“Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; e porque estreita é a porta, e apertado o caminho que conduz à vida, e poucos são os que a encontram.” (Mt 7:13,14)
O som da senha fez o sábio sair de sua introspecção para verificar se era sua vez. – Mais um número, graças a Deus e poderei matar quem está me matando. Foi quando se lembrou que aquela senha era a do simples. Foi quando viu o simples beijando as mãos de uma das moças, antes de se levantar para buscar o pedido, juntamente com o seu amigo.
- Gatinha, este é sua escolha, disse o simples para Rose. Ao que ela replicou – minha escolha é você, meu gato. Mesmo passando a bandeja para ela, a sua aliança parecia não lhe incomodar mais. Sentia-se seguro para continuar se insinuando, mesmo porque a grandiosidade daquela praça de alimentação lhe dava a impressão de um anônimo no meio da multidão. Aquele shopping era distante de sua residência, bem como de seu trabalho, não esperava cruzar por nenhum conhecido.
O pecado é assim, insistente, sempre cobrando o objeto de sua cobiça. Mesmo relutando dentro de si, ainda assim os que permanecem sob suas garras teimam por fazer o que absolutamente não desejam. Paulo definiu esta sensação nas seguintes palavras:
“Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está” (Rm 7:18)
O pecado nasce no coração, mas encontra sua forma plena nas atitudes, quando o desejo proibido se consuma (Tg 1:15). Neste estágio já não importa mais o que os outros pensam, mas o que se pretende fazer. Para tudo se encontra uma resposta que justifica, que explica sua própria atitude. – Ainda que eu fique com ela hoje, amanhã tudo termina como a nuvem que desvanece no ar. Então posso voltar a me concentrar nas coisas de Deus. O Senhor me entende, sabe que a carne é fraca. Concluiu consigo o simples. Em situação análoga a esta, Saul disse a Samuel:
“Porquanto via que o povo, deixando-me, se dispersava, e que tu não vinhas no tempo determinado, e que os filisteus já se tinham ajuntado em Micmás, eu disse:
Agora descerão os filisteus sobre mim a Gilgal, e ainda não aplaquei o Senhor.
Assim me constrangi e ofereci o holocausto.” (I Sm 13:11,12)
Saul se constrangeu, em outra versão, se violentou, isto é, deixou de lado à mudança que se processara em seu coração (I Sm 10:9), a inclinação que o conduzia a vida e consumou o pecado. Esta atitude foi considerada por Samuel como um ato de profunda insensatez, visto não ter guardado o mandamento do Senhor, perdendo a oportunidade de ter sido seu reino confirmado para sempre (I Sm 13:13). O Senhor, tratando da mesma questão, alertando que o homem é conhecido por seus frutos, declarou aos que pregavam em seu nome, expulsavam demônios ou ministravam curas e milagres:
“Então lhes direi claramente:
Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.” (Mt 7:23)
O simples sentia-se, de certo modo, constrangido, todavia prosseguia no cotejar a moça. Num dado instante observou que o homem que encontrara na fila, cuja palavra calara fundo em seu coração, acerca do caixa, estava numa conversa animada com seu amigo. Não pode deixar de sentir um pouco de inveja.
– O que mais me impressionou no homem sofrido e desprezado foi seu convite: “Vinde a mim, todos os que estai cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mt 28:11), dizia o sábio ao Rogério. Foi quando Rogério abriu seu coração – Vou ser sincero a você, amigo, nunca me senti bem sendo sarcástico com as pessoas, só que nunca soube como fazer para ser diferente. A sensação que eu tinha era o de ter nascido desse jeito.
– Rogério, este é o grande lance da regeneração, ter nossa natureza transformada pelo poder de Deus. Nós nada podemos fazer por nós, nossa capacidade vem de Deus (II Co 3:5). – Ademais, continuou o sábio, o perdão que recebemos da parte de Deus nos permite ser realmente uma nova criatura, sem nada dever ao nosso passado. Antes é por termos sido terríveis pecadores que damos valor a grandiosidade da graça que recebemos da parte de Deus.
Enquanto testemunhava do amor de Deus ao seu amigo, o sábio percebera o quanto ele próprio fora transformado por este poder. O amor fraternal que sentia por seu amigo lhe comovia suas entranhas. Ele sabia que o Senhor dera sua vida por todos, mas ele próprio sentia de algum modo responsável pelo destino eterno de Rogério. Ele sentia que lhe era dado a obrigação de pregar o evangelho, sabia que não podia gloriar-se por esta missão, (I Co 9:16) pois fora resgatado do lamaçal do pecado. Todavia sabia, ao mesmo tempo que o evangelho era o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1:16).
O evangelho primeiro move o coração do cristão para o exercício da compaixão de seu semelhante, antes de voltar-se para o amor que se estende por todo que precisa de salvação. Se alguém não é capaz de amar seu irmão a quem vê, como poderia amar a Deus que não vê (I Jo 4:20), argumentou o apóstolo João, chamando atenção para a necessidade de compartilhar Cristo com seu parente, seu amigo, seu familiar mais chegado, antes de aventurar-se por missões. O Evangelho sempre começa por Jerusalém, por aqueles que estão próximos do cristão.
Sábio e seu amigo prosseguiam conversando sobre o poder de Deus enquanto dirigiam-se à escada rolante. Tendo pisado no primeiro degrau, viu logo atrás de si os dois casais, percebendo um ligeiro constrangimento no semblante do simples, quando seus olhares se cruzaram.
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