Sinésio vinha caminhando por aquela rua pela primeira vez - também seria a última - por decisão do autor deste texto. Também por decisão magnânima do onipresente e onipotente autor, Sinésio seria contemplado com um tostão de boa sorte.
Ao olhar para o chão ele dá de cara com uma cédula monetária, e inclina-se rápidamente para apanhá-la:
- Oba, uma grana! Bem que eu tava precisando!, pensa, enfiando a bufunfa no bolso.
A poucos metros da cena, encostado num poste em momento de vagabundagem, Vartão "pescou" tudo. E se interessou em tomar a grana de Sinésio:
"Por quê esse idiota achou dinheiro e não eu?", justificou Vartão, que era alto e forte prá burro. E bastante intimidador quando achasse necessário.
De qualquer modo, Vartão já tinha decidido:
- EI, CARA!
O vozeirão de Vartão interrompeu as passadas de Sinésio. Que instantaneamente localizou o autor do chamado.
- Q-quem, eu?
- É. Você mesmo!
- O que deseja?
- Acho que você encontrou uma coisa que me pertence!
Era bom demais para ser verdade, Sinésio. Melhor abrir logo o jogo.
- E o que seria?
Pô, Sinésio! Não falei pra abrir o jogo?
- Eu acabei de perder um dinheiro e vinha repassando meu caminho para ver se encontrava. E flagrei você abaixando e apanhando algo no chão. É minha grana, né?
- Bom, er... Eu tive a impressão de tê-lo visto encostado no poste. Não parecia alguém procurando desesperadamente um dinheiro perdido.
- Aé, seu esperto? Eu dei uma paradinha para descansar um pouco e pensar se era o caminho certo que eu tinha passado. Só isso. E então, você achou ou não minha grana, ô cara?
É Sinésio... Vem fácil, vai fácil, dizem.
- Err... Talvez sim, talvez não...
- Como assim, "talvez sim, talvez não"? Achou essa porra ou não?
- Bom - reconhece Sinésio - eu achei uma grana sim. Você me pegou direitinho...
- E então, vai devolver?
A fala de Vartão não soa nada amigável. Melhor devolver, Sinésio.
- Mmmm...
- "Mmmm..." o quê, cara!?
- Como é que vou saber se o dinheiro é seu mesmo?
- O QUÊ!? OLHA AQUI, CARA...
Vartão não acredita no questionamento de Sinésio.
- EU QUE TÔ FALANDO! SE EU TÔ DIZENDO QUE PERDI, É BOM ACREDITAR!!!
Vartão assume um tom realmente ameaçador. Sua figura se torna ameaçadora. Sinésio percebe.
- Tudo bem. Você falou, eu acredito.
- Ahhh, melhor assim! E então?
- Como que é essa nota?
- AHN?! Como assim?
- Melhor: de que valor é?
Putz, Vartão. Se deu mal, heim?
Mas Vartão é grandão e fortão, do tipo clássico que não aceita questionamentos ou discordâncias. Do tipo que parte pro pau. E sempre pra bater.
Na verdade, Sinésio só estava cozinhando o galo, pois percebeu que Vartão também era do tipo decidido.
- É uma nota de 10, xará!, diz, finalmente, Vartão. Todo mundo tem uma nota de dez no bolso, calculou. Se Sinésio tivesse uma, Vartão ia tomá-la, alegando ser sua.
- Não pode ser!, responde Sinésio.
- Por quê não?
- Eu achei uma de 50, então não pode ser sua!
- Eu estava testando você!, devolve Vartão. Eu perdi foi uma de cinquenta mesmo!
Sinésio finalmente aceitou a situação. Teria que entregar o dinheiro pro Vartão e fim de papo.
- E então? Devolve logo a grana aqui, meu! Senão o pau vai cantar e ponto final.
- Vem cá, diz uma coisa, vai...
- O quê, camarada?
- Eu achei tua grana, vou te devolver. Não tem uma recompensa?
Pra não passar a impressão de ser um ladrão ou um achacador ( vai que o sujeito chama a polícia ), Vartão bota a mão no bolso e tira uma nota de vinte:
- Pronto, tá aqui. Tem vintão aqui, pra não dizer que sou um ingrato. Agora me dá logo minha grana.
Sinésio enfia a mão no bolso, tira uma nota de cinquenta reais e entrega a Vartão, cujo rosto se ilumina.
- Valeu, cara! Agora chispa daqui!
Sinésio guarda a nota de vinte. Acena, com a cabeça baixa, para Vartão, e dá no pé. Nunca mais os dois se verão novamente.
Vartão ri, feliz com o golpe que aplicara.
"Falou, otário!", pensa.
Minutos depois, se dirige ao boteco do português, pede uma feijuca, uma caipirinha, umas cervejas. Come, bebe, arrota.
Satisfeito, pede um maço de cigarros e a conta. Quarenta e nove reais. Ele estende a nota de cinquenta pro português e diz:
- Tá certo! Fica com o troco.
Longe dali, na segurança de sua casa, Sinésio esvazia os bolsos. Vinte reais, dinheiro que Vartão tinha lhe dado como recompensa. E outra nota, esta de cem reais, que era o dinheiro que realmente havia encontrado naquela tarde.
E não ficou sabendo da surra que Vartão tomou do português do bar. Por tentar pagar a conta da feijoada com a nota falsa de cinquenta que Sinésio tinha lhe dado momentos antes.
Sinésio tinha recebido a nota falsa de cinquenta de um taxista, pouco antes de encontrar a cédula de cem reais, evento que deu origem aos fatos acima narrados.
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