Certa noite, ao passar diante de um sobrado, olhei através das vidraças e vi duas lindas meninas, que riam e conversavam alegremente, sentadas no chão de uma grande sala. Então, imaginei que toda felicidade do mundo morasse ali mesmo, dentro daquela casa.
Outra noite, quando pisei novamente na calçada daquela casa, ao invés de risos, ouvi choros e lamentos que vinham da sala. Uma das meninas, debruçada sobre um caixão, chorava desesperadamente: "Minha mãezinha, minha mãezinha querida." A outra menina, além de chorar, cheia de revolta prometia em voz alta:
- Nunca mais eu rezo para Deus.
Ah, menina, não fale assim!, porque não é sempre que Deus pode fazer alguma coisa por nós. Não jogue sobre os ombros dEle o imenso peso de nossas desgraças. Há tragédias que são inevitáveis e Deus, por motivos alheios à nossa compreensão, simplesmente deixa que elas aconteçam. Depois, nenhum consolo nos resta, senão o de chorar e lamentar que tudo seja assim.
Porém, terrível mesmo é suplantar a dor e não deixar que ela nos enterre vivos junto com os nossos mortos. Enxugar as lágrimas e superar as perdas é preciso, seguir adiante também. Mas aceitar a vida assim, com todos os seus contornos fatídicos, quanto nos custa. Ainda mais quando somos pegos de mau jeito, só porque nossa fragilidade é grande.
Agora, mais do que antes, é preciso continuar rezando, sem jamais perder a fé em Deus. É continuar vivendo, sem se deixar abater pela tristeza. É continuar sonhando e não desistir da caminhada - ainda que o trajeto seja espinhoso, sofrido e muito difícil de ser aceito.
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