Se, ao olhar a faca em cima da pia,
sentires um arrepio diferente,
daqueles de medo,
faça com que sua alma fique bem fria,
não deixe que te assalte
aquele perigoso desejo,
lembre-se da laranja
que precisa ser descascada,
não deixe que te tome aquela voraz vontade
de cometer um crime contra a mulher amada,
nem pense em matar o presidente
do teu país,
nem os ministros, os deputados,
os senadores,
quando estiver trancafiado numa cela
a pensar no futuro que se foi,
nenhum deles, por você,
morrerá de amores...
Não espero que você se torne um monge,
que medite no Central Park à espera
de um Deus que não virá,
nem que venda seus anéis
por já não ter mais dedos;
olhe da sua janela e verá
o estado em que as coisas se encontram,
nenhum poeta na rua a distribuir
seus versos,
apenas a hipnose que alcançou a todos,
poço sem fundo onde todos estão completamente imersos...
Olhe ao menos mais uma vez
para a sua face no espelho,
descubra o que você pensa
por detrás do que você pensa,
todos esperam de você ao menos
um sinal de cortesia que é ao contrário
do verdadeiro sinal, dedo em riste;
todos esperam que teu sorriso amarelo despeje paciência,
que pague suas contas,
não reclame e durma em paz,
todos esperam que surja uma luz
no fim dos túneis
enquanto o tempo, sempre esfomeado,
come o que o Deus da criação mais preza,
a carne do espírito dos que andam ao acaso,
ao léu, à toa, zumbis da nova geração,
borboletas transfiguradas,
homens, mulheres,
crianças,
anjos...
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