A tarde passava rapidamente e Rebeca mal podia esperar por anoitecer.
— Querido, eu não acho que deveríamos deixar que Rebeca estude nessa escola de... — não conseguia concluir a frase, por temer ouvir aquele nome...
— Bruxas? — perguntou Romão sentado no sofá assistindo o jornal.
— Não fale esse nome que me dá arrepios! — rosnou ela. O marido desligou a TV com o controle remoto e balançou a cabeça sem esperanças.
— Infelizmente não tive escolha. — dizia. — Você mesma viu, aquele sujeito era capaz de até nos mat... — sua esposa interrompeu-o.
— Não precisa completar a frase! — e depois desmoronou o corpaço na poltrona e suspirou desanimada. — Só espero que nossos vizinhos não descubram que deixemos nossa filha adotiva estudar nunca escola de...
— Bruxas?
Rebeca Becca descia as escadas com uma pequena mala vermelha em mãos. Seus pais notaram-na e lançavam olhares de indignação para ela. Rebeca estava feliz e linda, vestia uma roupa bem elegante, até parecia que se arrumara para um encontro com um namorado.
A Sra. Wânia aproximou com mansidão e com um sorriso nos lábios.
— Você já está pronta? — a garota olhou desconfiada pela estranha reação dela, ficou pensando em que estaria ela tramando.
— Sim. Só vou esperar por minhas amigas. — respondeu segura.
A sua mãe adotiva olhou para o marido que estava sentado ainda no sofá e depois se virou para Rebeca, dizendo.
— Sabe Rebeca... eu e o seu pai estávamos pensando em entrar num acordo com você.
— Um acordo?
— Exatamente. — confirmou. — Sabe aquela velha que você queria morar...
— Você se refere à Dona Marta, não é isso?
— Sim, sim ela mesma.
— O que tem ela?
Ela descartou.
— Você poderá passar um mês na casa dela...
— Sério? — indagou feliz.
— Contudo... — Rebeca fechou o sorriso, pois agora viria à parte final do acordo. — Você teria que... simplesmente deixar de frequentar essa escola. E pagaremos a melhor escola que você quiser estudar?
Rebeca não parou para pensar no acordo e decidida respondeu.
— Nunca.
O Sr. Romão entrou no plano da esposa.
— Rebeca, pare e reflita, por favor. — dizia agora se aproximando amigavelmente. — Olhe, eu prometo que você será a menina mais feliz desse mundo se acaso aceitar o nosso acordo. — este observava que a menina prestava atenção e prosseguiu. — Poderemos viajar para os Estados Unidos e se divertir nas férias na Disney. O que acha?
Rebeca não podia ser essa menina mais feliz do mundo que ele acabara de sugerir, pois isso ela sabia; sem os seus verdadeiros pais e sem a sua querida avó ela jamais seria feliz por completo.
— Escutem, não perca salivas tentando me convencer, eu não a-cei-to! — a retrucou, num tom definitivo. A campainha da porta avisou que suas amigas havia chegada. Rebeca avançou até a porta da sala contente e puxou a maçaneta, mas a porta manteve-se fechada. Rebeca percebeu o que estava havendo.
— O que você está fazendo?! — a indagou, vendo o seu pai adotivo barrando com a mão a porta, não permitindo que fosse aberta.
— Desista dessa ideia garota! — Rebeca tentava desesperadamente abri-la, mas não conseguia.
— M-Mais você assinou a minha autorização para que eu... — foi gravemente interrompida pela voz áspera de sua mãe adotiva, tendo também sua mala arrancada de sua mão.
— Não confunde as coisas! Fomos obrigados por um terrível... — e se voltou contra o marido para censurá-lo em pronunciar a palavra...
— Bruxo? — mas foi Rebeca que perguntou, completando assim a palavra temida pela Sra. Wânia.
Do lado de fora os ouvidos estavam bem grudados na porta, tentando escutar o que se passava lá dentro. Karina recuou e desesperou.
— Eles não vão deixá-la ir!
— Acalme-se, tenho que pensar em alguma coisa pra tirá-la dessa fria. — falou Carla precisamente. Enquanto isso a Sra. Wânia desabafava indignada.
