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A Cripta
Gustavo de Mello

Resumo:
Após a morte misteriosa de um homem na cela da Delegacia do Município, o policial Salomão passa a investigar e descobre coisas que homem nenhum deveria saber.

A Delegacia de Polícia ficava a aproximadamente trezentos metros da casa de Salomão. Todos os dias o escrivão acordava por volta das seis horas da manhã, banhava-se, vestia-se, tomava seu café, apanhava sua carteira funcional, seu revólver .38, seu chapéu panamá e descia a Rua 7 de Setembro em direção ao trabalho.
    Naquela manhã, Salomão havia se atrasado, pois, na madrugada anterior, fora acionado pela Autoridade de Polícia para lavrar o Auto de Prisão em Flagrante de um tal de Eneias Pereira da Silva, um mulato acusado de estar praticando “macumba” e outros feitiços na praça D. Pedro II, no centro da cidade.
    Depois de devidamente lavrada a mencionada peça policial, a Autoridade pediu para que Salomão a acompanhasse no interrogatório do mulato. O Delegado ficou de pé ao lado do escrivão, enquanto este datilografava agilmente em uma “qwerty”. Por sua vez, Eneias (o mulato) ficou algemado de fronte aos policiais, com a cabeça caída, como se estivesse bastante triste.
    — Mulato, seu nome é mesmo Eneias Pereira da Silva? – Começou o Delegado.
    — Sim, senhor. — Respondeu o Eneias, levantando a cabeça e apresentando os olhos avermelhados e as mãos bastantes maltratadas, possivelmente em razão do trabalho pesado.
    — Quando e onde nasceu e, também, diga-me como seus pais se chamam? — Indagou a Autoridade.
    — Nasci nessa cidade mesmo, senhor. Mas não sei responder a vosmicê nenhuma das outras perguntas. Meu pai era um branco, todavia nunca o conheci, minha mãe uma escrava de prenome Joaquina, e isso é tudo que eu sei, pois fui separado dela logo que nasci.
    – Quem o separou?
    – Não sei dizer, senhor. Fui criado por um negro liberto chamado Tibério, que foi quem me ensinou a trabalhar no campo.
    – Mulato, me diga logo, você é um feiticeiro?
    – Não, senhor.
    – Então o que estava fazendo nesta madrugada no centro da cidade com um galo decapitado e coberto de sangue da ave em seu rosto? – Questionou a Autoridade bastante nervosa.
    – Senhor – disse o mulato aparentando estar bastante abalado – Desde criança eu sou vítima de uma entidade sombria que se apodera do meu corpo e me obriga a fazer coisas das quais eu não desejo. Se não acredita em mim, converse com o Padre Francisco, ele vai confirmar o que estou dizendo.
    – Eu não vou fazer nada disso – Respondeu a Autoridade Policial bastante nervosa com aquela resposta e, em seguida, acrescentou – Salomão, depois que terminar de lavrar o Termo, leve este negro para o cárcere, talvez um pouco de clausura faça com que ele reconsidere e nos diga a verdade.
    Eneias não demonstrou qualquer tipo de emoção com a notícia.
Salomão, então, terminou de lavrar o termo do interrogatório que foi assinado por ele, pela Autoridade e, em vista do mulato ser analfabeto, este colocou seu polegar sobre a carimbeira e, em seguida, pressionou o dedo contra o papel, deixando a marca de sua impressão digital.
Eneias foi levado para o xadrez que ficava nos fundos da Delegacia. No caminho até a cela, Salomão passou a escutar o som grave de um tambor tocando. Olhou para o mulato, imaginando tratar-se de algum feitiço, todavia, Eneias parecia estar completamente alheio a tal fato, com o olhar triste e distante.
    Acreditando tratar-se algo fruto de sua mente, Salomão trancou Eneias, tirou suas algemas, mas, antes que pudesse ir embora, questionou o negro:
    – Ei, como é essa coisa? Isto é, como que a entidade se apodera do seu corpo?
Eneias, aparentando estar bastante surpreso com a pergunta do escrivão, respondeu:
    – Primeiro eu começo a ouvir como se houvessem tambores africanos tocando dentro de minha cabeça e, em seguida, após alguns minutos ou horas, a coisa toma conta de mim.
    Diante de tal revelação todo o corpo do escrivão se arrepiou e suas pernas passaram a tremer. Em seguida, ele indagou mais uma vez o mulato:
    – Como é essa coisa? A tal entidade.
