Oh aurora,
leve meus sonhos que insistem em sonhar,
meu barco procura o despenhadeiro,
lá perderei meu nome e serei a onda
que se lança nos braços da queda,
estarei flutuando por instantes,
o tempo suficiente para ser dono
de tudo que pertence, minhas posses,
minha clareza de sentidos, minha tosse,
no bolso do casaco deixei um poema escrito
como se fosse outro falando de mim,
semeador que sou de ares e confins,
oh, aurora, leve meu charco,
lá afundei palavras que, fora de uso,
aceitaram morrer para outras virem à tona,
no bolso da calça um poema descarnado,
verás os ossos desta tal poesia
como tatuada por dedos de deuses,
um breve primeiro excerto,
a extensão do poema,
a fusão da carne e do verbo,
nu, enterre-me, sem coroa,
caixão, rezas ou terno...
Oh aurora,
saiba-me o que nunca soube saber,
o que é a plenitude da vida,
antes de morrer...
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