Na casa grande uma Mucama costurava lindo vestido de cetim branco. Era de Sinhá-moça, longos cabelos pretos, olhos violeta e pele clara.
Os rapazes da redondeza a fitavam se deliciando com sua pureza, sensualidade e, ao mesmo tempo, aquele lado de menina que transparecia em seus gestos e olhar.
Tudo que se relacionava com Sinhá-moça Mucama fazia gosto.
Deslizava uma linha de seda branca naquele vestido que mais tarde iria cobrir a película transparente de Sinhá.
... “A festa na corte fará sucesso, pois linda como é a notarão”, pensava Mucama.
Estava a coser quando uma pomba posou na soleira da varanda. A pomba por diversas vezes fez movimentos para retornar ao vôo, porém, hipnotizada com a leveza do tecido, a delicadeza da Mucana e a brancura da linha acetinada, o máximo que conseguia era passar de um lado para outro. Até que se encheu de coragem e perguntou à majestosa linha que unia o tecido projetando sua forma:
- Como consegues ser tão feliz estando presa para sempre num armário fechado ou, junto a um corpo, sem poder ir onde quer?
- Ora, é bem verdade, tens razão. No entanto, não conhece a minha ama. Faço com muito prazer parte do vestuário. Afinal, pertenço a uma jovem encantadora. Irá levar-me a uma festa e nela belos rapazes por certo me acariciarão.
Soberba, balbucia – “Sou de seda, coso cetim e visto o mais belo corpo da corte”.
A pomba bateu as asas ao se aproximar Sinhá-moça.
Ficou perplexa não só com sua chegada repentina, como, mais ainda, com sua beleza. Olhou para a linha e compreendeu o porque da felicidade. De repente, uma sensação de bem-estar como nunca sentira. Sinhá a pegou carinhosamente e assim, permaneceu por longo tempo até que Mucana, pronto o vestido, convidou-a para a última prova. Faceira, levantou-se com a pomba ao colo. Em seu quarto, a pomba já colocada na cama, assistia deslumbrada à meiguice de seus gestos; sua voz suave como canto de pássaro. Tudo era perfeição: - busto, quadril, coxa. Tudo.
- Psiu! Psiu! Chama a linha à atenção da que há muito nada assistia.
- Desculpe, estou deveras satisfeita, e se fosse você sentiria orgulho de cobrir como ostra esta pérola.
Após longo e delicioso banho, Sinhá se enleia em um robe de crepe vermelho e, como uma Deusa, coloca o vestido sobre si dando um profundo suspiro.
Observa a hora e vê que dispões de poucos minutos. Grita por Mucama, para ajuda-la a vestir. Desnuda-se e dá início ao preparo. Veste o espartilho, ligas e meias, e por fim o deslumbrante vestido de cetim branco. Senta-se à penteadeira e, com auxílio de Mucama, arruma os cabelos.
“Ficou deslumbrante!” Exclama Mucama.
A pomba esfrega sua cabeça junto às almofadas, como se acomodasse para dormir.
O enorme silêncio. E com ele a penumbra no quarto. Sabia que tudo era agradável, mas quem ia divertir-se de fato era a linha, enquanto...
Noite alta, escuta o abrir da porta. Sinhá retornando.
Despertou, e atenta observou cuidadosamente. O vestido descansava no cabideiro e Sinhá, com a delicadeza peculiar, dormia.
Algumas almofadas, e junto ali, permanecia ansiosa.
- Linha, acorde. Com foi? Estava animado? O vestido fez sucesso? Aflita, perguntava sem parar.
- Há! Acha que vou lhe responder estas perguntas agora? Quero mesmo é descansar.
- Espere! Fiquei ansiosa por seu regresso e você quer dormir? Deixe de egoísmo, completa a pomba magoada.
A pomba refletiu, e resolveu tomar uma decisão: ...“No dia seguinte, bem cedinho irei agitar tanto este aposento que Mucama vai abrir à janela e voarei pra longe. Tudo é muito bonito, porém não nasci para a clausura.Ficarei no ar e comigo a liberdade. Valerá ser tratada como pomba de estimação e cercada pela Sinhá-moça, se não posso desfrutar da vida?”...
Entretanto, a situação da linha é diferente. Porque continuará tecendo e unindo-se e por certo, elogiada.
...”Ah! Minha amiga nasceste para essa civilização!”...
Ao amanhecer, a pomba não perde tempo.
Nem Mucama, nem Sinhá, e muito menos a linha, estavam entendo.
Nisto, a pomba fala:
- Sabem da verdade? Sou pura, bela e livre. E, sabem do que mais? Sou ao mesmo tempo Sinhá, Sou linha, e isto me basta.
A natureza brotava e a pomba, ao posar na soleira da varanda, olhou e entendeu a felicidade.
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