Sombras & Espelhos
Estas páginas,
Tal espelhos,
Dão imagem a meus versos.
Um estranho universo
De fantasmas
Que alcançam a dor física,
E em silêncio
Rompem o tempo
Num escorço de palavras.
Nos espelhos,
Estes versos viram sombras,
Transparentes, desumanas,
Assoalhadas.
Fecho a mão,
Empunho a lança,
Uma moderna esferográfica.
O mendigo
Porta um veloz corcel,
O esnobe que se acha
Maior do que o céu
E as nuvens de fumaça.
Agride a natureza
Com seu arco e flecha.
Arrota sua destreza
Sob castiçais nas festas.
Um dia o inaudito,
Na trilha que envereda,
Descobre um esquilo
Que insulta sua nobreza.
Como da boca, o bicho
Falava com esperteza.
Num bosque assombrado,
Regado de tristeza.
És mago, feiticeiro
Ou és um estrangeiro
Em terras que são minhas.
O nobre alisa as crinas
De seu corcel talhado;
Espreita com cuidado,
O bicho que caminha
De um a outro lado.
Sou um esquilo nato,
Que tem essa proeza;
Um dom da natureza,
O bosque encantado.
Pertence ao teu reinado.
Mas, podes ter certeza
Que só com a pureza
Terás bom resultado.
Sou nobre, sou louvado.
Eu piso em quem me espelha.
E em minha grandeza,
Jamais fui insultado.
Repito obstinado
Que em minha fortaleza
Há cabeças de presas
E corpos pendurados.
Conversa de pedante;
Não passas de uma lesma.
Grandeza há num gigante.
Tua pequenez, soberba.
Se nesse mesmo instante,
De um inseto, fosses presa,
Em febres e delírios
Perdias tua nobreza.
Maldito esquilo ofende-me;
Atiro-te uma flecha
Que tua testa fende
Como o vulcão, a terra.
Ou ponho armadilhas
E atrás de ti, matilhas
Que o seguirão por milhas
Até a vida eterna.
Tua pequenez, violência.
Instinto pra ciência.
Para a crença, o diabo.
Olhando-te deste galho
Eu imagino um raio
Partindo tua cabeça.
Iníquo, não esqueças,
Pra natureza eu valho.
Não serves nem pra caça;
Ririam pela graça
De tão pequena presa.
Não valeria empreita
Pra ínfimo resultado.
Um esquilo danado
Que quer me ver queimado
Como acha em fogueira.
Tua pequenez, insulto.
Um homem tão astuto
Que perde a cabeça
Diante de um bicho;
Dirá de um inimigo
Com lança de madeira
E de ferro fundido;
Serias então vencido.
Não há no céu, na terra,
Sob água, sobre serra,
Varão me ver vencido.
Não serei esquecido
Por milhares de eras.
Sou nobre, sou galhardo.
A um esquilo safado,
Não mais darei ouvido.
A isso, não duvido.
Jamais é esquecido
Um flagelo severo
Que fere a natureza.
Tu és com certeza,
O exemplo mais louvado
Para mostrar o errado,
O antônimo da beleza.
Devastarei o bosque
Que pertence ao meu reino
E para o meu herdeiro,
A ordem que o sufoque,
A cada vez que brote
Que volte a queimar.
E que qualquer um pode,
Um esquilo matar.
Quão dói o que é verdade.
Na infância ou mocidade,
Na avançada idade,
Ninguém a quer ouvir.
Preferes então mentir.
A terra há de se abrir
E numa enorme fenda,
Sei que irás sumir.
Tu não me ofendas,
Oh, esquilo danoso.
Eu quebro o teu pescoço
Como se racham lenhas.
Sou a ti superior
Por ser um ser pensante.
Cala-te nesse instante
Ou mostro o meu furor.
Em que és superior?
Diga-me nobre.
No arco, no alforje,
No senso ou no humor?
Aguarias a flor
Que ao campo, morre?
O que nos torna forte,
É a espada e o amor.
Sou forte pela minha ousadia,
Nobreza e galhardia.
Dos meus sou defensor.
Não me importa a flor.
Na certa, a pisaria.
A espada é meu guia;
Meu arco, meu mentor.
Assim, eu sou superior.
Ser nobre é dá valor
A tudo que nos cerca.
Tu não és, na certa,
O melhor condutor.
Na minha ironia,
Jamais tu, passarias
De um rude sem pudor
Que adota a tirania.
Sou nobre de família.
Herança tem meu garbo.
Sou um caçador nato,
Assim meu pai dizia.
Sou o senhor da vila;
Por todos, aclamado.
O teu maior pecado
Foi incitar-me à briga.
Ninguém aqui duvida
Que és senhor da vila,
Do reino e do que for.
Mas, que mente vazia.
Eu mesmo mostraria
Que à natureza habita,
Teu reino, tua vida,
Teu cargo de senhor.
As árvores nascem outras.
A caça é abundante.
Enxergo tão distante
Que vejo além das coisas
Que queres me mostrar.
Jamais se acaba, o ar.
As águas vão durar
A minha vida toda.
Há! Que cabeça oca.
Além de tu, há outros.
Fecha essa tua boca,
Estás ficando louco.
Tudo o que tens é troco,
Diante do planeta.
Os bens da natureza,
Um dia, serão pouco.
Estou desconfiado.
És um servo escondido
Que usa do artifício
De ser um bom ventríloquo
E de algo ver vingado?
Não nota que o danado
Do bicho enfurecido
Assusta o seu cavalo.
Dos arreios, desvencilhado,
Põe-se de pé, o nobre.
Desfere então um golpe
Que não é acertado.
O esquilo dele foge
Tal qual no céu, um raio.
Insiste por ser forte
Mas cai no chão, cansado.
Que bicho dos diabos.
Resmunga então o nobre.
Sem seu garboso porte,
Ficou desfigurado.
Por achá-lo uma farsa,
Deixou-me a pé na mata.
Que bicho atinado,
Não acertei-lhe a espada.
Do outro lado, o esquilo
Num galho acha graça.
Pareces intranqüilo;
Onde aprendeste a usá-la.
Acostumado ao longe
Com a flecha atirada.
Jamais é cara-a-cara;
O caçador se esconde.
Cuidado esquilo covarde,
Exageras na troça.
Talvez armar eu possa,
Um bote, então pegar-te;
Prender-te numa jaula,
Sem água e sem comida
Até que enfim, me diga
De onde vem tua fala.
