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FEZES
Como perder o namorado na primeira visita
João Carlos Soares

Depois do banho dei um trato no cabelo e me despedi da minha (falecida) mamãe:
-A benção mãe, volto lá pelas onze.
Acho que o ano era 1974 e nessa época ficar na rua até às onze era o limite. A velha abençoou, dizendo :
- Fiz costelinha e a pururuca que você adora. Coma um pouco e depois vá namorar...
Era quase horário de almoço e comi a valer. Passaria a tarde na casa de Sueli, onde seria apresentado a seus pais, formalizando nosso namoro. A comilança instigou a sede e encontrei na geladeira, uma jarra de coalhada gelada, que meu pai havia preparado. Nesse tempo, o leite era de vaca e entregue sob encomenda, dois litros diários... As ocasionais sobras de um dia viravam canjica, arroz doce ou coalhada no dia seguinte. Jogar sobra de leite no lixo seria pedir para o papai suspender o fornecimento. Nesse tempo, iogurte era coisa de bacana... Sobra de leite se resolvia com limão e açucar... Tomei a jarra toda!
Será que foi isso??? Até hoje eu me pergunto... Sempre comi carne de porco e coalhada e tudo bem... Será
que coloquei açucar demais na coalhada?
Dei tchaú para minha mãe, subi a rua e entrei na avenida Quinze de Novembro. Diante do bar do falecido Cridão encontrei meu super amigo (também falecido... Que merda) Adão :
- E aí Janca, você está bonito, heim? Todo arrumadinho... Vai fazer (profetizou) exame de fezes?
- Não Adão, vou falar com os pais da Sueli para a gente namorar em casa.
- Hi! Vai casar! Da amizade com o sogro para o noivado (profetizou novamente) é um peido. Está com muita pressa? Vamos fazer três fichas? O bar está vazio, a mesa de bilhar parada... Que horas você marcou?
- As três... Estou indo agora pois detesto chegar atrasado.
- Pô! Ainda é uma hora... Ela não mora aí perto da Benedito Lopes? É dois minutos para você estar lá...
Adão, além de ser um grande amigo, era meio guru. Aquele cara meio confidente, meio conselheiro e professor de bilhar, que todo jogador iniciante tem. Ele era desesperadamente apaixonado pela minha falecida (é uma merda mesmo!) irmã Rosângela, o que me tornava conselheiro e confidente, mútuo:
- Tudo bem Adão, mas só três fichas!
Pedimos uma cerveja com uma porção de mortadela picada e limão. Jogando, bebendo e comendo, vimos entrar no bar outro grande amigo nosso, bom de bilhar e bom de porrada... O velho Lulão:
- Oi Janca; Oi Adão! Tem próximo nesse jogo... Quem ganhar joga comigo. Respondi, imediatamente :
- Estou de saída, Lula. Você joga com o Adâo... (parece piada mas a merda é que esse Lula também...).
- É você e eu, Adão! Me dá uma cerveja e outra porção de mortadela (será que foi a mortadela?).
Acabei de beber, jogar, comer e me despedi dos amigos. Subindo a Benedito senti o primeiro sinal mais sério. Veio como uma fisgado do lado esquerdo, cortando até o direito. Passou rápido e junto com o súbito alívio, ouvi um som gutural... Pensei em voltar para casa mas já era quinze para as três.
Continuei andando e o som estranho se repetia a cada passo... Esporadicamente vinha a fisgada violenta.
Pensei : - Não estou legal...
E lá vinha aquele barulho estranho. Parecia o eco de água despencando num abismo: Tuuuummmm, glub glub, poimmmm...
De repente, veio uma dor na barriga tão profunda que tranquei o bogus, automaticamente...Ficou claro que se eu relaxasse o bicho pegava.
Pensei : - Não tem jeito, a coisa encrespou e vou no banheiro de qualquer boteco Antonio C.Costa. Comecei andar com as coxas coladas uma na outra, não me atrevia abrir o passo... O suor começou empapar a testa e percebi que não aguentaria mais nem um minuto... - Senhor Deus, me acuda!
Evitava respirar fundo e andava como um pinguim, segurei a vontade de tossir pois sabia ser uma tossida a gota d'agua. Ao atravessar a rua subi o meio fio sem abrir as pernas, primeiro um lado em meio giro e depois a outra perna, em giro contrário... Pronto! Estava sobre a outra calçada e não havia me cagado todo.
Estava diante do bar do pai do Claudio ( creio que já morreu também) quando ocorreu o milagre. Minha barriga fez o som de uma turbina (vvvrrruuuuuum) seguida de um alivio imediato. Cheguei de lábios apertados e olhos arregalados. O alívio e a paz foram tão imensos, que o velho japonês percebeu :
- Você está bem? Chegou lívido e ainda está meio pálido.
- Estava com uma dor na barriga infernal, mas já passou. Obrigado, tchaú...
Desci a Nilo Peçanha rindo, foi só o susto e não havia mais nem sinal do sufoco. Eu estava otimo!
