Rebeca Becca estava em sua cama escutando aquele estranho barulho lá embaixo no porão da casa da sua avó Paulina, uma senhora viúva e acima do peso normal, que agora dormia num sono pesado, como se fosse em vida um urso em seu tempo de hibernação.
Rebeca rolava na cama pra lá e pra cá e numa tentativa desesperadora enfiou a cabeça por debaixo do seu travesseiro para abafar os ruídos lá no porão -, mas a tentativa falhara. Muito incomodada e também bastante curiosa Rebeca acendeu a luz de seu abajur que ficava em cima da mesinha-de-cabeceira e levantou da cama, estava de pijama listrado que ganhara no natal passado da sua avó, estava também disposta em ir até lá embaixo no porão para investigar aquele barulho que, ultimamente havia escutando.
Rebeca se abaixou e puxou a gaveta do seu guarda-roupa e dentro tirou uma lamparina que comprara no ano passado no acampamento de férias, que, participara com a avó e com a sua vizinha Marta. Abriu também uma gaveta da sua mesinha-de-cabeceira e de lá tirou um isqueiro, acendeu o pavio cuidadosamente. Rebeca Becca se aproximou perto do parapeito da janela e espiou a noite estrelada e silenciosa. Respirou fundo, decidida e com um pouco de medo em continuar o que pretendia fazer naquela noite; de investigar! Segurando firme a lamparina acesa com uma mão saiu do seu quarto em passos leves, seguia agora por um corredor comprido e escuro, que ia sendo clareado com a chama do fogo fraco do pavio. Rebeca passou bem devagar quando estava passando ao lado da porta do quarto da avó, esta roncando em alto e bom som.
A porta do porão se encontrava no fim daquele corredor. O coração da menina batia acelerado toda vez quando chegava ao seu objetivo, e por isso o medo a fez parar e pensar insegura.
“E se esse barulho for de um ladrão? Pode ser que esteja fazendo isso para eu ir até lá e ser pega por ele...!” – ela podia estar certa com esse pensamento, pois, lembrava continuamente o que acontecera no mês passado com a senhora Marta – a sua vizinha que teve a casa invadida por dois assaltantes na calada da noite e fizeram à coitada de refém e a deixou depois que saíram levando algumas jóias e dinheiro. Ali parada no meio do corredor pensava aflitamente o que faria, se ia até o fim com aquilo ou deixaria tudo como estava e voltaria para debaixo de sua coberta. Mais a tentação de descobrir o que provocava o barulho no porão foi a mais forte e então por isso voltou a andar, começou a descer as escadas de madeira e entrou por um outro corredor, caminhou em direção àquela porta aonde por de trás dela vinha aquele misterioso barulho. Finalmente havia chegada à porta fechada, que esperava simplesmente de ser aberta. Rebeca pensou em acender a luz do corredor para não dificultar com o escuro da casa, mas ficara com medo de que pudesse acordar a avó de seu sono de urso. Muito apreensiva e ansiosa, levou a mão desocupada ao trinco da porta e virou-a e empurrou. A porta se abriu gemendo agudamente, como se tivesse mais de mil anos. Bem cautelosa começou a descer os degraus da escada de pedra um por um, mal iluminados com a pouca claridade da lamparina acesa em sua outra mão, esta agora tremendo de frio, pois misteriosamente começara sentir uma correnteza de ar gelada percorrer o corpo, ou então de puro nervosismo mesmo. Rebeca sentia que era para voltar, mas teimava consigo mesma.
“Pare de ser medrosa! Você conseguirá, agüente firme... continue... continue...”.
Quando finalmente descera o último degrau de pedra, percebeu duas coisas: que o vento frio parara e também o estranho barulho. O porão estava mais assustador do que o normal, aliás, para uma garota de dez anos um porão escuro no meio da noite não era um local para sentir segura e relaxada. Levantou a lamparina bem acima de sua cabeça e pôde ver um pouco o que a cercava. Diversas prateleiras de livros percorriam a sua frente e lados. Rebeca esperou em poder ouvir novamente o barulho, mas, não escutando nada resolveu voltar para cama, quando se virou escutou algo caindo a suas costas. Pulou de susto e quase derrubou a lamparina da mão, voltou a virar e sabia que tinha algo ainda para terminar, não sabia o que era, mas sabia que teria que descobrir para que isso pudesse parar. Assustada mas com determinação, começou ir a frente aonde escutara o inesperado barulho. Havia um apertado corredor entre duas prateleiras de livros, resolveu que só entrando por ele poderia chegar ao fim de suas investigações, e então passou por ele e parou. Parou diante de um livro caído a sua frente. Abaixou novamente e pegou o livro; nunca vira um livro tão estranho em toda sua vida, a sua capa era vermelho-brilhante e havia uma figura de uma estrela de cinco pontas e envolta dela várias palavras desconhecidas. Quando sentiu atraída em abri-lo, escutou um ruído acima de sua cabeça, olhou rapidamente para o alto e viu dois olhos vermelhos caindo em sua direção -, e então ela gritou! O susto foi inevitável. Rebeca caiu, suas costas deslizaram na prateleira ao lado e alguns livros do alto caíram em sua cabeça; Rebeca estava paralisada de pavor quando vira aquele par de olhos vermelhos caindo sobre si. Sua lamparina estava caída a um metro de sua distancia, onde agora dificultava ainda mais para enxergar a que acontecia em sua volta. O medo continuava crescendo e seu coração estava querendo saltar da sua boca para fora.
