Eu estava normal e seguia bem. Claro que algumas coisas marcaram e não poderiam ser desprezadas, mas eu habilidosamente havia me convencido, tinha muito tempo, de que só deveria estar no meu presente aquilo que realmente quisesse estar nele, do objeto mais desnecessário ao relacionamento mais complexo. A minha consciência gritava que as mudanças foram boas e maduras e eu estava tranquila na relação comigo mesma. Reconstruí todas as minhas listas de exigências sobre futilidades e indivíduos. Hoje, quem eu permito que entre em mim não consegue me atravessar e se não voltar na metade do caminho por própria conta, eu mesma expulso. Tornei a ser rio secando, transparente, dá pra enxergar claramente o lodo no fundo e não me envergonho por isso. Ninguém saber o que há abaixo da parte escura, da sujeira, talvez seja a melhor parte de mim. Me identifico com pouca gente e - sem nenhuma prepotência ou soberba - cada vez mais me vejo particular em meio aos iguais. As pessoas que eu topei na vida que eram muito parecidas comigo tiveram a genial ideia de não continuar, porque de tão parecidas comigo sabiam que eu também não suportaria a continuidade. O mundo é bastante grande pra ser linear e viver em função do acaso sempre foi mais gostoso, pois ele se encarrega de mostrar até onde nossas escolhas foram acertadas e a nossa função é apenas seguir sem pensar demais. E não me permito fazer juízo de valor por isso, não há motivos para querer perdão do que nunca foi erro. Eu sigo juntando os trapos da minha complexidade indomável, centrada por demanda e adaptável aos percalços. Poucas camadas perceptíveis e me colocando, propositalmente, em posição de quem não pretende ser alcançada. Densamente leve, eu estou exatamente aonde eu queria estar.
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