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Procuram-se amoladores XXIII
Pandora Agabo

A aula era de redação. A professora dizia que uma pessoa que fala bem, muito provavelmente também o escreverá. Dessa forma, ela gostava de levar assuntos polêmicos pra sua última aula da semana, reservava uns 30 minutos e colocava os alunos pra debaterem, incentivando-os a aprenderem a formular argumentos que defendam seu ponto de vista. Eu adorava, não pelo motivo certo, mas porque eu podia ficar calada durante 30 minutos, sem prestar atenção em ninguém.

Hoje, no entanto, a professora escolheu o tema de maioridade penal, se deveria ou não diminuí-la para 16 anos. Geralmente ela dizia em voz alta qual seria o tema do dia, mas dessa vez ela escreveu no quadro, lançando um olhar discreto tanto para mim quanto para Lúcia, mas evitando-o pelo resto da aula.

Fizemos um círculo como de praxe e ela fez uma rápida introdução sobre o tema, citando algumas notícias do jornal e, por fim, passando a voz para os alunos.

Um metido a revoltado, mais rebelde sem causa que qualquer outra coisa, disse que tinha mesmo é que matar todo bandido e se esse bandido for um menor de idade, seria apenas um gesto de "cortar o mal pela raiz". Um mais politicamente polido defendeu que deveria diminuir essa maioridade, porque muitos adolescentes entram na criminalidade justamente porque não será devidamente punido. Uma aluna levantou a mão e finalmente alguém havia se oposto a essa proposta, dizendo que a diminuição da maioridade seria apenas deslocar o problema, porque os menores de 16 anos continuariam não sendo devidamente punidos. Sua amiga, que parecia apenas estar esperando que ela abrisse a boca para dar sua opinião, logo em seguida, fez uma proposta, sugerindo que o ideal seria que a maioridade continuasse nos 18 anos, mas que qualquer pessoa de qualquer idade que cometesse um crime hediondo, sofresse a pena como um maior de idade. Nisso, os alunos finalmente começaram a discutir o tema, sendo interessante principalmente porque ouvi alguns argumentos novos para o meu arsenal, como que o sistema carcerário brasileiro, que mal dá conta dos presidiários que possui, teria problemas bem sérios com a entrada de adolescentes delinquentes ou que há estudos de que se diminuíssem a maioridade penal, não se diminuiria, necessariamente, a violência.

Eu entendi o porquê de a professora não dirigir o olhar nem a mim e nem a Lúcia durante a discussão. E eu percebi o quanto ela temia que alguém tocasse no assunto, mas um dos alunos não teve essa mesma sensibilidade e mencionou:

— Mas professora, eu acho que todos nós aqui sabemos muito bem o que significa um menor de idade não responder pelos próprios atos. Eles podem até sofrer com alguma consequência, mas eles acabam não pensando duas vezes na hora de se comportarem como bandido.

A professora ficou pálida na hora, mas manteve o jogo de cintura.

— O que você quer dizer com isso?

Seu olhar sugeriu ao garoto que ele escolhesse bem o que deveria dizer, mas ele pareceu não ter ligado muito.

— Que... Ta, por exemplo, o... O... - ele começou a gaguejar, ficando um tanto nervoso, mas não deu para trás - O Alexandre lá. Por que ele fez o que fez? Ele tinha motivo suficiente pr'aquilo? Será que se ele fosse maior de idade, ciente das punições que um adulto recebe quando comete um crime, teria tomado as mesmas decisões? Até porque nas entrevistas colhidas dos vizinhos dele, ele era um bandidinho praticante quase...

Essa foi a vez que a Lúcia e eu perdemos todo o sangue do nosso rosto e nos encaramos, mas esquivamos nossos olhares como que se tivéssemos levado um choque.

Uma aluna, imagino que desinformada por só ter chegado à escola nesse ano, falou do caso como que se fosse qualquer outro, abstrato e distante demais pra ser falado como se estivesse pisando em ovos.

— Mas esse caso do Alexandre, acho, foi porque ele era meio maluco, num foi?

Então outra aluna se intrometeu, percebendo o desconforto que aquele exemplo estava gerando na sala.

— Ta, mas e daí? Você fala como que se só os adolescentes fossem bandidos. Não existe adulto criminoso não? Eu hein. - não sei nem como eu poderia agradecer a essa menina por ter desviado o foco do debate.


Este texto é administrado por: Sabrina Queiroz
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