Rebeca olhou pro lado e ali estavam àqueles olhos vermelho demoníaco parado bem na entrada do corredor entre as duas prateleiras. O coração se acelerou; Rebeca tentava definir o que era aquilo, mas sem a claridade do fogo da lamparina era impossível devido aquela escuridão que a envolvia quase às cegas. Os olhos vermelhos começaram a se aproximar em sua direção, agora ganhando velocidade. Rebeca queria poder gritar, mas e se sua avó acordasse? Resolveu fechar os olhos e cobrir o rosto entre os joelhos antes que sentisse a tal misteriosa criatura atacá-la. Era a sensação mais estranha que já tivera, pois, sentia algo deslizando lentamente sobre o seu corpo trêmulo, ela queria afastá-lo aquilo do seu corpo e levantar e sair correndo daquele porão, mas sabia que não tinha coragem para fazer isso; foi quando que escutou aquele ronronar conhecido e aquele som familiar: - Miau...
Levou alguns segundos para ter certeza de que ouvira aquilo mesmo antes de descobrir o rosto entre os joelhos trêmulos e apalpar aquilo que achava fosse uma criatura assustadora. Era apenas o gato gordo e peludo da avó Paulina.
Rebeca suspirou aliviada.
- Era apenas esse gato danado o tempo todo! – logo ficou mais calma e o medo ia passando, engatinhou em direção a lamparina acesa e pegou-a, levantando em seguida. Olhou para frente, sua visão deparou a um lençol branco empoeirado cobrindo algo encostado na parede do porão. Puxou o lençol e agora via o que estava escondido por de trás dele; um armário de aço, com um enorme cadeado que trancava as duas partes que o abriria.
“Um armário coberto e trancado...? O que teria dentro para estar tão escondido assim?”
Pôs a lamparina em cima do armário que tinha um pouco mais de sua altura e examinou o cadeado. Passou a mão pelos seus longos cabelos louros e tirou um grampo que o prendia. “Já funcionou uma vez e espero que desta vez também venha funcionar...” – pensou-a, também se lembrando de quando usara o mesmo grampo para poder abrir a porta do seu quarto numa certa noite...
Ela encaixou o grampo no buraco do cadeado e tentou destrancá-lo. Era bem mais difícil do que um buraco da fechadura de uma porta. Rebeca esforçou e... CRICK! - o cadeado se rendeu. Um sorriso transpareceu nos lábios da garota ansiosa para ver o que tinha dentro daquele armário. Nunca vira ele ali, também mal vinha no porão, pois, sua avó não a permitia. Sem perder mais tempo tirou o cadeado e o colocou no chão, abriu cuidadosamente as duas partes do armário, pegou a lamparina e iluminou o conteúdo adentro. Ali estava uma caixa de madeira tampada.
Colocou a lamparina no chão e se ajoelhou, enfiou as duas mãos e tirou a caixa que pesava um pouco, pôs à não chão ao lado da fonte de luz. Destampou-a e...
- O que é isso? – tirou algo que apareceu ser um estranho chapéu de dentro da caixa. – Um chapéu de... Bruxa! – a garota levou-o a sua cabeça e experimentou. Podia sentir que lhe caíra bem com ele na cabeça. Olhou sua sombra com o chapéu na cabeça e achou que ficou legal. Voltou a examinar a caixa e agora retirava um longo pano negro. – Mas é claro! É o conjunto. Então isso só pode ser uma fantasia de... – mas Rebeca se interrompeu quando viu o porão todo clareado por uma luz branca e forte, que apareceu num acender de luz.
- Rebeca? – era a sua avó que a observava dos degraus de pedras. Seu olhar transmitia decepção. A neta se assustou quando reconheceu a única voz e levantou trêmula, virando para ela.
- Vovó... Eu, eu posso explicar tudo para a senhora...
- Eu não posso acreditar que você tenha conseguido abrir esse armário.
- Se me deixar explicar... – foi novamente interrompida.
- Não quero explicação nenhuma! VÁ JÁ PARA O SEU QUARTO, AGORA! – gritou ela de dedo apontado, indicando o andar de cima.
Rebeca Becca imediatamente largou o chapéu de bruxa no chão, pegou a lamparina e correu subindo os degraus de pedras da escada, passou de cabeça baixa quando passava ao lado da avó e se dirigiu rapidamente ao corredor agora todo iluminado, subiu as escadas e percorreu o longo corredor do andar de cima, entrando para o seu quarto e em seguida fechando a porta com força.
A senhora Paulina desceu os restantes dos degraus de pedras e caminhou abalada em direção àquela caixa de madeira. Ela estava branca diante daquela fantasia de bruxa aos seus pés e deixou várias gotas de lágrimas caírem de seus olhos sob seu rosto gordo e pálido. Tirou do bolso da camisola ridícula que usava naquela noite um isqueiro.
- Acho que já está na hora... acho que já está... – e acendeu.
Continua no segundo capítulo...
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