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GRAVIDEZ MASCULINA
Rubemar Costa Alves

ELA sempre disse que ELE adoeceria se mentisse e principalmente se arrumasse outra mulher, vulgarmente dizendo, se   t r a í s s e, porque na visão dela “feminista” (existencialista? surrealista?) mulher poderia ter outro, sem compromisso, apenas como distração e variabilidade, homem nunca. Discursava e citava SARTRE, SIMONE e ALGREN. Sim, casamento aberto. Escondia de propósito os vários casos extraconjugais do filósofo francês e exaltava os amores da escritora parisiense.
          Certa noite no comecinho do inverno ELE voltou para casa com uma dorzinha no ouvido direito. Olhou para ELA, a dor aumentou; olhou para a televisão ligada, a dor diminuiu, olhou para ELA, aumentou... Artesã, costurava bonequinhos de pano branco, depois coloria e vestia com trajes típicos brasileiros. De repente, cheiro forte saindo da cozinha, banana assando e talvez quase queimando no forninho elétrico, ao mesmo tempo o porta-retratos caiu ao chão, vidro quebrou, ELA pegou a foto dele, janela abriu, ventinho, colocou a foto em cima da mesa da sala, um bonequinho por cima para não voar.
          Ora, marido chegou bem tarde do “emprego” (na verdade, falsa hora extra - estava mesmo na sinuca, botequim no quarteirão de casa...), viu, mentalizou vodu. Boneco vestido em traje masculino branco, chapéu elegante com fita vermelha, gravata e lencinho no bolso do paletó igualmente vermelhos. Traje típico do mal afamado malandro carioca do bairro da Lapa, décadas de 30 ou 40, cantado e decantado pelo compositor que ELA ama, protagonista da peça teatral “Ópera do Malandro”. Sim, mas a tal figura era uma entidade espiritual mágica de quem ELE sentia muito medo. Em vida, dizia-se, tinha sido “o rei das mulheres e da cerveja”, hoje consultor e conselheiro na Umbanda, religião espiritualista tipicamente brasileira. Pode ser! ELE entre incrédulo e temeroso. Até jantou sentado no sofá, prato no colo, nem chegou perto da mesa...
          Num outro dia, hora do almoço, viu na rua uma mulher que o atraiu enlouquecedoramente. Puxou assunto, disse que era um viajante e improvisou falar sobre... certas ruas e ônibus desconhecidos. Fez cara de anjo (vermelho) e foram para uma confeitaria onde a fulana pediu pão de ló seco e conhaque em taça aquecida. ELE, angustiado em não ingerir álcool e querer dar uma de macho (ou machucado?), no mesmíssimo instante sentiu uma dor de cabeça desesperadora, levantou-se, atirou uma nota de 50 sobre a moça... e fugiu, aos gritos de “Pague o lanche”. À noite, em casa, a mulher falou ter passado horas costurando, fio por fio, lã acinzentada sobre a cabeça de um boneco preto, cachimbo na mão... mostrou para ELE: “Foi um velho escravo. Pai... (e falou nome de homem que ELE não escutou muito bem, mas terminava em Angola)”.
          Haveria uma palestra sobre MARX e ENGELS. Acontece que eram dois auditórios e ELE, entre a antiga piada política de ser da direita ou da esquerda, entrou errado para a palestra sobre SUGESTIONABILIDADE. Muita gente. Trancaram a porta, desistiu de sair. Psicólogo explicou que certos sintomas e doenças são apenas sugestivos. Não questionou a realidade ou não de fantasias, pragas ou bruxarias, mas esclareceu sobre medos, hipóteses, bobajadas. Basta que alguém fale sobre doenças ou dores em tom de ameaça, o ouvinte começa logo a sentir, vítima de sua própria ansiedade.   “Ah, nunca mais ELA me pegará com bonequinhos de loja! Bonecos só quando houver criança dentro de casa.........”
          Assim pensou. Não demorou muito, começou a sentir enjoos, tontura, a comida não parava no estômago, depois passou a comer até demais, estranhos desejos disto e daquilo, frutas raras fora de época, doces portugueses com muitas gemas, peixe frito que antes ELE odiava. Engordou bastante num tempo rápido a ponto de ter que comprar peças novas de roupa. Clínico pediu vários exames de laboratório, tudo normal, sugeriu reeducação alimentar. “A menos que você esteja grávido...” - médico pilheriou. Riram juntos.
          Aí, o tempo passou - um tanto mais gordo ainda, sem exagero. De verdade, num sábado trabalhou extraordinariamente na empresa e veio para casa sentindo terrível dor na alturas dos rins, o corpo como que pesado, andar dificultoso. Companheiro de trabalho fizera piada horas antes que a esposa se sentira assim no último mês grávida. Chuveiro quente, cama, ficou entre sentir uma dor forte agora na barriga e adormecer. Sonhou. Sensação de estar deitado, muita claridade, pessoas de branco debruçadas sobre ELE, “Faça força, está quase.........”
          O cara acordou de repente, não com o som madrugatício do despertador, mas com um choro (imaginário?) de recém-nascido perto dele. Foi abrir os olhos e ver um bebezinho com o que lhe pareceu olhos azuis (berrou em silêncio: “FILHO DE QUEM? MÃE SUECA OU HOLANDESA?!”), agora calado e com ar sorridente. Para ELE? Sensação de desmaio. A dor na barriga desaparecera. Fechou os olhos e se recusou a ver, escutar... Dormiu novamente. Acordou, não havia mais bebezinho-anjo algum.
          A mulher recebera por minutos uma lojista que viera pegar alguns bonecos pequenos. Ao lado dele, que dormia como pedra, sem se mexer, na cama exageradamente grande, colocaram um boneco em tamanho natural, novidade, trabalho perfeito... ELE fingiu não ter visto nada. Hora de fazer um... de verdade?

