child - e seu esposo, o rapper Jay-Z, polêmico por natureza. Eles estão juntos no álbum colaborativo Everything is Love (a ser lançado em breve) e a primeira faixa a mostrar conteúdo audiovisual nas redes sociais é Apeshit (em tradução livre: cocô de macaco).

Pois bem: assim como fiz com This is America quero repetir aqui a máxima de que não sou um especialista, muito menos fã ardoroso do hip-hop. O que me interessou de fato no clipe proposto foi seu contexto denunciatório a uma temática vigente na atual sociedade. E nesse ponto, o casal atingiu em cheio o meu interesse.

Apeshit fala do mercado de arte contemporâneo das últimas décadas e do excesso de mercantilização desse setor. Não é de hoje - os bons observadores e fãs de artes, principalmente as artes plásticas, já devem ter percebido - que os grandes museus e instalações artísticas têm se rendido à uma indústria da falácia, do gratuito, do vulgar e por que não dizer? daquilo que a priori não produz outro significado que não o nonsense, o absurdo.

E é exatamente nessa jugular que a dupla Beyoncé e Jay-Z (que assina este trabalho em parceria com o pseudônimo de The Carters) dispara sua verve e palavreado rápido e certeiro.

Corpos trajando nudes (uma tecido que simula a nudez) em escadarias de mármore de carrara, mulheres rebolando atrevidamente na frente de obras consagradas da arte mundial, um anjo negro velando as portas do museu do Louvre (onde o clipe foi gravado), Jay-Z em cima de um cavalo todo pintado, cujo único papel é o de chamar a atenção gratuitamente... Sim, meus caros amigos e leitores, a arte está (aqui, no clipe, e também nos museus, centros culturais, galerias) a serviço do banal.

O filme The Square: a arte da discórdia, de Ruben Ostlund, que concorreu recentemente ao Oscar de melhor filme estrangeiro, já mostrava esse caráter deficitário do que é chamado de arte atualmente. Mas aqui, a dupla esfacela ainda mais o contexto exibindo aquilo que o mundo do hip-hop sabe fazer de melhor: chocar, escandalizar, aparecer a qualquer custo.

Em determinado momento da música os cantores dizem ao público que "devemos ser gratos". Gratos pelo que estamos vendo. Devemos também pagar a conta. A sensação que eu tenho é de que somos obrigados a aceitar a arte como mero produto, pois assim decidiram os que produzem essa arte e não há nada melhor que possa ser feito para combater isso. Recuso-me! E acredito que Beyoncé e Jay-Z também.

A pergunta que incomoda aqui é: qual o preço da arte? E vem seguida de uma segunda ainda mais incômoda: e por que ela precisa ter um preço? Van Gogh era sustentado por seu irmão e não ficou milionário com sua obra. Basquiat era um quase-grafiteiro que foi descoberto (e certamente explorado) nas ruas dos EUA. Jackson Pollock, Pablo Picasso e Bansky estavam (no caso de Bansky, está ainda) mais preocupados com a abrangência de seus trabalhos do que com o respaldo monetário. Portanto: a que se destina o mercado e comércio desmesurado da arte? Certamente, não a seus criadores que, na grande maioria, comeram o pão que o diabo amassou, mastigou e regurgitou.

Da privada de Marcel Duchamp, as latas de Sopa Campbell de Andy Wahrol, aos exibicionismos estéticos e gratuitos de hoje, a arte piorou muito. Carecemos de verdadeiros artistas e não somente nas artes plásticas. Porém, como o assunto aqui é mais voltado às performances esdrúxulas e corpos sarados que tomaram o lugar de grandes nomes como Leonardo da Vinci, Monet, Cézanne, Goya e outras feras da linha de frente, é preciso enfatizar: quando foi que desaprendemos a criar e passamos apenas a exibir um conteúdo tão primário e pouco reflexivo? Tornamo-nos vazios e nos orgulhamos disso (pelo menos, é o que o final do século passado e o início desse tem deixado claro até agora).

São muitas perguntas, eu sei... E responder a todas elas é uma saga que certamente perdurará todo o século XXI. Contudo, é preciso elogiar a atitude do casal Beyoncé/Jay-Z mesmo que à primeira vista a música deles não seja nenhuma obra-prima digna de ser notada pela qualidade musical.

Apeshit é, no final das contas, a tampa numa lata de lixo de uma cultura relapsa e que se locupleta de falsos valores e talentos para gerar mídia. Resta saber agora até quando esta sociedade que aqui se encontra aturará tal desfaçatez e tomará vergonha na cara para mudar a ordem dos fatos.

Porque do jeito que está, a extinção do que conhecíamos como arte até então é uma questão de tempo...


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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