    – Ela se parece com um homem branco comum, todavia, no lugar dos olhos há um pano branco enrola e coberto de sangue, sua boca é costurada e também há um... deixa pra lá.
    – Diga logo, negro!
    – A forma como a criatura se movimenta, é como se não fosse desse mundo. Ela tem pernas e braços, mas não tem ritmo nenhum ao caminhar, é como se não fosse para estar aqui, como se aquela aparência fosse inventada. Não sei exatamente como explicar.
    – E quando você a viu?
    – Só em sonhos.
    Ante tais revelações o escrivão averiguou o cadeado, para ver se não havia nenhuma chance do mulato escapar durante a noite e, em seguida, voltou para sua casa, deitou-se na cama, mas só conseguiu pegar no sono por volta das cinco horas da manhã.

    Atrasado para o trabalho, Salomão desceu a Rua Sete de Setembro a passos largos, no caminho ficou pensando nos sons de tambores que havia ouvido no dia anterior. “Você está enlouquecendo, Salomão”, imaginou o escrivão enquanto adentrava pela porta principal da Delegacia de Polícia.
    Mal passou pelos umbrais de entrada, quando Francisco, o carcereiro, foi ao seu encontro e lhe deu a notícia – Eneias, o mulato está morto.
Salomão, indignado com o que acabara de ouvir, colocou as mãos sobre a cabeça e indagou o carcereiro:
    – Morreu como?
    – Não sabemos... – respondeu Francisco, e acrescentou: – quando abri a cela pela manhã ele estava estiado no chão com uma marca estranha no peito.
    – Marca? Que tipo de marca?
    – Parece ter sido feito recentemente com uma adaga ou faca, não sei dizer.
    – Adaga? Impossível, eu mesmo o revistei antes de trancafiá-lo no cárcere.
    – Vá e veja você mesmo – respondeu, por fim, o carcereiro, de modo impaciente.
    Salomão caminhou apressadamente pelo corredor que levava até os xadrezes. Durante o percurso, mais uma vez o escrivão pôde escutar místicos tambores africanos tocando incessantemente dentro de sua mente, o que o fez suar frio e deixar as pernas trêmulas novamente. Então, o escrivão abriu a cela e encontrou Eneias ao chão com os olhos e a boca abertos e uma marca estranha desenhada no seu peito.
    O primeiro impulso do policial foi procurar por alguma faca ou objeto cortante dentro da cela que poderia ter feito tal impressão no homem. Observou e revirou cada canto do xadrez, assim como o próprio corpo de Eneias, todavia não encontrou nada além de um papel amarelado e dobrado em um dos bolsos da calça do defunto.
    Curioso, o escrivão desdobrou o mencionado papel e, para sua surpresa, havia um desenho, na verdade, tratava-se do mesmo desenho que estava marcado no corpo do mulato.
    As mãos de Salomão suavam sobre o mencionado papel, enquanto ele fazia a comparação minuciosa entre as formas. Entáo, a Autoridade Policial, inesperadamente, colocou a mão sobre o ombro direito do escrivão e o indagou:
    – O que tem aí, Salomão?
    – Não é nada, senhor. É só um pedaço de papel que peguei para limpar minhas mãos... – Então o escrivão rapidamente amassou e passou o papel entre os dedos, limpando o suor de suas mãos, e, rapidamente, colou o objeto no bolso.
Sem parecer desconfiado, o Delegado se aproximou do corpo de Eneias, abaixou-se e passou a analisar o desenho. Então, acrescentou:
    – O que lhe parece essa imagem?
    – Um círculo em espiral ou algo do tipo, doutor.
    – Nunca havia visto nada como isto antes, nem quando prendemos aqueles negros do candomblé.
    – Isso definitivamente não se parece com candomblé, senhor.
    Então a Autoridade Policial foi até a sua sala e, logo em seguida, voltou trazendo consigo um estranho objeto. Desta vez, foi Salomão que questionou o Delegado:
    – O que é isso, Senhor?
    – Eu também não sei, Salomão. Ontem, quando eu e o inspetor fomos efetuar a prisão do mulato, encontramos esse objeto próximo a ele, parecia estar encharcado de cachaça e, também, sangue de galináceo.
    – Posso dar uma olhada? – Perguntou Salomão.