Teu ceticismo me cala.
É algo que admiro.
Deves está doido, eu digo.
Pois esquilo nenhum fala.
Se prestares atenção,
O que tem em tuas mãos
Não é nenhuma espada.
É uma faca enferrujada.
Que magia desgraçada.
Minha espada virou faca.
Dessa forma estou perdido.
O danado do esquilo
É uma bruxa disfarçada.
Essa mata é encantada.
O que irás fazer comigo,
Diz o nobre em voz alta.
Eu não te faria nada
Posto que nem mesmo existo.
Olhe bem, que eu, o esquilo,
Sou um pedaço de tecido
De uma manta esfarrapada.
Meus movimentos, o vento.
O teu louco pensamento,
Minha imagem, minha fala.
Bruxaria! Não duvido.
Transformado em pano, o esquilo
E a minha espada em faca;
A densa mata em beco.
A realidade eu vejo.
Sou apenas um mendigo,
Sou um personagem vivo
De uma história sem fada.
Quadro borrado
O que procuro
Neste imenso escuro,
Num pequeno barco
Onde balança o fardo
De minha existência?
Uma luz, ciência.
Um velho candeeiro
Que meu tempo inteiro,
Fico a observar.
Procuro encontrar
Esse que me habita.
O meu corpo grita:
- Quem em mim está?
Nasci, vou vivendo;
Não importa o tempo.
A morte é uma ilha
Que jamais queria
Nela aportar.
Procuro encontrar
Mais que a mim;
Ir além do fim
E recomeçar.
Estou a deriva,
Eis a minha vida.
Não importa o frio,
Nem o desafio
De uma procela.
Meu destino, a vela
Que o acaso guia.
Existir seria
Um quadro borrado
De um pintor cansado
De viver, morria.
Eu sou procurado
Nessa tela imensa;
Que o pintor entenda,
Sou desanimado.
Quando eu for achado
Pelo eu primeiro,
Eu serei inteiro,
Um grande pedaço
Desse quadro inverso,
Grão do universo
Que apenas queria
Saber se existia
Ou se o inventaram.
Não me derrubaram;
Mas, eis que eu me erguia
Entre a utopia
E o imaginário.
Eu procuro o claro
No profundo escuro.
Quando enfim mergulho,
Nada em mim descubro.
Talvez, seja tudo,
Um nada encantado.
Sinto-me apanhado
Numa armadilha,
Porque não podia
Eu ficar calado.
Sinto-me lesado
Pela evolução;
Deu-me a razão,
Por isso eu indago:
-Quem sou eu
De fato?
A máquina do tempo
Estou começando a olhar
O agora, com desinteresse.
Estou pensando em viajar
Nos anos, através do tempo.
Minha máquina, o pensamento;
Se ao passado eu voltar.
Sigo na imaginação
Para o futuro alcançar.
Volto a muito tempo atrás,
Quando ainda uma criança.
Eu em forma de lembrança,
Olhava cada vez mais
O céu em seu infinito;
Tão bonito, tão distante,
Um enigma inebriante.
Eu avanço um pouco mais.
Sou apenas um rapaz;
Eu me vejo pensativo.
Qual seria o motivo
Pra pensar longe demais.
Pensava então, no futuro
Seria um homem maduro.
Uma chance no escuro.
Adianto um pouco mais.
E diante de um espelho
Fito a indagar: - Quem és?
Nos olhos eu sinto medo.
Olhando ainda em viés,
Minha face no presente,
Continuo descontente.
Adianto um outro tanto
Para ver-me mais à frente.
Sou um velho resistente
Que procura uma resposta.
Continuo a ir em frente;
Vejo-me em minha alcova,
Fechar os olhos para a vida.
Minha história está contida
Nas paredes de uma cova;
Dou às costas, vou embora.
Vejo meus ossos, agora.
Lá fora, os descendentes.
Continuo a ir em frente.
Não existi na história.
Vejo uma vida inteira
Como risco na areia,
Apagar-se quando molha.
Sigo em frente, sem demora.
Minha essência, alma, espírito,
Nada vejo no infinito.
Já não tenho consciência.
Não sou mais um indivíduo.
Não me chamo mais João.
Sinto, não é mais visão.
Não sou parte, pois sou tudo.
Sigo em frente, continuo.
Sou o próprio universo
Em eterna expansão;
Sou a última implosão;
Sou o vazio, sou o nada.
Abro os olhos na calçada.
Volto a ser, de novo, João.
Minha máquina do tempo
Não passa de pensamento e muita imaginação.
Mensuração
O meu amor é tanto
Que eu não saberia
Dizer o quanto amo.
Porém, meu amor diria.
Não há sequer engano
No tanto que seria.
Mas, sofro o desengano
De alguém que me queria.
O amor não tem tamanho,
No entanto, tem intensidade.
O amor se mede estranho
Por quilômetros de saudade.
Pelo sinal da cruz
Fizera a sua cruzada.
Acreditara que era jus.
O sangue na sua espada.
Pelo sinal da cruz.
A inquisição queimara.
A fogueira, a única luz
Que à noite iluminara
Pelo sinal da cruz.
Usara duras palavras.
Condenara corpos nus.
A muita gente, enganara,
Pelo sinal da cruz.
Com sua bênção e graça,
A igreja ao mundo seduz
E também cega e cala
Pelo sinal da cruz.
A mente evangelizada.
A fé nos olhos azuis.
A humanidade se mata
Pelo sinal da cruz.
Eu, poeta II
Eu, poeta,
Sou um palco sem comédia;
Uma tragédia em único ato;
Um ator, sempre descalço,
Numa triste atuação .
Eu, poeta,
Sou o próprio coração
Mutilado
Pelo amor em mim criado,
Fruto de uma comoção.
Palmas para o poeta.
Não!
Grito, personificado
Num maluco enciumado
Com a sua criação.
Eu, poeta,
Sou enfim,
Eu, para mim.
Para você,
Não.
Sobre suas lágrimas
Eu me senti completo.
Decerto,
O amor me preenchia.
(Eu o compus em verso).
Você não correspondia.
E nossos beijos entre soluços
Aceleraram o seu pulso.
Qual de nós dois mentia?
Você foi sem regresso.
Eu a esperaria.
Meu amor era eterno,
Chama que jamais cedia.
O seu foi um sopro gélido
Que enfim, me apagaria.
