Carta do Padre Fábio de Mello
CELIBATO
Ando pensando no valor de ser só. Talvez
seja por causa da grande polêmica que
envolveu a vida celibatária nos últimos
dias. Interessante como as pessoas ficam
querendo arrumar esposas para os
padres.
A graça de ser só
.
Lutam, mesmo que não as tenhamos
convocado para tal, para que recebamos o
direito de nos casar e constituir família.
Já presenciei discursos inflamados de
pessoas que acham um absurdo o fato de
padre não poder casar.
Eu também fico indignado, mas de outro modo. Fico
indignado quando a sociedade interpreta a vida
celibatária como mera restrição da vida sexual.
Fico indignado quando vejo as pessoas
se perderem em argumentos rasos,
limitando uma questão tão complexa ao
contexto do “pode ou não pode”.
A sexualidade é apenas um detalhe da
questão. Castidade é muito mais. Castidade
é um elemento que favorece a solidão
frutuosa, pois nos coloca diante da
possibilidade de fazer da vida uma
experiência de doação plena. Digo por mim.
Eu não poderia ser um homem casado e
levar a vida que levo. Não poderia privar os
meus filhos de minha presença para fazer as
escolhas que faço.
O fato de não me casar não me priva do
amor.
Eu o descubro de outros modos. Tenho
diante de mim a possibilidade de ser dos
que precisam de minha presença. Na
palavra que digo, na música que canto e no
gesto que realizo, o todo de minha
condição humana está colocado. É o que
tento viver. É o que acredito ser o
certo.
Nunca encarei o celibato como restrição. Esta opção de
vida não me foi imposta. Ninguém me obrigou ser padre,
e quando escolhi o ser, ninguém me enganou.
Eu assumi livremente todas as possibilidades do meu
ministério, mas também todos os limites.
Não há escolhas humanas que só nos trarão
possibilidades.
Tudo é tecido a partir dos avessos e dos direitos.
É questão de maturidade.
Eu não sou um homem solitário, apenas escolhi ser só.
Não vivo lamentando o fato de não me casar. Ao
contrário, sou muito feliz sendo quem eu sou e fazendo o
que faço. Tenho meus limites, minhas lutas cotidianas
para manter a minha fidelidade, mas não faço desta luta
uma experiência de lamento. Já caí inúmeras vezes ao
longo de minha vida.
Não tenho medo das minhas quedas. Elas me
humanizaram e me ajudaram a compreender o significado
da misericórdia.
Eu não sou teórico. Vivo na carne a necessidade de estar
em Deus para que minhas esperanças continuem vivas.
Eu não sou por
acaso.
Sou fruto de um
processo
histórico que me
faz perceber as
pessoas que
posso trazer para
dentro do meu
coração.
Deus me mostra. Ele me indica, por meio de
minha sensibilidade, quais são as pessoas que
poderão oferecer algum risco para minha
castidade.
Eu não me refiro somente ao perigo da
sexualidade.
Eu me refiro também às pessoas que querem me
transformar em “propriedade privada”.
Querem depositar sobre mim o seu universo de
carências e necessidades, iludidas de que eu sou o
redentor de suas vidas.
Contra a castidade de um padre se peca de
diversas formas. É preciso pensar sobre isso. Não
se trata de casar ou não. Casamento não resolve os
problemas do mundo.
Nem sempre o casamento acaba com a
solidão. Vejo casais em locais públicos
em profundo estado de solidão. Não
trocam palavras, nem olhares. Não
descobriram a beleza dos detalhes que a
castidade sugere.
Fizeram sexo demais, mas amaram de
menos. Faltou castidade, encontro
frutuoso, amor que não carece de sexo o
tempo todo, porque sobrevive de outras
formas de carinho.
É por isso que eu continuo aqui, lutando pelo direito
de ser só, sem que isso pareça neurose ou
imposição que alguém me fez.
Da mesma forma que eu continuo lutando para que
os casais descubram que o casamento também não
é uma imposição. Só se casa aquele que quer.
Por isso perguntamos sempre – É de livre e espontânea vontade
que o fazeis? – É simples. Castos ou casados, ninguém está livre
das obrigações do amor. A fidelidade é o rosto mais sincero de
nossas predileções.
A graça desça sobre cada um de vocês, meus filhos!
Que Deus lhes abençoe em nome do Pai, do Filho
e do Espírito Santo AMÉM!
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