Se o prêmio da mega-sena ou da quina estiverem acumulados, não resisto, jogo. Os cartazes da lotérica me perseguem e fico enxergando os anúncios em qualquer lugar - do ônibus, refletidos na vitrine das lojas ou então aparece alguém que faz questão de lembrar. Herdei do meu pai, que adora sonhar com estes prêmios, sempre diz que quer deixar a vida dos filhos folgada. Quando crianças, meu irmão e eu participávamos da elaboração das apostas, minha mãe também. Na época era a loteria esportiva. Comprávamos a revista Placar para ajudar nos palpites e marcávamos vários cartões, mas só três eram escolhidos para a aposta final.
Depois era hora de imaginar o que iríamos comparar, as viagens, os brinquedos, roupas, carro.
Um dia escolhemos os cartões, meu pai jogou, esperamos a zebrinha da televisão que anunciava os resultados e veio uma triste surpresa - o cartão com os treze pontos ficou em casa, não foi oficialmente jogado. Meu pai caiu em profunda depressão, não jogou mais, não falou dos seus sonhos, nada de planos. Nós não tocávamos no assunto e a casa ficou quieta. Um pacto de silêncio foi firmado.
Os dias ficaram compridos, então tudo voltou ao normal, nem sei como.
Quanto a mim, acho que não mereço ganhar, pois sonho pequeno, muito perto da realidade. Não consigo imaginar uma casa imensa cheia de empregados e já vou pensando no trabalho que isso daria, nos impostos. Já imagino os amigos e a família pedindo empréstimos. Como eu seria justa com todos? Os bandidos raptando minha sogra e eu não querendo pagar o resgate. (Brincadeirinha!)
Já começo a pensar em um prêmio menor, só para poder largar o trabalho, ficar estudando, escrevendo. Uma livraria só para mim. Tudo que eu pudesse administrar. Aí que está meu erro. Jogo é algo demoníaco, requer pecado grande, cobiça e desejo. Se for para entrar no inferno, tem que ser em grande estilo. Dinheiro não é para qualquer anjo. Todo escritor é um pouco anjo!
Quanto a meu pai, ele já percebeu que a maior riqueza que nos deu é seu exemplo, o modo como sempre enfrentou as dificuldades, o carinho, a capacidade de manter a família unida e que será um eterno sonhador.
Meu sonho
ainda casulo
imagina borboleta
em primavera
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