O que é a loucura senão o acento grave
na palavra desprovida de razão,
quiçá do pomo de Adão a imitação,
o saber-se sem saber
onde está o devido juízo,
por no lugar da maçã o pecado
e do pecado a sã
consciência que habita toda pessoa,
mesmo que o barco afunde,
que a corda roa,
que acabe o Estado...
O que faz a loucura senão desfazer conceitos,
rezar sem por as mãos no peito,
talvez nas nádegas,
debaixo do braço,
rir sem entender a piada,
ouvir o tempo que passa
no colo da madrugada,
o que será a loucura senão a poesia
que, grávida, habita
o ventre de cada poeta,
aquele que sim,
aquele que não presta reverência
à sã loucura,
essa que nos põe diante do inefável,
diante da turba
de palavras que incessantemente
adentro entram de nossas mentes,
onde a loucura, deitada no sofá,
range os dentes...
O que é a loucura senão
essa vontade augusta
de abrir o coração,
de ver bem de perto
a mobília, os documentos,
o diploma da razão...
|