Ana ama João que ama Teresa que ama
seus cães que amam seu dono,
eu, que não estou amando ninguém
escuto música até tarde,
perco o sono,
recito Baudelaire,
volta e meia ando pela casa desabitada,
procuro por livros interessantes,
A Divina Comédia,
Ulisses, de Joyce,
Kafka,
olho no espelho e lá está
a multidão de olhos
que me acompanha todos os dias,
voluptuosas retinas,
sei que a sina
de quem escreve basta a si,
um diário breve,
João ama Norma que ama Anselmo
que ama Lígia que me mandou um cartão postal de Tanzânia...
Sei que a poesia, lá fora,
espia pela fresta entre a lua e o sol,
ouve os rouxinóis de uma Inglaterra antiga,
sabe que o que queremos está
além das espadas,
além dos nenúfares,
muito além do que chamamos
possivelmente de possibilidade probabilística,
esperando apenas que o mundo dê uma volta
e o coração cansado de falsos amores
dê meia volta e busque o refúgio
entre palavras crivadas de fogo...
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