D. Glória representava uma oportunidade de aproximação com Bentinho, por isso minha presença pouco a pouco estava mais requerida e alegremente aceita. Manhãs inteiras, ao me entregar as conversas de D.Glória, ao me envolver nas mais puras artes da convivência, passava também a coser os pratos prediletos da nova família.
Nas longas manhãs, comecei a tomar conhecimento dos perfis existentes naquela espirituosa casa. Esses perfis foram alvo da minha ligeira adaptação, porém ao fitar uma dama, que com seus olhos perspicazes pareciam fazer de mim secreto juízo, tomei nota de seu nome. A mesma se chamava Justina e parecia dotar de uma natureza arguta e assaz rude, a dita prima de Bentinho parecia não me execrar por completo, porém sua feição pedia distância, qual estranho habitat a ser veemente respeitado.
Na opulenta decência procurei parecer lhana, de tal forma que as francesas fugas de Justina, representassem uma formidável oportunidade de perseguição, que ao em vez de transparecer repetida inconveniência, poderia ser justificada por uma aparente simpatia.
Em certa manhã, D. Glória e eu estávamos conversando sobre sua pretérita enfermidade, quando Justina impulsivamente sentou ao nosso lado. Depois de um quiescente longo estado, indagou a misteriosa investigadora :
- Vossa súbita patologia, Glória, denotou em meu coração profunda tristeza, tanto que nas mais longas noites me detive preocupada com seu estado; porém a bênção de nosso Senhor logrou-nos com sua rija saúde.
- Disso não poderia estar mais certa, Justina. Minha rija saúde pode ser resultado de diversos caprichos, porém não devo descartar o criador desses cuidados. Que achas Capitu ?
- Creio que vossa saúde seja arte concebida unicamente de suas ações – disse rapidamente sem perceber a inesperada resposta que os dois pares de olhos tanto estranharam – Porém, como ja foi exposto, o Pai de tudo influencia.Mas, diga-me D. Glória, se sente melhor agora ?
- Muito melhor Capitu, porém o curso das mazelas humanas representam vasta torrente, que sua imprevisível rota abre espaço para todos os tipos de prevenções. Por isso mesmo, gostaria que além de amiga, vossa eloquência representasse para mim segura enfermaria. Que dizes?
Fitando a esperança de seus grandes olhos, a negação de tal pedido representava uma rude escolha. Porém, ao fitar Justina, seus olhos simbolizavam admirável espanto, de tal forma que toda sua expressão clamava por minha negação. A origem dessa ânsia, eu instantaneamente notara. Parecia que Justina guardara algum tipo de ressentimento para com minha pessoa, e se minha premissa configurasse uma mínima verossimilhança, não exitaria em me aproveitar disso para me aproximar de D.Glória e Bentinho. Um sensato pensamento, porém, fez-se necessário para minha decisão, se minha presença fazia-se tão importante para meu intento, deveria cada vez mais me aproximar da estranha família. Em nome disso, subitamente indaguei :
- Sem dúvida alguma, D.Glória, será um prazer gozar de vossa companhia – disse ao perceber o intransigente olhar de Justina – Bem sabes tu, que ao contrário de muita gente possuo as mais puras intenções com minha amizade – nesse exato momento a expressão de dúvida na tez de D. Glória se fez presente, porém, qual sofista a argumentar uma perigosa premissa, achei melhor ignorar aquele forte semblante. Justina já havia abandonado a provocante conversa, seu inesperado percurso não consegui analisar habilmente.
As batidas do relógio marcaram minha saída daquele cenário. Rapidamente já me encontrava de pé abraçando D.Glória, que já se recolhia a seus aposentos. Abruptamente Justina me abordou, indagando o quão agradável foi minha presença.
- Capitu, agradeço-te por aceitar tão alegremente a proposta de nossa amada D.Glória. Mesmo que vossa estadia aqui não represente quaisquer danos para seus afazeres domiciliares, visto que aparentemente não os detêm; tu não precisavas abarcar tão carinhosa tarefa. Pessoas como tu, Capitu, são alvo de diversas indagações, e mesmo assim conseguem tudo o que querem. Ora, não precisas fazer tal sacrifício para alcançar seus objetivos, o que tiver de ser seu, sempre será. Essas palavras não necessitam de profundo esclarecimento, visto que sabes exatamente a que me refiro.
Após estranha preleção, Justina, afavelmente abriu espaço para minha retirada. Em passos rijos, me afasto da perigosa observadora, que não mas investiga, mas afirma . Assim, questionando minhas próprias indagações, o caminho para casa configurou um longo momento de reflexão. Necessitava remanejar minhas ideias, e configurar um novo esquema para alcançar meus objetivos. A lua, divina musa inspiradora, foi a principal espectadora de minha brilhante ideia...
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