Minhas últimas palavras
Resumiram-se em dor.
Hei de sorrir, amor,
Sobre suas lágrimas.
Intensamente
Todos os meus dias
Foram eternos
Por cada hora que vivi.
À morte,
Com os seus mistérios,
Nunca temi.
Não importava
Céu ou inferno,
Ganhar, perder,
Errado ou certo;
Apenas cada amanhecer.
Viver,
Era sempre estar por perto
De você.
O último desejo
Às vezes, me debruço em pensamentos.
Neles invento um amor que já havia
Nas páginas de um álbum de casamento,
Conservado em velhas fotografias.
Vivi nele, cada volátil momento
Que o tempo não conseguiu apagar.
A saudade é o meu maior sofrimento
Por ter aprendido a amar.
Quando tive, do amor, conhecimento,
Pude enfim, compreender o que era amar.
Nela havia um exalar de sentimento
Que eu mal conseguia respirar.
Abro os braços numa manhã de dezembro;
Entre eles tenho alguém para abraçar.
A mim, parece ser tão pouco tempo
Que volto àquele mesmo lugar.
Como é bela a pessoa que se ama.
Quão estranhas são as formas de encontrar.
Eu fui pego qual inseto por aranha,
Numa teia que o acaso foi armar.
Meu amor fora apressado e insistente.
Foram poucos os passos até o altar.
Nosso amor era mais que evidente.
Nunca, em vida, ele iria se acabar.
E de filhos fomos logo enchendo a casa.
Mesmo sem asas, começaram a voar.
Vieram netos, que brincavam na calçada,
Quando nela, íamos todos sentar.
Éramos bem mais que companheiros.
Nossos sonhos um consenso parcial.
Fomos sempre, confidentes verdadeiros,
O mais completo e inteiro casal.
Eu estava dia e noite ao seu leito.
Nunca tinha me sentido tão mal.
Lembro agora do seu último desejo,
Que parecia tão especial.
Minhas lágrimas molharam o seu beijo.
Para mim não era a vida real.
Uma dor estraçalhava meu peito,
Como ferido pelo gume de um punhal.
Abro os olhos, vejo minha realidade:
Minha imagem retratada no espelho;
Um ancião que apesar de sua idade,
Ainda cumpre um pedido, um desejo.
Viva o máximo que puder, ouvi àquele dia,
Não sabemos o que pode acontecer,
Muito menos o que há depois da vida.
Minha querida, quanta falta de você.
Se amar um dia
Alguém, de amor,
Me falou.
De qual amor,
Falaria.
Amar é bom.
Se não for?
Só sabe se amar um dia.
Fossa
Noite avessa
Ao amanhã que dorme.
Vai de porre,
Sombra que se move
Sob a lua cheia.
Sorvo em goles
Lágrimas de quem sofre
Uma vida inteira.
Não espere que eu sempre chore.
Hoje chove,
Amanhã clareia.
As pegadas que plantei na areia,
Já não mais se movem.
Passam os dias
E o vento encobre;
Tal o tempo faz com a tristeza.
Não há marca,
Nem profundo corte,
Que eu jamais esqueça.
Soneto da vitrine
A vidraça estilhaçada,
Não desfaz a minha imagem,
Não subtrai da cidade,
A luz do sol ofuscada.
De pé, fiquei na calçada
Com minha mão estendida.
Exorcizei minha vida
Na pedra que arremessara.
Por um instante, escutara
O som de ossos quebrados
Da montra fragmentada.
Meu corpo feito estilhaços
Que os passantes pisavam
Entre espanto e gargalhadas.
Causídicos
Consolidar a força do que pensa
Pra superar o pretexto de uma luta.
Não há desculpa
Para quem em sã consciência
Acastela a força bruta.
Uma disputa entre o intelectivo
E o que motiva uma apologia para a arma.
Só o pensamento nos dá asas
Para voar sobre os quintais dos mais perversos
No universo de intrigas sem motivo.
Luzes ou chamas?
Luzes, idéias que clareiam nossa alma;
Na hora exata esta torna-se razão.
O punho escreve muitas vezes com pancada,
Chamas amargas que defloram o coração.
A guerra é a ignorância desmedida
Que jamais em si habita, a verdadeira bravura.
Causídico é aquele que anuncia
Que a força melhor valia
Teria no amplexo da cultura.
Cão-de-guarda
Estalo os dedos;
Ao animal, apenas iludia.
Sua alegria
Se resumia ao balançar da cauda.
Um cão-de-guarda
Que não demonstra sua fúria contida.
Em cada lambida,
Sua lealdade é exaltada.
À noite, espreita
Na escuridão, a sombra que se move.
O canaz não dorme,
A espera de alguma presa.
Um grito eclode
Na madrugada; uma luz acesa.
Um pandilha na rua sofre,
Cambaleante corre
Enquanto o sangue escorre,
O biltre pranteia.
O nó
Desatei o nó
Que me prendia ao passado.
Ninguém ao meu lado;
Vejo-me tão só.
Verbo desusado,
Ancião amargo
Que de si, tem dó.
D
A mesma letra, nossos nomes, inicia.
Somos a mesma viga
Que sustenta o teto.
Eu sou o mal do céu.
Vós sois o bem do inferno.
Colecionamos almas.
Somos eternos.
As minhas são ruins.
As vossas, boas.
Talvez sejamos nós,
A mesma pessoa.
Eu não existo à toa;
Há um motivo.
Para chegar ao céu,
O inferno é preciso.
Poetas
São tantos os poetas
Quanto estrelas,
Dispersos em bandeiras
Pelo mundo.
Eternos e profundos
Pelas letras,
Em digressões soberbas,
Em dimensões sem fundo.
São tantos os poetas
Que o planeta,
Em tinta de caneta,
É resumo.
Enorme rascunho
Em línguas estrangeiras.
A tradução perfeita
Das emoções do mundo.
Regresso
Pensei, amor, que me abraçaria
No dia em que eu voltasse.
Talvez, ainda houvesse uma família
Com a qual me reconciliasse.
Não quero debruçar-me em poesia
Para ter a chance de ficar.
Basta, amor,
O tempo cicatriza a ferida.
Uma dor antiga é difícil apagar.
Como poderei lhe convencer
Que apenas queria navegar.
Mas, naufraguei em terras desconhecidas.
A solidão e o vazio, eu tive que enfrentar.
Perigos e tormentas, me impôs, o mar.