    – Claro, fique à vontade... – Respondeu o Delegado enquanto passava o objeto para as mãos de Salomão.
    Tratava-se de um pequeno cubo de madeira rudimentar. Cada lado possuía um desenho bastante característico em seu centro, mas que, a princípio, não dizia nada.
    – Posso levar este objeto para minha sala, senhor? Para analisá-lo com mais calma... – Questionou o escrivão.
    – Claro, Salomão. Mas antes de sair, responda-me, do que este mulato morreu?
Esta pergunta fez com que, mais uma vez, Salomão ficasse perplexo, pois, atentou-se tanto para o símbolo no peito do cadáver, que acabou se esquecendo da coisa mais elementar, isto é, a causa mortis do mulato Eneias. Então respondeu:
    – Não sei dizer, doutor. Talvez envenenado, haja vista, não haver nenhuma marca de enforcamento ou lesão, com exceção do desenho superficial no peito do morto que, todavia, seria insuficiente para matá-lo.
    – Exatamente! – Exclamou a Autoridade, e continuou: – vou chamar o doutor Agnelli para dar uma olhada nele.
    Dito isto, ambos passaram a observar, quase hipnotizados, o corpo de Eneias. No fundo de sua cabeça, Salomão podia ouvir os tambores batucando uma cantiga antiga, selvagem e imoral.

    Momentos depois, Salomão voltou para sua sala. Colocou a peça de madeira sobre sua velha escrivaninha e, com o auxílio de uma lupa, passou a analisar o objeto. Após alguns minutos, Salomão percebeu que os desenhos pareciam estar ao contrário (como num espelho), então teve uma ideia, apanhou um pequeno rolete, aplicou tinta neste e, em seguida, passou-o levemente sobre o desenho do cubo. Então, o escrivão apanhou um papel e passou a carimbar cada um dos seis lados do cubo sobre ele. Como a imagem impressa era demasiadamente pequena, mais uma vez, Salomão pegou a lupa e então passou a observar a impressão.
    Na primeira imagem, que estava de ponta cabeça em relação às demais, o escrivão pôde ver a imagem de uma mulher completamente nua e sem cabeça. Na segunda, pôde ver o que parecia ser uma garrafa. Na terceira, para o espanto do homem, verificou o mesmo símbolo encontrado no corpo de Eneias e no papel em seu bolso, isto é, um círculo em espiral, completamente irregular. Salomão não conseguiu ver nada na quarta imagem e, ao analisar o cubo, percebeu que aquela parte, aparentemente, tinha sido lixada intencionalmente. Por fim, na quinta e sexta face do objeto, o escrivão observou uma criatura que, superficialmente, poderia ser descrita da seguinte forma, um humanoide com a boca costurada e os olhos encobertos por um pano, como Têmis, a divindade grega representante a Justiça.
    Após tais descobertas, Salomão passou a se sentir escandalizado e imundo, como se o simples fato de conhecer aquela imoralidade fizesse com que fosse aberta uma porta da qual jamais poderia fechar outra vez. Então, apanhou um pano e limpou o cubo, teve vontade de queimá-lo, destruí-lo, mas sabia que o Delegado lhe indagaria sobre o referido objeto e que poderia até ser aberta uma sindicância contra ele caso realizasse o seu intento. Na verdade, por mais que desejasse profundamente destruir o objeto profano, sabia que, por motivos inexplicáveis, seria incapaz de fazê-lo, era como se o objeto maligno tivesse vida própria.

    Já era noite quando Salomão deixou o misterioso cubo na sala do Delegado, apanhou seu chapéu panamá e saiu em direção à sua residência. No caminho, o escrivão não se conteve e decidiu ir até a praça D. Pedro II, para tentar entender melhor o que estava acontecendo.
    Quando chegou ao local, aparentemente não havia mais qualquer vestígio da contravenção. Todavia, como Salomão estava empenhado em descobrir a verdade, passou a observar com precisão cada canto do rossio.
    Já havia se passado algumas horas, quando um homem negro, vestindo um elegante terno bege e usando um chapéu canotier, foi até Salomão e lhe perguntou:
    – O que procura, meu senhor?
    – Saia da minha frente! – Respondeu rudemente, o escrivão.
    – O senhor está procurando algo que está muito além de sua compreensão e o que encontrará será apenas desgraça. – Disse o negro de forma polida.
