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- Não, gato!
Tanny Tarquínio

Eu jamais poderia ser uma só. Nem duas. Eram incontáveis seres agrupados num só arquétipo humano em forma de mulher - e, não raro, de menina - ainda despreparada para ser produto de conhecimento total de alguém. Eu mesma não havia conquistado esse poder, tampouco daria caso o tivesse. A minha pessoa maquiavélica e controladora não permitiria. Confesso que fiquei penalizada com a confusão daquele cara que mais parecia um gato assustado, com medo das coisas novas. Minha pessoa boazinha garantia que eu sentisse pena e eu supunha o quanto deveria ser difícil querer decifrar um enigma sem solução. Mas, logo a minha pessoa benfeitora levava uma rasteira da indiferente aos sentimentos alheios, que alegava que o problema não era meu. É cruel, eu sei. Geralmente, eu costumava transitar na maldade de ser muito realista. Mas eu não era só essa rispidez de visão da realidade. O meu lado idealizador também existia. Minha criança. Ele era o meu grande salvador, meu eu sem cascas. Idealizava o mundo, a vida, as pessoas, os meus amores de 1 vida, 1 ano, 1 mês e 1 dia. Ele me fazia enxergar o mais feio como o mais bonito para preencher de cor o caminho cinza que minha pessoa pessimista traçava. Era o troco que eu recebia por pagar, sem lamúria, a vida como ela é. Inventar as coisas como eu queria era o meu presente para mim. A minha mulher madura sabia que tudo isso era bobagem, mas a minha menina de dentro - que poucas vezes foi deveras exposta e ganhada - era tinhosa nas ideias, gostava de fantasiar. Amava, abraçava, beijava, se doava, se jogava com a inocência intensa de quem não sabe sofrer, mesmo já tendo sofrido. Sabia que ele queria conhecer a minha menina, mas não aconteceria. Não se entrega o nosso lado mais puro e sem defesas nas mãos de ninguém, é arriscado, autosuicida e não pode ser de outrem, porque só é bonito do jeito que é na gente. A minha jovem criança possivelmente não seria alcançada, os meus indivíduos racionais e a maturidade da mulher sagaz que vive em mim não permitiriam. Para o engodo daquele felino perdido só tinha uma resposta: não perca o seu tempo!


Biografia:
Escrever, pois o que não cabe na gente escorre em palavras.
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