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Terceira Esquina
ANIBAL BENÉVOLO BONORINO

Resumo:
Uma mulher simples, mas extremamente ambiciosa, consegue mudar o destino daqueles que com ela se envolvem.

Terceira esquina

Aníbal Bonorino

Passavam alguns minutos das dezenove horas. Normalmente já estaria a caminho da casa do irmão, teria passado pelo restaurante e apanhado as quentinhas com jantar para três. Era assim todas as sextas-feiras. Quando chegava ao destino, a cunhada a esperava com a mesa posta e com as bebidinhas preparadas. Bebiam suavemente enquanto aguardavam o dono da casa voltar à sala..

Mas hoje... esse horário de verão atrapalhara tudo.

Elaine estava no alto da escada. Olhou para baixo e viu Telmo caído, com os pés junto ao primeiro degrau, os braços abertos, como asas prontas a alçar o vôo, rosto em paralelo ao chão. Um filete de sangue escorria de sua boca. Que nada, aquilo era o estampado do tapete, que acabava onde começava a escada.

Elaine não correu, não gritou, não desceu. Ficou, sim, extremamente contrariada. Nada daquilo correspondia ao que havia sido combinado. A cena correta seria : sair do banho, chegar ao quarto, vestir a roupa calmamente e   aguardar o grito histérico de Jandira, ao encontrar o irmão estatelado no hall de entrada.

Aquele filme com o irmão da Julia Roberts, (nunca lembrava o nome do Erik ) funcionou como a sua maior inspiração. Claro que não se utilizaria daqueles artifícios de fingir gravidez e aborto, mas podia discutir consigo mesma as diversas variações sobre o mesmo tema. Passou a viver um ensaio diário da peça que queria protagonizar.

De segunda à sexta pegava o mesmo ônibus, na mesma hora e encontrava, praticamente, as mesmas pessoas. Na terceira esquina, elegantemente trajado, estava sempre o mesmo rapaz, ao que tudo indicava esperando o seu transporte. Olhava para o ônibus e sorria para ela. Depois ficamos sabendo que o sorriso era em retribuição ao que Elaine lhe dedicava..

De tantos sorrisos passaram aos encontros mensais, semanais, diários. Não podiam viver sem se ver durante muito tempo, mas os encontros duravam apenas poucas horas. Elaine era casada. Seu marido, apenas um ano mais velho que ela, era dez vezes mais bonito que o elegante da terceira esquina... mas, mil vezes mais pobre.

O rapaz morava com o pai, que não admitia mudar-se daquele prédio velho, belíssimo mas com o sério defeito de não ter garagem. Por isso esperava , na esquina, o motorista trazer seu carro, que era guardado no outro lado da rua na esquina anterior. O motorista era utilizado, na maioria das vezes, somente para levar o carro da porta do edifício para a garagem e desta para a porta do edifício. Amava seu emprego e seu pródigo patrão.

Elaine valia-se do fato de ser revendedora da Avon, para suas saídas diárias em horários diversos, além da obrigatória pela manhã. O elegante não precisava de nenhum subterfúgio. Era rico, dono de empresa por herança e saía e entrava a hora em que queria.

Os encontros eram sempre em locais distantes do bairro onde residia a bela senhora. Nenhum de seus remediados vizinhos freqüentaria aqueles ambientes. Restaurantes sofisticados e discretos, além dos motéis luxuosos. O elegante parecia não ter amigos, ou conhecidos, em lugar nenhum. Nunca encontraram alguém que o cumprimentasse.

Às 17:00 horas daquela quinta-feira, porém, ao saírem da cafeteria, Elaine encontrou o olhar de uma de suas clientes ricas. O que estaria, aquela velha que sempre comprava o mesmo creme , fazendo naquele local tão distante de sua residência? Parece que ambas ficaram constrangidas pelo encontro. Desviaram os olhares e nem se cumprimentaram.
Certamente jamais comentariam, entre elas, algo a respeito. O rapaz demonstrava não ter percebido nada, ansioso que estava para que o manobrista trouxesse seu carro.

- Está bom se eu te deixar na esquina da próxima avenida ? Por quê será que ele não completou a frase com ‘querida, amor , benzinho’ , pensou Elaine.   Nem roçou sua perna na minha , como sempre faz. – Sim amor, está ótimo. Posso pegar qualquer um dos ônibus que passam por ali. Rapidinho estarei em casa. Não posso tomar táxi , porque chamaria a atenção. Ta bom, querido.