Assim, entre procelas fui parar
Em uma pequena ilha
A muitas e muitas milhas deste lugar.
O vento deu-me a ida.
A volta eu tive que buscar.
Tive noites mal dormidas.
Muitos dias pra pensar.
Alguns deram-me guarida.
Outros, tive que enfrentar.
A lua, muitas vezes, não saía;
Na escuridão, eu temia caminhar.
Durante o dia eu seguia
Com o sol ardente a me queimar.
Foram tantas tentativas,
Com a vontade já vencida,
Que eu quase desistira.
A esperança floria
No deserto do errar.
Mas, eu posso lhe jurar,
Numa dessas escapei
Pra buscar o que deixei,
Minha eterna companhia.
Hei-me aqui para provar.
As frases
Eu conheci um poeta
Que como a flor do deserto,
Apesar do tempo incerto,
Teimava em sobreviver.
Admirado em ouvir
Os versos que declamava,
A palavra que encantava.
Não sabia escrever.
Certa manhã, eu fui ter
Na praça cotidiana.
A vista, então, me engana.
O que está a acontecer?
Vi no chão ensangüentado,
Por um auto atropelado,
Um sonho ser extirpado.
No deserto, morre a flor.
Do auto, a placa ficou,
Com frase que enganaria:
“Desse carro, o motorista
É Jesus, o salvador”.
Na camisa do finado
Que se tornou rubra cor,
Estava assim estampado:
“Jesus é meu protetor”.
Olhos
Fotografei em memórias
Momentos de perda e glória;
Colecionando pra sempre,
No fundo de minha mente,
Retratos de um eu ausente,
Recortes de minha história.
Em uma luz repentina
Queimou-se em minhas retinas,
Um negativo molhado.
Enquanto o eu isolado
Mantinha o álbum fechado
Às minhas dúbias meninas.
Desvio de personalidade
Perdoa-me o pecado
Do mal olhado,
A espionagem cotidiana,
O pensamento na cama
Entre beijos e abraços.
Perdoa a quem te ama,
Que dessa forma te engana
Num desvio de personalidade,
No agir da imaturidade
Do seu outro eu.
Perdoa a quem perdeu
O que o mantinha vivo,
A ausência de motivo
Por perder
Por que
Perdeu.
Campo de batalha
Pela dor, minha alma
Exaure entre meus dedos,
Enquanto escrevo
À minha distante amada.
Na minha espada,
Sou bem maior que o medo.
Porém, o meu segredo
Está em minha calma.
Em minha fala,
Imponho o meu direito.
Mas, em meu peito,
O seu amor me cala.
Volto à batalha,
Pois já não tem jeito.
No outro, eu vejo
A dor que me abraça.
O mundo pára.
Hei-me ante o espelho.
Fura o meu peito,
A minha própria espada.
É bem mais amarga,
A ilusão de um beijo,
Que morrer tão cedo
No campo de batalha.
O mar e você
Não me canso nunca
De olhar o mar;
Como não me canso
De seu rosto, olhar.
Não me importo,
Por não entender
O mar e você.
No mar, uma tormenta.
Você é tão ciumenta.
Nada posso fazer.
Há uma calmaria.
Eis você no outro dia,
Sempre a me surpreender.
O mar e suas ondas
Num eterno vai e vem.
A vida de quem ama
É assim também.
Eu luto em seus braços.
No mar o mesmo cansaço.
Nadar para quê?
No mar eu levaria
Toda a minha vida,
Sem jamais esquecer.
Entre sal e sol,
A sede.
Entre punhos numa rede,
Encantado por rever
O mar e você.
Copo e caneta
Nunca escrevi
Um único verso,
Ébrio.
Não leve a sério
O que escreve
Um poeta embriagado.
A minha mão talvez revele
O meu estado;
Não pela letra trêmula,
E sim, pelo palavreado.
Não estou acostumado
Com essa mistura avessa;
Feita de copo e caneta,
De tinta preta e de álcool.
Árvore torta
Uma folha reservada ao silêncio,
Assim me encontro
Desesperado e só.
É a última volta pelo parque,
A última chance para que eu me ache.
O vento me arrasta em pensamentos;
Folha seca que através dos anos,
Perdeu-se pelas aléias.
Observo minha árvore, vida,
Minha tarde espargida
Pela imensidão do medo.
Sou um pote
Que se derrama em lágrimas;
Assim, águo meus sentimentos,
Meus tormentos,
Lembranças aditivas,
Flores vivas
Que exalam um cheiro forte.
Velho corte,
Um talhe,
Um naco de minha mãe,
Árvore torta,
Virou porta
Que se abre.
Mosaico
Em minha mão,
Mil pedaços.
Antigo quadro,
Uma mesa,
Alguém que come calado
Com discrição ou tristeza.
E lado a lado
Na mais extrema destreza,
Enfileirado
Sob a antiga nobreza,
Assenta-se o mosaico.
Sob os meus pés, o passado
Em um quadrado,
Pintado
Nesse retalho do tempo.
Breve momento
Guardado
No mais antigo mosaico
Preso à calçada,
Ao tempo.
Família
Minha família,
Meu pulmão,
Minha respiração contínua.
A linha
Do meu coração.
Eis a razão
De ser minha.
Minha família é ainda,
O beijo nas costas da mão,
É a bênção na cozinha,
O café em comunhão.
Minha família
É conversação
Sob o alpendre à tardinha.
A linha
Que prende o botão
Na camisa engomadinha.
Minha família é estima,
É zelo, é dedicação.
Sorrisos, quando todinha
E lágrimas, quando se vão.
Velas II
Estou arcado em velas.
O vento em aquarela
Vem me pintar.
Quero tragar
Meu vício.
Pescar sorrisos
Em meu eterno mar.
Me afogar sem elas,
As mesmas velas
Que arcam o arco-íris
Em cores que me risquem,
Em dedos que me belisquem
A me acordar.
São essas velas
Que porei na palma de minha mão,
Que pára um coração,
Que vive em solidão,
Enquanto vela
Em meio a velas,
Seu meigo olhar.
Único motivo
Te amo
Em teus ouvidos,
Pelas horas de silêncio.
Te amo
Pelo tempo
Que ainda é pouco para te amar.
Te amo
Pelo ar
Que no arfar
Mal o respiro.
Te amo
Pelo único motivo
Que é para sempre
Te amar.