    – Quem é você para dizer o que devo ou não devo fazer? Eu sou um policial e se continuar me importunando e atrapalhando minha investigação eu lhe prenderei imediatamente! – Exclamou Salomão, tirando o distintivo prateado de seu bolso e acrescentou: – Dê logo o fora daqui.
O homem negro então acenou de forma cortês para Salomão, segurando a aba de seu chapéu, e saiu caminhando em direção à igreja, que ficava no centro da praça. Enquanto o homem se afastava, Salomão teve a sensação de que estava se enterrando cada vez mais em um buraco e que, possivelmente, jamais conseguiria voltar a ter uma vida normal.
    Era mais de meia-noite quando o escrivão desistiu de procurar por mais vestígios e decidiu voltar para casa. Estava deixando o rossio, momento em que lhe veio à mente a seguinte ideia “Eneias deve ter começado o ritual dentro do cemitério. A praça central não é o lugar mais apto a algo desta magnitude”. Tão logo lhe veio essa ideia na cabeça, seu subconsciente respondeu “Deixa disso, homem! Você está completamente louco”. Sem ouvir a voz da razão, Salomão saiu em direção ao cemitério.
Já de fronte à necrópole, o policial puxou o portão de entrada, com a intenção de abri-lo, todavia, deu-se conta de que este estava trancado. Então, olhou para os dois lados da rua e, após se certificar de que estava completamente vazia, subiu pelo portão de metal, que devia ter aproximadamente dois metros de altura e era todo decorado com cruzes e, na parte superior, ofendículas em forma de lanças faziam a segurança do local. Estava quase dentro do cemitério quando a sua camisa se prendeu em uma das lanças no topo do portão, cortando a sua pele e fazendo com que o homem despencasse do portão.
    Salomão caiu de mal jeito e torceu o pé esquerdo quando este entrou em contato com o chão irregular de paralelepípedo da necrópole. Mancando, o policial saiu em busca de algo que nem ele mesmo sabia exatamente o que era. Enquanto caminhava pelos corredores de sepulturas, um mausoléu, em questão, chamou a atenção de Salomão. Tratava-se de uma cripta rudimentar feita de pedra e madeira, que destoava completamente das demais, haja vista que, diferente das outras, não ostentava grandes esculturas sacras, mas simplesmente uma escada estreita de pedra que descia em um buraco no chão até uma grande porta de madeira presa com um cadeado.
    Como se seu corpo estivesse dominado por algo fora deste mundo, Salomão saiu mancando em direção à porta da cripta. Todavia, antes que pudesse descer o primeiro degrau, um homem lhe agarrou pelo braço e exclamou:
    – O que faz aqui, Salomão!?
Como se não tivesse mais nenhum controle sobre a situação, o policial apanhou seu .38 e deflagrou dois tiros contra o homem. Enquanto o sujeito tombava ao chão e o sangue lhe subia pela garganta, Salomão pôde ver que se tratava de Pedro, o coveiro do cemitério.
    Então, sem qualquer remorso, o policial continuou descendo até a porta do mausoléu, deixando o corpo de Pedro estendido no chão. Como havia um grande cadeado trancando a porta, sem hesitar, Salomão deflagrou um terceiro tiro, destruindo a fechadura e deixando o caminho livre para sua entrada.
    Restando três munições intactas no tambor da arma, o escrivão a guardou no bolso. Em seguida, apanhou um fósforo que tinha consigo e acendeu um pequeno lampião que encontrou preso ao lado de dentro da tumba. O local estava completamente escuro e, ao contrário do que se poderia imaginar vendo do lado de fora, a área era enorme e repleta de velas por todos os cantos.
    Desejando iluminar melhor o local, Salomão tratou de acender o máximo de velas que conseguiu e a cena que se revelou aos seus olhos foi a seguinte: o chão era de terra batida, havia pilares de sustentação de madeira por todo canto, aranhas e morcegos havia feito dali suas casas, ademais, também era possível observar pequenas mesinhas de trabalho, com papéis e livros amontoados por todo canto.
    Neste ínterim, Salomão pareceu recobrar um pouco de sua consciência e um pavor intenso tomou conta de seu ser. Consumido pelo terror, o policial caminhou cambaleando, como se estivesse embriagado, até uma das mesinhas de trabalho e passou a mexer rapidamente nos papéis e livros ali presentes. Todos os papéis e livros eram escritos em linguagem estranha e profana. Ademais, em vários documentos, Salomão pôde observar o mesmo símbolo que encontrara, horas antes, marcado no corpo de Eneias.
