O corpo. Ora, o corpo. O tão endeusado objeto
Máquina ilimitada de vaidade
Olha, que corpo bem-feito
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça..."
Seja em Ipanema ditando moda
Ou na Madureira empobrecida
Seja em Manhattan inventando moda
Ou num daqueles buracos tristes da maçã apodrecida
Eis o corpo belo corpo nas academias de ginástica
E nos ininterruptos carnavais
Uns viram até bonecos de cera no museu da madame
E há prazer no que não é
No que acaba hoje ou qualquer dia desses
Estamos embriagados, cegos de volúpia
E o que é não é
O corpo. Ora, o corpo: as conotações se esbarram:
É o endeusado, vaidoso a mostrar-se de novo
Antes de ser enterrado ou cremado ou esquecido num canto, coitado
Olha, que corpo bem-feito a ser esquecido
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça..."
A cheirar mal demais da conta
Seja em Madureira, em Ipanema
Seja em Manhattan, nos raios que o partam
Eis nossa vontade passageira e o corpo
O corpo por fora da gente
O que foge das gentes
O corpo estrutural é o corpo sobre o qual se chora
Queira ou não queira
Um, dois, um, dois: movam-se os músculos!
Dois, um... e zero: nenhum músculo se move
Ora, o corpo
E uma criança pequena com o corpo imóvel de espanto
Sem entender direito o pranto, sussurra:
"Parece um boneco de cera..."
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