Só em te amar
Só em teus lábios,
Eu encontro meus gemidos.
Só em meus gritos,
Eu consigo te encontrar.
Como enganar
A emoção de estar aflito.
Eu te preciso
Como a noite, do luar.
Só em teus passos,
Eu caminho decidido.
Surpreendido,
Tento não justificar.
Sem teus abraços,
Os meus beijos são sofridos
Como os feridos
Que não podem se curar.
Só em te amar
É que eu encontro o sentido
De tudo aquilo
Que consigo imaginar.
Esperança
Há um pedaço de uma alma
Pela rua,
Uma criança que procura
Sua casa.
Há uma mãe desesperada
Que continua,
Na esperança de encontrá-la.
Há uma criança
Que chora e cala.
E talvez para sempre,
Na rua,
Permaneça perdida.
Mas, a mãe nunca vencida,
Ainda luta.
Vértebras
Sou um ser maquinal
Sobre costelas.
Sinto entre vértebras,
Aquela
Sensação de mal-estar.
Um vertebrado que caminha
Sobre pernas
Desde as cavernas
Até o último andar.
Deixarei ossos sob a terra
Ou espalhados sobre ela.
Eis a estética
Do meu fim.
E mesmo assim,
Procuro vértebras em mim.
Pela janela
Jogamos pela janela,
Tal qual punhado de terra,
A nossa triste história.
O vento esparge na rua,
Uma poeira tão suja
De quem a muito, foi embora.
Haviam rosas,
Abaixo dessa janela.
Murcharam, velhas,
A espera de um cuidado.
Abandonado,
O mato tomou altura,
Ganhou a luta
Para o jardim florado.
Pela janela,
Vejo suas costas nuas
Dobrando a esquina
Do outro lado da rua.
Há um bom tempo,
Gravado em meu pensamento,
Uma cena sem aceno
Numa despedida crua.
Amiga II
O coração exige
Uma essência rara
Como a flor que vive
Na fenda da calçada.
O seu perfume é livre,
O que a amizade exala.
Mesmo que alguém a pise,
A essência é conservada,
A emoção persiste,
A voz então se cala,
A mão tenta ser firme
Enquanto à flor ampara.
A tudo, enfim, resiste,
A essência que é da alma
E nunca deixa triste
A esta que te exalta.
Essa amizade existe
E cede-lhe a palavra.
Vai minha amiga,
Fala.
Secretária
Adentro a sala fria.
A moça educada,
Deseja-me um bom dia
Enquanto me intercala:
Senhor, do que precisa?
Senhora, tenha calma!
A todos atendia
Com paciência rara.
O coração seu guia.
A devoção, a estrada.
Seu sorriso servia
Para acalmar a alma.
Uma pessoa havia
Além da secretária.
E quando eu saía,
Pensei cumprimentá-la.
Ela se antecipara
A me dizer bom-dia.
Numeral um
Eu atribuo
Minhas palavras ao poeta.
Uma espera
Numa tarde em jejum.
Nós como dois,
Dividimos.
No que dera?
Apenas um.
Eu me situo
Nas medidas de uma régua.
A mais complexa
Ou talvez a mais comum.
Sou menos um,
Minha conta se completa
Com menos um.
Eu me anulo
Numa soma que me zera.
Um dois que nega
A existência de mais um.
Sou incomum,
Tabuada que ainda preza,
Numeral um.
Nada além
Eu não sou nada
Além de tudo que eu sou;
Um intelecto
Formado de matéria,
Um esquelético
Nascido na miséria,
Um ser estético
Movido por rancor.
O meu valor
É a medida do que tenho.
O meu empenho
É a busca de quem sou.
A minha dor
Não é apenas fingimento.
O meu intento
É tornar-me um vencedor;
Por não ser nada
Além daquilo que eu sou.
Tenda
Meu coração submerge
E emerge
Num mar de sangue,
A chamar pelo seu nome
Para falar de amor
Através de um beija-flor
Que se feriu no jardim.
Desse amor
Que para mim,
Foi uma lápide sem flor.
Uma lenda
Que no fim,
Numa tenda,
Só,
Sem mim,
Meu cadáver,
Sepultou.
Nem você, nem eu
Eu poderia morrer
Sem saberem de mim.
Entre o parto
E o fim
Eu seria você.
Sem lutar,
Sem vencer
E sem nada a dizer.
Se eu não fosse você,
Quem seria,
Enfim?
Sendo assim,
Eu não tenho que ser
Nem você,
Nem eu mesmo
Para mim.
Indiferença
Todas as vezes que eu choro,
Retiro cloro
De minhas lágrimas.
Todas as desgraças
Em meus poros,
Não se comparam às de minh’alma.
Todas as casas
Em que moro,
Perco, eu próprio,
Coisas raras.
Todas as damas,
Todas as camas,
São como a chama
Que se apaga.
Todos os ombros
Que me escoro,
Que rio e choro,
Não são nada.
Não me suporto
E não me importo,
Se fica ou passa.
Ambos II
Porque sentimos tanto
Se somos tão pouco?
Amar como louco,
Entre sorriso e pranto.
Esperar enquanto
Há rugas no rosto,
Orgulho, desgosto,
Certeza e engano.
Porque sentimos tanto
Se somos tão pouco?
Um procura o outro
E assim, somos ambos.
Dedos
Meus dedos pedem mais
Que o coração implora.
Escrevo a toda hora,
A procura de paz.
Meus dedos querem mais
E sufocam agora
Nos nós de uma corda
Que balança atrás
De minha cabeça.
Que a tudo esqueça,
Que suba,
Que desça,
Que oculte o segredo.
Os meus próprios dedos
Escrevem minha sorte.
Talvez, minha morte
Revele o meu medo,
Meus dedos
E nada mais.
Quadro negro
Por trás das portas de um segredo,
O meu medo
De abri-las
E ouvir palavras frias
De mim mesmo.
Muitas vezes, me esqueço
E passo os dias
Preenchendo horas vazias
De desejo.
Reescrevo
Nesse imenso quadro negro,
Minha vida.
Quem viria
Me apagar da agonia
De sabê-lo?
Formigas
O que fazem as formigas
Em seus dias
De trabalho?
O que fazem lá embaixo?
Não me diga.
Somos as mesmas
Indecisas,
A marcarmos nossos passos,
Inimigas.
O que fazem as formigas
Com ferrões aguilhoados?