    Então, o policial começou a retomar a consciência e, neste instante, absorte pela cólera ao se recordar de que havia ceifado a vida do pobre coveiro momentos antes, por motivos que não seria capaz de dizer, e diante de toda aquela cena tenebrosa e repulsiva, Salomão passou a amontoar tudo que pôde com a finalidade de atear fogo e destruir toda aquela obscenidade do mundo.
    Estava prestes a cumprir com seu intuito quando avistou uma espécie alçapão em um canto da sala que, até então, não tinha lhe chamado atenção. Curioso com a portinhola num local como aquele, o homem se aproximou e a abriu. Do lado de baixo uma intensa luz esverdeada lhe cegou momentaneamente. Em seguida, ao recuperar a visão, avistou uma outra pequena e estreita escada que levava até o andar inferior.
    Curioso, Salomão passou a descer mancando pelas escadas. Para a surpresa do escrivão, quando chegou no andar debaixo, verificou que o chão era completamente de pedra, como se fosse uma caverna e, ademais, havia ossada e carcaças humanas por todo canto. Na sua cabeça, o som das batidas dos tambores foi cortado pela voz do homem negro de chapéu canotier, que encontrara momentos antes na praça da cidade, que lhe dizia “Fuja daí, Salomão. Você morrerá!”
    Então a portinhola atrás de Salomão se fechou pesadamente. A luz esverdeada se intensificou ainda mais, revelando uma caverna ampla e com uma ponte de madeira a frente. Com medo, o policial seguiu o conselho do homem negro e correu mancando até o alçapão. Era tarde demais. A portinhola estava completamente trancada. Sem ter para onde ir, Salomão apanhou sua arma e continuou andando em direção à escada.
    Mais uma vez o silêncio dos tambores na cabeça de Salomão foi cortado, desta vez, todavia, não era a voz do homem de chapéu canotier, mas sim, uma voz esganiçada que lhe disse:
    – Gostei de tua oferenda, miliciano.
Apavorado, Salomão se virou, sendo surpreendido pela criatura descrita no dia anterior por Eneias, de pé ao seu lado, com olhos tampados por uma faixa, a boca costurada, vestido com um sobretudo preto, que ia até próximo aos seus pés. As mãos da criatura era como se fosse várias agulhas negras cumpridas e sua pele era terrivelmente pálida, como se já estivesse morta.
    Percebendo o espanto no rosto do policial, a criatura disse:
    – O que foi, minha aparência te causa espanto? – Então, ao dizer a última palavra a criatura simplesmente mudou sua forma, transformando-se em Eneias, e prosseguiu: – prefere assim?
    Salomão tinha tanto medo e estava tão nervoso que passou a sentir vertigem, todavia, reuniu forças para dizer:
    – Por favor, deixe-me ir!
Houve, então, uma gargalhada alta e sinistra e a criatura respondeu:
    – Ir? Ir para onde? Você me presenteou com o corpo do sepultureiro e agora eu quero mais... – houve outra risada alta e sinistra.
    Rapidamente, Salomão sacou sua arma e deflagrou as últimas três munições contra a criatura que, no momento, tinha a aparência de Eneias, fazendo com que ela viesse ao chão. Mesmo depois dos tiros, o policial continuou apertando o gatilho em seco, tamanha a gana que tinha em destruir o demônio.
    Salomão então, rapidamente, guardou a arma e voltou mancando até o alçapão, desta vez, quando o empurrou, ele abriu sem qualquer problema. No cômodo de cima, o escrivão fechou a portinhola e colocou um uma pesada pedra em cima, pois, intimamente, sabia que o demônio ainda estava vivo do lado debaixo. Em seguida, foi mancando até a parte superior, arrastou o corpo do pobre coveiro até o local onde havia, momentos antes, amontoado livros e papéis e ateou fogo em tudo.
    Do lado de fora, enquanto fugia, o pobre policial podia ouvir as risadas do demônio e o batuque infernal dos tambores africanos. Salomão agora tinha uma única certeza, a criatura voltaria e cobraria o preço por tudo aquilo, mais cedo ou mais tarde ela voltaria, sobre isso não havia a mínima dúvida.

FIM.


Biografia:
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