— Eu não consigo entender como uma garota como você possa se interessar tanto assim a estudar nessa escola! Não percebe que é muito perigoso para frequentar essa escola maldita?
— Eu não sei se é mais perigoso eu ir para Wolbrans ou ficar aqui com vocês dois! — a sua mãe ia discordar quando escutou lá fora do lado da porta um coro, como se fosse um grito de guerra de time de torcida:
Somos bruxas unidas,
Não seremos vencidas,
Vamos lançar um feitiço!
Vamos invocar nossos amigos...!
Abracadabra!
Rata malhada!
Bruxa inchada!
BRUXA INCHADA!
BRUXA INCHADA!
A mulher começou a tampar os ouvidos com as mãos para abafar a cântico de azaração das meninas que berravam do lado de fora.
— Parem com essa música! Parem! — implorava ela girando, como se o coro a fizesse sentir muito mal. Rebeca aproveitou o ponto fraco dela e se ajuntou com a voz das suas amigas.
— Bruxa Inchada! — e rodeava a mãe adotiva com as mãos abertas envolta dela. — Abracadabra... Rata malhada...Bruxa inchada! — a mulher estava ficando zonza. O marido desesperado abriu a porta e gritou seu também grito de guerra.
— SUAS GAROTAS INFERNAIS, DEIXEM-NOS EM PAZ!
Mas elas não estavam prestando atenção nele, estavam de costas pra ele e de ouvidos atentos, Carla apontou o dedo para o alto do céu estrelado.
— De onde vem esse som de apito?
O Sr. Romão levantou o queixo e escutou um desesperado som de apito se aproximando velozmente.
Lá no alto, bem acima dos topos das maiores árvores vinha ela, totalmente descontrolada, aos berros. Quando esforçou o máximo sua visão, o Sr. Romão estremeceu ao descobrir o que vinha causando aquele estridente som de apito. Assustado com tal cena de horror que via se aproximando de sua casa fechou a porta e balbuciou.
— D-Deus meu, tenha p-piedade!
A Sra. Wânia parara e começara a lançar um olhar de preocupação e temerosa.
Mal deu tempo de perguntar qualquer coisa para ele quando escutou um alerta que parecia ter vindo de um megafone.
— CUIDADO VASSOURA DESGOVERNADA! — o que se seguiu depois foi um verdadeiro caos, começando com estardalhaço da janela de vidro se espatifando em mil cacos por todos os lados. A bela janela de vidro colorido explodiu quando fantasticamente uma bruxa montada numa vassoura atravessou-a.
Houve gritos de terror, e a Sra. Wânia se encolheu de joelho o máximo que conseguiu, encostando sua cara gorda no tapete, com as duas palmas gordas das mãos sobre a cabeça protegendo como podia de vidros e lascas de madeiras, enquanto Rebeca observava pasmada uma estranha mulher de um longo vestido azul e listrado de vermelho nas costas com um pacote embrulhado preso numa cinta em volta do seu ombro.
Carla e Karina pularam a janela destruída e entraram à sala toda bagunçada.
— Caramba... Que aterrissagem! — se surpreendeu Carla, vendo aquela bruxa se levantar do chão depois de ter dado de frente com a parede. A estranha mulher era um pouco velha e sacudia a poeira do seu vestido e tirava os fios de cabelos grisalhos do seu campo de visão.
— Oh, boa noite — disse sorrindo aos presentes que se misturavam em seus rostos surpresa e pavor. Deu uma girada com o corpo no pequeno espaço da sala que estava de pernas para o ar. — Meu Deus não posso acreditar que novamente atravessei outra janela!
— Outra janela? Você já atravessou mais do que uma? — perguntou Karina admirada.
— Bem, mas dessa vez doeu menos, já que não foi novamente a janela da frente de um ônibus. — aliviou-se.
A mulher gorda abaixada no chão engatinhou apavorada em direção ao marido que estava grudado na porta de olhos arregalados, revelando o horror e incredulidade, e sua esposa agarrou as canelas finas deste com bastante força, temendo que fosse arrancada dele por aquela mulher “assustadora”.
