POR DETRÁS DO HORIZONTE DO PENSAMENTO
Acertei o passo e segui viagem. Eu sabia que somente lá do outro lado da ponte que eu havia construído para ficar a salvo dos redemoinhos que assaltam a felicidade dos desavisados, eu poderia ter um pouco de paz. A minha alma pegava fogo. Meus pensamentos atordoados me avisavam que a qualquer momento eu me perderia de mim e nada mais restaria da minha história. A história que a minha vida teimava em escrever nas paredes do tempo.
Viver fugindo era o meu destino, e muitas foram às vezes que escapei dos abandonos sentenciados e fui me esconder por detrás do horizonte do pensamento. Lá eu me sentia resguardada dos seres visíveis e invisíveis que atormentavam os silêncios do meu coração. Amar, amei muito. Mas sempre com certa astúcia e cuidado, porque em tempos passados me ensinaram que para amar é necessário desprender-se do corpo e da alma, e eu não estava disposta a esquecer-me para viver os vazios deixados pelas ausências.
Por detrás do horizonte do pensamento eu era sempre mais bela. Tinha os segredos da vida revelados e absorvidos na pele dos sentimentos. Mais livre e mais leve eu deixava que uma libélula me levasse por entre as veredas dos sonhos ainda não concebidos.
Meu nome naquele tempo era Noite porque eu era silenciosa, e às vezes, quase triste. Raramente se acendia uma lua em meu peito. Mas eu não tinha pressa, havia me acostumado a ouvir o som dos grilos que me inspiravam cantarolar cantigas de antigamente, de quando eu dormia embalada pelas estrelas enterradas em cada alegria que fui colhendo pelos caminhos.
A tristeza que me rondava era só aparente. Nunca me entreguei facilmente a solidão, sempre acreditei que os dias se renovavam iluminados pelo sol da alegria de viver. Eu vivia feito árvore frutífera em tempo de floração. Exalava o odor do amor que vertia em minha alma. De vez em quando eu acendia uma chama de alecrim por detrás das pálpebras para vencer de vez qualquer desolação.
Hoje em dia um sentimento acre-doce aquece os meus sentidos. Estendo a luz dos olhos sobre a imensidão do tempo e me acalmo. Deixo que rios de incertezas alarguem-se em mim e me arraste em suas correntezas como folha solta aos ventos. Não anseio mais a salvação. Quero a liberdade dos loucos. O silêncio dos poetas. As palavras perdidas além do horizonte do pensamento para grafar a efemeridade da vida nas garras finas do tempo.
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