Somos nós mesmos ferroados
Pelo ácido da vida.
Não me diga
Que as formigas
São os homens disfarçados
De formigas.
Pedaço de sonho
Um pedaço de sonho
É maior que a realidade inteira.
Não existe maneira
De manter-me acordado.
E no sono velado,
Eu alcanço a fronteira
Onde a alma espelha
Meu mundo imaginado.
A penumbra e o silêncio
Acomodam meu sono.
Sob o mesmo, componho
O mais nobre e extenso
Sonho,
Denso,
Que me afunda pelo tamanho
Do tempo.
Diagnóstico II
Ainda sinto meu pulso
Na ponta do dedo
Polegar.
Não consigo enganar
A mim mesmo,
Nem guardar em segredo
A minha doença.
Sou um homem sem crença.
Não prometo
E nem perco o meu tempo
A rezar.
Já não posso chorar
Por ter os olhos secos.
Mas minha garganta,
Desejo
Molhar.
Minha pele amarela
Como a chama da vela
Dá-me um prognóstico:
És um jovem alcoólico
Que quer se matar.
O problema é cirrose,
Diz o diagnóstico.
A bebida é mais forte
Que meu mal-estar.
Minha última frase:
-Dei-me um copo.
Parti sem remorso.
Um carrasco a se vitimar.
Uma pegada no jardim
Qual a última palavra
Que eu diria?
Não seria
Uma promessa ou uma jura
Nem tampouco,
Mesmo rouco,
Pediria
Eu desculpa
Nem perdão.
Diria com certeza:
- Não.
Em seguida, um silêncio.
Não há lenço
Que enxugue minhas lágrimas
Que tão raras,
Só chegaram-me no fim.
Nem a mim,
Solitário,
Sirvo para companhia.
Não diria
A ninguém que sou assim.
Cai em cascata
Sobre a cabeça aflita,
Minha vida
Estendida aos pés da morte.
Minha sorte
Como couro em estaca.
Acho graça,
Nessa última gargalhada,
Ver meu fim
Numa pegada
Esquecida no jardim.
Sonhos II
Metade de meus sonhos é realidade.
A outra metade
Eu apenas sonho.
Componho os meus dias
Como se verdade.
Mas, na verdade,
São apenas sonhos.
É tão real meu sonho
Que creio acordado.
O que é real de fato
É o que não sonho.
E tudo que não sonho
É imaginado.
Assim, sonho acordado
E ao dormir não sonho.
Louca varrida
Fui moça bonita,
Pura.
Ilusão perdida.
Sua
E de tantos outros.
Fui resto de vida.
Santa.
Puta atrevida.
Tantas
E morri só,
Louca varrida.
Nas urnas
Feliz,
O homem que não cala em sua boca,
A dor alheia
E que semeia
A uma e outra pessoa,
A força que ainda rasteja
Em si mesma.
A chama de ódio encandeia.
A fuga
Se torna cadeia,
aldeia
de ferro forjado.
O homem que luta
Ao lado,
Sob a velha casa
Sem telha,
D’aquele que é enganado,
Que voa sem asa,
Pelado,
A vida inteira.
Feliz,
O homem que chora calado
Enquanto não vê resultado
Nas urnas
Do próprio país.
Madalena
Você não é
Alma à toa,
Não é sua escolha
Ser o que é.
Mas, se machuca,
Peca e perdoa.
Não se desculpa
Por ser pessoa.
Por não ser outra,
És o que é.
Você não quer
Ser pouca,
Louca.
Tira a roupa
Pra ver se é.
É um estado de semelhança,
Uma lembrança
De ser criança,
Gostar de dança
E de balé.
Você quem é?
Imagem inversa,
Gente perversa
Que julga a fé
Que lhe condena,
Culto, novena,
A madalena
Que é José.
Queixa
Não queira resumir minha culpa
A uma sentença,
Enquanto tua mão me acusa
Posta sobre a jura,
Mãe de tua crença.
Renego teu amor beato,
Teu pudor ceifado
Pela tua ofensa.
Não me verás ajoelhado
Nem súdito dessa tua crença.
Se dessa forma tu não pensas,
Não queira me ver condenado.
Assino essa minha queixa
De um cadáver que deseja
Ser ressuscitado.
O boi
O que o homem vê
Com o seu olho fundo?
Quando não vê o mundo,
No fundo, ele não crê.
Quando não quer morrer
Pede socorro a cova
E quando vai embora
O chão ele quer ser.
Na grama do jardim,
Ele é pasto agora.
O boi o come outrora;
É comido no fim.
Poema discurso
Entre vestes,
Desfilamos nossas mágoas disfarçadas em sorrisos.
E com fios invisíveis fazemos nossos laços sociais.
Sejamos mais que pais,
Sejamos amigos.
E que então nossos sorrisos
Sejam afetos mais carnais.
Não importa no que você acredita.
Tão interessante é a vida,
Que tivemos nossas noites mal dormidas
Por capricho de um filho ou de uma filha.
O evento propicia
Ostentação
Do que aparentamos ser.
Mas, somente nas ações
Tendemos a transparecer.
Não importam nossas finas vestimentas.
O esnobe será sempre o mais pobre,
Pobreza de consciência.
Não julguemos pela primeira impressão.
Se olharmos com atenção,
Talvez vejamos solidão e/ou tristeza.
Façamos nossas mesas,
Ao redor, nossas crianças.
Que enorme discrepância
Na distância de nossa maioridade
A essa tenra idade,
A infância.
Vejam quanta elegância,
Não no traje;
O que na verdade encanta é a criança,
Seu sorriso e a esperança,
A ingenuidade dos sonhos e a amizade.
Eis o que nos deixa com saudade do que fomos,
Ao que somos,
Nunca é tarde.
Nossos planos
São projetos de suas vidas.
Que essa noite nunca seja esquecida.
Que algum dia,
Mesmo com a vista cansada,
Por velhas fotografias seja uma data relembrada.
Um dia, alguns anos pela frente,
Com opiniões divergentes,
Não serão tão diferentes do que somos.
Suas vozes terão um tom de censura.
Suas alturas sentirão o peso da vida.
E que cada um decida
Qual caminho irá seguir.
Não sabemos se ouviram nossos conselhos,
Que em primeiro
Está sempre o respeito
Às enormes diferenças.
Não importam quais as suas divergências.
Mas que tenham consciência,
Prudência e decência em si mesmos.