O Sr. Romão apontou o seu dedo comprido e fino, gaguejando.
— U-Uma o-outra b-bruxa?! — ela se aproximou sorrindo, com alguns dentes da frente faltando e o resto que tinham estavam bem amarelados.
— NÃO SE APROXIME DE NÓS! — gritaram o casal no mesmo instante, tomados por medo e ameaça. Ela parou e disse.
— Calma, eu não vou mordê-los. — e fez um movimento com a cabeça e as mãos, como se tivesse se lembrado pra que viera. — Me digam de vocês, quem é Rebeca Becca?
Os quatros dedos indicadores apontaram quase instantaneamente em direção de Rebeca que, se encolheu um pouco insegura.
— É você meu anjo? — sorriu amigavelmente. Rebeca confirmou com um rápido aceno de cabeça.
A bruxa então tirou o pacote preso na cinta e entregou para a garota.
— Para mim? — recebeu com curiosidade.
— Exatamente. Sou a bruxa-carteira de Wolbrans e meu nome é Anália, bem não a única é claro. — comentou. — Eu já deveria ter entregado isso antes, mas, não tive muito tempo... estava muito preocupada visitando o motorista do ônibus no hospital. Pobre motorista... — depois prestou mais atenção na menina a sua frente. — Her... quero dizer... bem, o que espera? Abre logo isso, também estou curiosa!
Rebeca começou rasgar o papel embrulhado do pacote que mais parecia como um presente de aniversário... Mas logo parou quando seu pai adotivo desesperado berrou.
— PARE IMEDIATAMENTE COM ISSO REBECA!
A bruxa olhou estranhamente e perguntou.
— Por quê?
Rebeca encarava-o também. O Sr. Romão já estava à flor da pele de horrorizado com os devidos acontecimentos sobrenaturais que sua casa vinha recebendo desde a chegada de Rebeca Becca a ela, e pensando numa outra catástrofe que poderia haver com aquilo, preveniu-na.
— R-Rebeca não abre isso, por favor! E se daí de d-dentro sair um morcego contaminado p-pelo v-vírus da raiva? Pode nos contaminar! — sua esposa confirmava com rápidos acenos positivos com a cabeça.
A bruxa ao ouvir teve um acesso de gargalhada e se controlou depois que havia banhado Rebeca com cuspe. Rebeca ainda agradeceu aos céus que ela não estivesse gripada naquele momento.
— Ora essa é boa, um morcego com vírus. — disse a senhora Anália achando graça. — Vocês são os casais de Broxas mais engraçado que eu já vi.
Rebeca achou não dar mais atenção a seus pais adotivos, pois querendo ou não, eles teriam que ir se acostumando com certas coisas estranhas que viriam acontecer dali pra frente naquela casa. Recomeçou a desembrulhar o pacote, escutando conselhos e súplicas de medo de seus pais adotivos.
Ao terminar viu que era uma caixa vermelha de papelão.
Carla impaciente gritou.
— Não faça suspense e abre logo isso, que estou muito curiosa!
Karina procurava mais unhas para roer de tanto apreensiva que estava. Então Rebeca tirou a tampa de papel grosso e admirou ao ver o seu conteúdo.
— Meu Deus... Eu não posso acreditar no que vejo... — dizia ela agora com uma expressão de incredulidade estampada no rosto.
— Meu Deus, digo eu! Só espero que não seja nenhuma macumba! — choramingava fazendo uma careta de medo. Rebeca tirou o que estava dentro da caixa e se dirigiu as suas amigas que olhavam surpresas.
— Vejam! — e mostrou claramente o vestido negro e o chapéu de bruxa.
Carla assoviou e Karina perguntou.
— Quem mandou? — Rebeca olhou para a bruxa, esta se lembrou novamente, dando um pulinho no mesmo lugar que estava.
— Espere acho que está aqui comigo... — e enfiou a mão num bolso e tirou um envelope, entregou para a garota. Rebeca tirou a carta do envelope e leu.
— Meu querido motorista, quero que você saiba... — e rapidamente a carta foi arrancada das suas mãos e enfiada no mesmo bolso que saíra.