               F   I   M
     





Biografia:
PARVUS IN MUNDUS EST. (O MUNDO É PEQUENO DENTRO DE UM LIVRO) Ser dedicado, paciente, ousado, crítico, desafiador e sobretudo enlighned são adjetivos de um homem cosmopolita que gostaria de viver mais duzentos, ou quem sabe trezentos anos para continuar aprendendo e ensinando. Muitos de nós acreditam que uma vida de setenta, oitenta anos é muito longa, contudo refuto esse pensamento, pois estas pessoas não sabem do que estão falando. Sempre é tempo de aprender, esquadrinhar opiniões, defender, contestar ou apoiar teses, seguir uma corrente filosófica (no meu caso, a corrente kantiana), não necessariamente crer num ser superior, mas admirar e respeitar quem acredita nele. Entender a diversidade de costumes e culturas denominados de forma polissêmica nas diferentes partes do mundo, falar um ou dois idiomas, se perguntar o porquê e tentar encontrar respostas para as guerras, a segregação racial, as diferenças étnicas, o fanatismo religioso, o avanço tecnológico, o entendimento político. Enfim, apenas estes temas já levaria uma vida para se ter uma compreensão média. A leitura é o oráculo para estas informações, é ela que torna o mundo cada vez menor capaz de se acomodar nas páginas de um livro. É por isso que se diz que não há fronteiras para quem lê. Atualmente as pessoas confundem Balzac com anti-inflamatório, Borges com azeite, Camilo Castelo Branco com rodovia estadual, Lima Barreto com laranja de determinado município paulista, Aristóteles com marca de carro e por aí vai. Embora, eu tenha dissertado sobre o conhecimento culto, os meus trabalhos publicados aqui demonstram o dia a dia das pessoas comuns narrados através de divertidas e curiosas estórias. Meu público alvo são as mulheres. É para elas que escrevo, pois são elas possuidoras de sensibilidade capaz de entender o conteúdo do meu trabalho.
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