Já que ao tempo não importa a idade,
Temos que lhes mostrar a verdade
Que somente o conhecimento dá ao homem Liberdade.
Mundo ilegal
Eu verso
Sobre aquilo que mais prezo
No verso do caderno temporal.
Comparo o meu normal
Ao seu inverso,
Um menino sem nome,
Um homem
Sem moral.
Eu vejo o meu filho com fome
Nos olhos da criança que pede.
Eu vejo o meu filho com febre
Na porta do hospital.
Eu vejo o mal
Que atravessa o seu caminho;
Nunca o deixarei sozinho,
Pois o mundo é ilegal.
Estrela solar
Não precisa ostentar
O que tem;
Não há ninguém
Que consiga ofuscar.
A não ser que ostente o bem,
Pois outro também
Ostentará.
Eis que o mundo assim tornar-se-á
Uma estrela solar
Que não vem
Ofuscar a ninguém,
Pois o bem
Tende a iluminar.
Capricho natural
De que importa
O que visto,
Se o meu corpo
É um capricho
Natural.
Mas se o mundo é formal,
Meu juízo
Não aceita o que digo:
-Sou normal.
Minha escola,
Esse mundo perdido.
Meu gemido,
Um afago carnal.
O meu mal
É o silêncio obtido
Com a força de um grito
Animal.
Até o fim
Busco o prazer
Para viver.
Busco o prazer
Até o fim.
Busco o prazer
Só para mim
Como você
Busca o prazer
Que há em mim.
Busco o prazer
Para mim, e você
Busca o prazer
Por ser assim.
Busco em você
Todo o prazer
Que há em mim.
Buscamos nós,
Quando a sós,
Eu e você,
Para poder
Vivermos
Até o fim.
A esfera
Plantaram-me numa ilha
Que gira sem parar.
Quiseram me enfeitar
De margarida.
O olhar fingia
Denunciar.
Entre o sol e a lua
Eu vivo a girar
Como quem brinca,
Ainda criança,
Ciranda, ciranda.
Pele vermelha,
Negra, amarela,
Branca qual vela
Ao mar.
Podem gritar:
- À vista, terra!
Uma esfera
Sempre a girar.
Plural eterno
Aos teus olhos
Eu sou plural eterno;
Mais de um verso,
Uma composição.
Uma mão
Estendida e tão perto,
Quase toca o próprio coração.
A ilusão
De quem ama a carne
E o verbo.
Numa tarde,
Explode de emoção;
Estilhaços dispersos no universo,
Num regresso
À fonte da razão.
Aos teus olhos
Eu sou plural eterno;
Mais de um verso,
Uma composição.
Dois pedintes
Onde está Deus
Enquanto eles caminham?
Um pedaço de lenho preso na axila pelo braço,
Uma sacola na mão;
Eis nosso Adão.
Eis nossa Eva
Com um saco de plástico.
Há luzes nas árvores.
Está próximo ao natal.
Não me sinto mal.
Mas, emudeço em minhas frases.
Tenho certeza que ele não existe.
Porém, fico triste
Por eles acreditarem
Que não estão sós.
O viúvo
Bela dona, eu ainda te procuro
No meu quarto escuro
Em silêncio.
Volto ao tempo,
Bem antes de meu luto.
Minhas lágrimas, enxugo
Com o vento.
O teu rosto moreno
Vejo em vulto.
Não desculpo
O meu triste pensamento.
Um tormento,
A ilusão que eu desfruto.
Eu desfruto
De todo amor que tenho.
Atenho-me a tua alma em sussurro
E descubro
Que enfim, estou morrendo.
Soma sem resultado
As mulheres nos singularizam
À beleza,
Às costas nuas
E aos seios parcialmente à amostra.
De que gosta
Cada uma,
É impossível compreender;
Seus caprichos,
Seus delírios emocionais,
Seu eterno devaneio
Á procura de um príncipe encantado.
Nos esforçamos,
Mas só conseguimos ser
Um lacaio
Que abdica de seu intenso desejo
De beijos e mortificações
Na loucura de amar.
Somos um mar
Sem ondas;
Somos uma soma
Sem resultado.
Carta de baralho
Cada carta
Talvez estipule sua sorte.
Porém na morte, não há cartas de baralho,
Há dores e recatos.
Vencer o jogo da vida
Não é superar adversários,
É simplesmente viver.
Na vida,
Para vencer,
É preciso bem mais que uma cartada a tempo,
É preciso reflexão e silêncio.
Volta ao tempo
Meu verso triste
Prova que em mim ainda existe
Um coração ciumento.
Aprendi a dominar o vento
Com a mão,
O pensamento e um fino assobio;
Que apaga o pavio
De uma velha e suja lâmpada.
O antigo alpendre
Prende tantas esperanças
Quantas lembranças
Que o frio vento da noite
Traz para me consolar
No pequeno e doce lar
De minha infância.
Minha alma aflora
Em cima da hora.
Do que importa a distância
Entre o que sou agora
E o que fui outrora.
Decurso
Saudemos ao tempo de convívio
No qual desfrutamos do apreço recíproco,
Esse laço contumaz
Que prende nossas vidas em um enorme presente,
Por muitos natais.
Quantos ais
E ilusões pendentes
Pelas diferenças que nos fazem iguais.
Saudemos com o cálice da paz.
E que nossos desafetos, mágoas e ressentimentos
Sejam suplantados pelo tempo
De carinho mútuo e de harmonia.
Que deixemos de lado nossa aleivosia
Que consome aos outros, menos que a nós mesmos;
E evitemos, assim, exprobar o caráter alheio.
Saudemos ao que temos
De melhor em nós
Que é o sentimento
De aceder-se ao próximo pela voz
E pela enorme necessidade.
Somos uma família sem laços de sangue.
Somos um enxame
Em laços de amizade.
Que cada um de nós,
Mesmo a sós,
Acredite nessas palavras serenas
Que enaltecem o poema
E exaltam essa enorme ternura
Engrandecendo o mundo.
Poema de Cibele
Recebi como uma reverência
De uma amiga que me deixou lisonjeado,
Um poema que talvez inacabado
Merecesse uma extensa.
Hei-lo linha a linha:
“Para o poeta-louco-arretado-apaixonado
Que por suas mãos conduz o cabaz que esconde a opalina.
Mas que mãos,
As mãos de alegres negras africanas
Ou as mãos brancas lavadas em águas cearenses,
Ou quem sabe,
mãos ensaboadas e perfumadas em caras essências?”