— Carta errada... — disse sem jeito e enfiando a outra mão num outro bolso, tirando assim vários envelopes coloridos. Vasculhou alguns envelopes a centímetros de seus olhos e achou. — Aqui! É essa, tome.
Rebeca então viu o seu nome escrito por fora por uma letra conhecida. Tirou a carta.
Rebeca desejo que sinta toda a felicidade desse mundo quando estiver completado
seu décimo primeiro ano de vida.
Para não ficar triste se caso não receber nenhum presente no seu aniversário,
eis que, aqui está, a fantasia que eu realmente não queimei, pois
ela pertenceu a sua mãe e agora será sua.
Feliz aniversário meu amor, e me desculpe por nunca ter feito uma festa de
aniversário antes para você.
Havia gotas de lágrimas descendo pela face quando assim terminou de ler a carta que a sua avó deixara antes de morrer. Mas Rebeca não entendia porque ela tinha forjado aquela cena chocante naquela noite lá no porão. Porque ela tinha feito aquilo?
Carla espiara a carta e conseguiu ler e também entendera o que havia acontecido, ficou sem saber o que falar.
A bruxa se exercitou um pouco e olhou pro lado, onde estava a sua velha vassoura de trabalho. Ela não havia mudado muito quando a ganhou do seu departamento de transporte rápido-mágico a não ser se for tirar a exceção de que cada dia mais a sua vassoura possuía mais força e mais velocidade, sendo bastante difícil se acostumar com aquela pressão toda.
— Bem, acho que não vou precisar mais dela. — e as meninas desviaram seus olhares para a bruxa que se abaixava e pegava com carinho aquela vassoura do chão. — Tome, é pra você.
Rebeca achou que ouvira errado e viu que a vassoura estava esticada para sua frente.
— Você está me dando?
A bruxa sorriu.
— Estou ficando um pouco lenta e... não estou conseguindo acompanhar o ritmo dela. — e curvou e falou baixinho, como se não quisesse que a vassoura escutasse.
— Estou ficando também um pouco enjoada dela e prefiro usar um outro tipo de transporte...
Rebeca tentou imaginar ela numa moto, e sinceramente desejou nunca estar na rua quando ela estivesse passando por ali, entregando as cartas.
A menina agradeceu.
— Muito obrigada eu...
— Espere, ainda não acabou. — interrompeu-a e tirou do seu pescoço uma correntinha com um apito preso nela. Colocou em volta do pescoço de Rebeca.
— Mas o que vou fazer com isso?
A bruxa revelou.
— Essa vassoura atende por esse apito. Se caso você estiver longe e precisar dela, é só assoprar com força e ela vem imediatamente ao seu encontro.
— Nossa ela é tão rápida assim? — indagou Carla impressionada, passando a mão lentamente no seu comprido cabo.
— Ela é a mais veloz que temos no nosso departamento. — informou com orgulho. Depois novamente olhou a sua volta e viu o estrago que causara ali na sala da família Silva e franziu a testa enrugada. Olhou para os olhos vidrados daquele casal e tratou logo de acalmá-los. — Escutem... vocês não precisam se preocupar com esse estrago todo aqui. Vou permanecer a madrugada toda se for necessário concertando essa janela e todo o resto que quebrei.
— A noite toda? — engoliu seco, fazendo uma cara de assombro o Sr. Romão.
— Exatamente.
- DE JEITO NENHUM! — e logo tentou se controlar. — Quero d-dizer, n-não precisa se preocupar com isso, n-não se incomode é sério! — forçou um sorriso tranquilizante, querendo assim fazer que ela saísse bem mais depressa dali antes que acontecesse alguma coisa pior... antes que seus vizinhos começassem a suspeitar.
— Não será incomodo nenhum. — disse ela tirando sua varinha da cintura e levantá-la acima do queixo fino. — É só eu usar alguns feitiços da minha varinha e...
— NÃO É NECESSÁRIO! — berraram o casal alto e muitos mais apavorados quando vira a varinha se levantar para o alto.
A bruxa guardou a varinha e deu de ombro, respondendo.
— Então tudo bem.
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