Quando chegou em casa, seu marido estava na área inaugurando a churrasqueira. Não fazia fumaça, conforme a propaganda , e o cheiro era um convite à gula. Ali estava uma boa pessoa, querendo agradar a sua amada. Continuava perdidamente apaixonado por Elaine. E ela por ele, na cama. Fora dela reclamava de tudo. Os poucos sapatos, os vestidos simples, os cineminhas de vez em quando. Teatro é muito caro e além disso não serve para a cabeça dele - sem complicação , sem dramas ou depressões.

A casa era confortável. Construída a duras penas sobre o terreno deixado pelo pai do marido. Tinha dois pisos e dois banheiros (condição sine qua non imposta por Elaine),
dois quartos , sala , copa , cozinha , área e um quintalzinho liliputiano. O escritório e a biblioteca ( para quê ?), ficariam para depois. Para muito depois.

O shampoo , em exagero, escorreu pelo corpo e cobriu o piso do box. Um tombo , sem maiores conseqüências, deixou várias marcas no corpo da senhora. Tais marcas foram transformadas em sérias agressões. O relato foi transportado, minuciosamente , da imaginação da mulher para o atrapalhado cérebro do rico rapaz apaixonado.   E por ser rico, herdeiro e voluntarioso não conseguia admitir que a ralé ousasse agredir a sua amada. “Aquele canalha merece um tiro no peito”.

A frase foi festejada por Elaine com exclamações de : “ Que é isso meu amor ? Embora eu concorde que um covarde assim tem que morrer, nem pense nisso . Deixa isso pra lá, eu vou conseguir a separação apesar das ameaças que ele faz.”.

A cada dois ou três encontros, Elaine acrescentava subliminarmente fatos ocorridos em sua casa. Na verdade nunca ocorridos, mas sim inventados de forma a alimentar o ódio, que se instalara no coração do seu amante, contra o seu marido.

No luxo arrasador do apartamento do pai, Regis passava horas a pensar em várias formas de apressar a liberdade de sua amada.

- Meu filho, você está perdendo o controle da empresa. Tenho certeza que a causa disso é mulher. Será que não deu para aprender com o que aconteceu conosco? Sua mãe nos deixou por um rapaz bonito e estúpido, que deve ter explodido com ela a fortuna que possuía. Toma cuidado, dinheiro perdido nessas situações, dificilmente é recuperado.
- Não sei, pai. Encontrei, há poucos dias, aquela mulher. Não me pareceu nada pobre. E embora não tenha prestado atenção à sua companhia – fiz questão de ignorá-la – acho que seu par não era nenhum garoto. Duvido que se exporia ao ridículo de andar com alguém com idade de ser seu filho. Mais propriamente, filho da puta...

Quando o assunto, raramente abordado pelos dois, era a mulher que os traira, Regis perdia totalmente a calma. Esbravejava, chutava os móveis, quebrava copos e xícaras e finalmente acabava chorando nos braços do pai, cujo coração batia no pescoço e lhe estremecia as mãos.

E agora, pensava o rapaz, era ele o cúmplice da traição. Que diferença havia entre sua mãe e a mulher que amava no momento. Pitigrili teria razão ? Mas, por que pensar naquilo, as situações eram diferentes. Sim, mas a traição, a mesma. Teria que acabar com aquela tensão.

- Desculpe patrão, mas eu estou preocupado com o senhor. Está parecendo tão entristecido, tão tenso, Alguma coisa ou alguém está chateando o senhor. Desculpe a minha intromissão, mas se eu puder ajudar...
Meu caro motorista você nem sabe em que foi se meter – esse seu medo de perder um emprego tão bom pode lhe fazer perder a paz por toda a vida.

Carolina , por acaso, viu a foto de Elaine no jornal. Jamais lia a seção policial, mas a folha caíra no chão , enquanto procurava o caderno imobiliário e ao apanhá-la viu a foto da viúva do rapaz assassinado.