Sou poeta,
Sou louco e apaixonado;
Arretado foi sua benevolência.
Por minhas mãos
Foi cabaz manufaturado
E enfeitado
Com frutos de minha demência.
A opalina
Nos ofusca a retina.
Mas que mãos?
De alegres africanas?
Não em camas.
As mãos brancas
Foram lavadas na lembrança
Em águas cearenses,
Cristalinas;
Ensaboadas e perfumadas em caras essências
Na incidência
Das poesias minhas.
Soneto do corsário
É tão difícil andar em linha reta
Por sobre a tábua à borda estendida,
Onde a lâmina afiada da vida
Nos força a agir com tanta pressa.
Escutar o vento sacudir a vela
Para saber da caravela a direção.
Em braçadas que aceleram o coração,
Essa sublime embarcação que nos carrega.
A talvez morrer na areia que enterra
A esperança que se torna alucinação;
Uma falsa intenção dada por certa.
Para vencer a solidão, o amor à espera.
A mais intensa força de impulsão
De um corsário que à razão nunca se entrega.
Há alguns anos
Nos dispersamos um dia,
Há alguns anos atrás,
Numa viagem que nos trouxe emoção por demais;
A viagem da vida.
Enfim, nos encontramos
No caminho
E voltamos
De alguma forma ao nosso embarque,
Onde éramos meninos.
Talvez não tenhamos
Realizado nossos sonhos.
Mas ultrapassamos
As barreiras das adversidades
E galgamos
A escalada rumo à felicidade
Realizando o sonho de outros meninos,
Nossos filhos
Que trilham
Os mesmos caminhos
E que também não se dão conta
Da extraordinária onda
Que é a juventude.
O tempo é impiedoso com o corpo.
No entanto, generoso com o espírito.
A inquietude de nossa juventude
Tornou-se reflexão e equilíbrio.
É imensamente gratificante
Poder reencontrar nesse instante
Cada um daqueles meninos
De tantos anos atrás,
Transformados em homens e pais,
E principalmente com o mesmo vínculo,
O da amizade.
Que nos vejamos
Com mais brevidade,
Pois que o tempo
Não nos dará tantos anos.
Há 25 anos
O calendário nos dá o tempo exato.
De fato,
Foi há 25 anos.
Em planos,
Destinamos nossos atos.
Em enganos,
Nos mostramos mais humanos.
A saudade
Perpetuou a amizade
De jovens que queriam vencer.
Não importa hoje, a realidade.
Na verdade,
Um deles era você.
Data expressiva
O natal, assim, seria
Uma data expressiva
Onde se anuncia
A vinda de alguém;
Onde se diz amém
Quando se negocia.
A estrela que é guia
No céu de Belém.
Mas, criaram também
Um velhinho com barba
Que com sua risada
Conquistou as crianças.
Hoje, tudo é lembrança;
Menos a esperança
Que o natal seja dança
Do bem com o mal.
Não exclua ninguém
E diga também:
-Tenha um feliz natal.
Luz de minha razão
Não acredito em céu
Por estar preso a terra.
Não acredito no papel
Da predestinação.
Eu temo a escuridão
Da morte eterna.
Porém, diviso uma chama
Que é tenra e bela,
A luz de minha razão.
Não acredito em pecado.
Porém, em erro e engano.
Não acredito em dom e/ou fadário.
Mas, em instinto humano.
Não acredito em um plano
Já traçado.
Mas, no incrível acaso
Da mais sublime união
Com a luz de minha razão.
Eu acredito em perdão
Por que sou falho.
Às vezes, sofro e calo
Por uma grande emoção .
E nesse amor tão altivo e venerado,
Não sou um louco isolado
Por ter você ao meu lado
Que é a luz de minha razão.
Envelope
Eu violei o envelope
E nenhuma carta havia.
Serei um louco que foge
De sua própria agonia
Em uma tarde chuvosa,
Em uma noite sombria,
Com sua face chorosa
Pela melancolia
De um amor que não foi rosa;
Mas, desabrocha um dia
Qual envelope violado,
Vazio e endereçado
A uma casa vazia.
Estrutura
Amar assim talvez seja loucura.
Mas é tanta ternura
Que vale a pena sofrer
Por você,
Minha estrutura.
Jamais terei sua altura
No equilíbrio de ser.
És a força que me abusa,
Põe minha mão sob a blusa
E me faz enlouquecer.
És aquela que me acusa
Por retê-la pela cintura
E fazê-la em mim, doer.
Quero morrer
Sob a jura
Da enorme estrutura
Que é você,
Que ainda pede desculpa
Pelo tanto que me culpa
Por não deixá-la viver.
Tarde demais II
Da morte, sou o veneno.
E do veneno a dor
Em gotas que colocaste
No cálice
Que se quebrou.
Depois de seu estertor,
Caio num enorme silêncio.
Pela janela, o vento
Carrega o cheiro do amor.
Estás em paz,
Em meus braços,
Sem os mais falsos abraços,
Sem o menor dissabor.
O poder feminino
O poder feminino
Que me transforma em menino,
Que me cativa,
Que me leva a concordar
Na delicia
Do mais puro manjar
Que ela quer me servir,
Ainda o posso sentir
No estranho ofegar.
Quando tento mentir,
Ela me faz calar
Com o olhar
A se dilatar
Em mim.
Pólos ativos
Eu sinto sua falta
Tal qual a falta que faz
No desenho, a cor.
Eu meço o meu amor
Do tamanho da razão,
Que sem ela, enlouqueço.
Você, jamais eu esqueço,
Mesmo
Na mais estupenda alegria
Ou na eterna agonia
Do silêncio.
Meu verso, não me surpreendo,
Sua ausência o instiga
A reverberar sobre a viga
Do meu triste pensamento.
Louco,
Se não o entendo.
Pouco,
Se falta me faz.
Você talvez seja mais,
Enquanto eu sou o de menos.
No amor,
Pólos ativos seremos.
Desencontrados sinais.
Fonte eterna
Sou capaz de ser feliz.
Mas, às vezes, por um triz
Perco o desabrochar da flor
E o doce beija-flor
No vôo nupcial
Que beija o bem essencial,
A fragrância parcial
Que é exalada da flor.
Desenho e pinto a sua cor
Numa figura que é bela,
Com a instigante aquarela
Que é o amor.
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