Cheguei na Sueli e ela estava à porta. Entramos e fui apresentado aos velhos na sala (sr. Luiz e dona Maria, ambos já morreram também). Papo vai, papo vem e nem sinal do aperto. Eu havia ressuscitado!
Muito gentil, dona Maria nos serviu um bolo de limão gelado com bastante cobertura. Eu estava satisfeito mas para não desfazer, comi dois pedaços com coca-cola. A coca estava meio quente... (seria isso?).
Chegou num turbilhão, sem dó nem piedade! Travei o rabo com todas as minhas forças mas percebi que iria cagar. Murmurei : - Senhor Deus, me socorra! Já estou praticamente cagando...
A fronte latejava e o suor chegava empapando o rosto, pescoço, peito, tudo... Meu semblante assustou os presentes : - O que foi? O que estás sentindo? Fala com a gente... Respondi em sussurro :
- Eu estava mal no caminho para cá e melhorei... Agora voltou com tudo... É a barriga... preciso ir ao banheiro agora, não estou aguentando... Dona Maria falou :
- Espera o Zé sair do banheiro, ele está tomando banho. Respondi acusticamente, suando em bicas :
- Não aguento esperar mais... Vou cagar aqui no sofá... Vou cagar... Vou cagar... Me ajudem...
- Tem o banheirinho lá fora! Gritou seu Luiz, ao que respondeu irritada, Sueli :
- Lá fora, pai? Lá fora é ruim, não tem nem porta... Zé !!! Saia já do banheiro... Lá fora, só o pai mesmo...
- Ruim é o rapaz cagar na calça! Num tá vendo que ele está mal? Eu prefiro usar a casinha lá fora; Quer ir lá fora, meu fio? Insistiu seu Luiz. Eu não tinha mais força nem para falar. Indiferente ao meu supremo esforço sentia que o bogus já estava gotejando. Levantei agarrado no braço da Sueli :
- Me leva logo lá, bem. Eu não estou aguentando... Eu vou cagar... Eu vou cagar...
- Calma bem, já estamos chegando. Tem papel na privadinha,mãe? Já estamos chegando, bem....
- E eu já estou cagando, não aguento mais...
Seu Luiz chegou correndo com um rolo de papel higiênico :
- Jornal eu sei que tem, mas esse papel é melhor! Fique à vontade, meu filho.
O banheirinho era minúsculo, tendo em um canto uma lata de óleo de vinte litros, vazia, por cestinho de lixo. Por falta de janela a porta era serrada na parte de cima e na parte de baixo, deixando a cara e os pés expostos.
Tentei não fazer barulho e fui soltando aos pouquinhos... Pummm...Pum...Pum.... O castigo é que quanto menos barulho a gente quer fazer, mais barulho a gente faz... Abafava bem a boca do vaso com as pernas e o som se tornava acústico... Comecei a tossir alto para disfarçar o som... :
- Cof, Cof, Cof.... Pum, Pum, Pum... Chutava o cestinho de lixo, tossia e ia administrando a vazão dos gases quando, a cabeça do seu Luiz, surgiu no vão superior da porta :
- Solta de uma vez, meu filho! Antes livre do que preso e você vai se sentir melhor...
Sueli implorava baixinho: - Vamos para lá, pai; Deixa ele à vontade, pelo amor de Deus...
- Luiz!!! - Gritou dona Maria - Vem para dentro, deixa eles dois em paz!
O velho entrou, resmungando : - Qual é o problema? Todo mundo caga e tem caganeira! Isso é normal...
Eu, humilhado dentro daquela casinha, resolvi soltar tudo por revolta! A vaca já tinha ido para o brejo, mesmo;;; Pensei : - Saí, filho d'uma mãe sem dono! Prrum! Paaaa!!! Tummm!.
Levantei a cabeça e sai daquele banheirinho com a maior dignidade do mundo! Só dei boa noite e uma promessa de voltar para conversar amanhã, promessa que nunca cumpri...
Deveria ser umas sete horas e soprava uma brisa leve... Sabia que jamais conversaria novamente com aquele pessoal... Se ao menos tivessem me deixado lá e voltado para dentro da casa... Primeiro dia e privacidade zero? A caminhada tinha gosto de liberdade, uma triste liberdade, mas era liberdade!
Entrei em casa, peguei uma toalha com pijama e fui para o banho; Sentia-me sujo...
Creio que estava chorando, mas a água do chuveiro, disfarçava esse detalhe...
Repentinamente, uma batida na porta e a voz forte de meu pai (falecido também! É ou não é uma merda?).
- Por que chegou cedo hoje: O que aconteceu? Está tudo bem?
- Porque sim,pai. Está tudo bem... Estou com sono e resolvi dormir mais cedo... A benção, velho.
- Deus te abençoe, filho. Antes de ir dormir dê uma olhada no forno do fogão e na geladeira... Acabei de preparar uma jarra de coalhada gelada e no forno tem pururuca que a mamãe fez... A gente sabe que você adora!
Me deram outras violentas pontadas! Dessa vez foi no coração, cabeça e fígado!


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