- Meu Deus, mas é a Cremilda, ou sei lá como se chama. É a garota dos cremes anti-rugas. A mesma que eu vi saindo do café com o meu filho naquele dia . Ela nunca me disse que era casada, ou será que disse? Carolina continuou falando, em voz alta, com as paredes. Isso para disfarçar seu momentâneo nervosismo. Algo estranho parecia estar rondando as aparências. Seu filho metido com uma assassina, aliás, com a viúva de uma vítima. Metido antes de ela ser viúva, podendo até ser ele o assassino... Santo Cristo, que confusão, pensou e correu para o telefone, segurando a folha do jornal na mão esquerda.

- Por que demorou tanto a atender Helô ? Esse telefone tocou umas cem vezes.
- Querida isto aqui não é quarto e sala e eu não tenho aparelhos telefônicos distribuídos por todos os aposentos. Fica calma que eu já estou pressentindo que lá vem bomba.
- Nada disso, eu só quero que você pergunte ao Cadu quais foram os dias em que aconteceu aquele congresso, lá em São Paulo. Sim, sim, aquele com os fabricantes de fibra de vidro. Tá bem, fiberglass... de quando a quando e se ele esteve , ou viu, o Regis todos os dias. Depois eu explico. Como ? O Cadu não está? Por que você não me disse logo?
- Simplesmente porque você não perguntou.
- Está bem amiga, desculpa, mas se um dia ele voltar para casa você faz o favor de perguntar e me informar da resposta? Au revoir e beijinhos...

Duas horas ( equivalentes a dois dias) depois, o telefone tocou para a alegria ou desespero de Carolina .
- Carol, imagina o que aconteceu. Teu filho, tão certinho e abstêmio, todas as noites , durante o congresso, de dois a oito de outubro, esteve com o Cadu para beber litros de Chivas. Cadu adorou, é claro, ter alguém com quem dividir sua despesa etílica. Achou Regis disfarçadamente muito tenso. Anything else ?

- Querida, te amo de paixão...a gente se encontra, adeusinho.
- Peraí, você ficou de ...mal-educada, desligou. Será que ela fez as pazes com o filho?

Jorge lia sempre o caderno policial. Abriu um largo sorriso ao ver a foto da viúva. Aquela gostosa que levava os cremes para a sua amante, ou melhor sua mantenedora. Olhava-a sempre pela fresta da porta da sala, quando ela ia entregar os cremes. Carolina não permitia que ele aparecesse durante seus encontros com a profissional. Nem por ciúme, mas por não querer expor sua condição a uma desconhecida. E era ele quem estava presente naquela tarde na cafeteria.

Vingou-se, como havia prometido à Carolina, quando ela o expulsou de sua casa, sem indenização pelos serviços prestados e sem esperança de novos relacionamentos proveitosos , já que não era nada jovem. Tinha sido o mais velho dos amantes de Carol.

Por uma denúncia anônima envolveu a idosa senhora com o assassinato de Telmo , esta chegou à Elaine que fez Regis entrar em cena, que sem escrúpulos entregou o motorista.

O motorista se declarou apaixonado perdidamente pela amante de seu patrão. E por ele sabia dos maus tratos a que Elaine era submetida pelo seu cruel marido. Tinha esperança de conquistá-la , desde aquele Natal em que ela lhe deu um beijo na testa.

Elaine ensaiadamente exclamou “ pobre rapaz “ durante o julgamento. O que comoveu todas as donas de casa presentes.

O pai de Regis morreu ao pressentir que sua fortuna estava passando para as mãos da família do motorista. Este deveria sair da cadeia por bom comportamento e ótimos advogados. Regis passou a andar de ônibus e gerenciar uma tinturaria no subúrbio, em que era sócio minoritário. Elaine continua na sua casa e, agora, sozinha, pois ninguém consegue conviver com ela e seus fantasmas, aliás um só, que a assombra cada vez em que chega ao topo da escada.

E Carolina, sem cremes, ficou enrugada demais

*******

Rio, 28/12/2007









Biografia:
Nasci em Itaqui, no Rio Grande do Sul e resido no Rio de Janeiro desde o final de 1958. Nunca publiquei nada do que escrevo, por que sempre o fiz para consumo próprio e, principalmente, por falta de talento. Agora, acho que perdi a vergonha. Gostaria imensamente de receber as críticas dos meus eventuais leitores peoo e.mail anibalbonorino@superig.com.br.
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