Fiz um corte no dedo
para ver como ainda sou por dentro,
livro desatinado, prefácio do medo,
a buscar o tom mais alto do vermelho,
a efervescência dos eus em segredo,
fantasia sem caixa postal,
dor mínima para quem
sabe que o que dói
é o amor carnal...
Fiz um corte na alma para espiar meu jardim suspenso
onde anjos escorregam e caem na piscina de pensamentos,
reparei nas colunas que sustentam meu palácio,
lá, onde mora o amor que me domina,
onde busco, nos lábios da profetiza,
o mapa definitivo da minha sina...
A raiva, o desprezo, o ódio, o julgamento,
a beberem o chá da tarde no átrio da consciência,
seus relógios quebrados expulsaram o tempo,
e eu, nu, a discursar, sem a mínima decência...
Fiz o último corte,
uma incisão perigosa no dorso da sorte,
descobri as ruínas dos caminhos do dia-a-dia,
dobrei-me ao chão, recolhi os restos dessa poesia...
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