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BRUACAS
as malas de couro cru
Adalberto Antonio de Lima

Resumo:
Mesmo quando acaba o perfume, o zeloso frasco ainda guarda por muito tempo o cheiro

As lembranças da fazenda Campo Grande ficaram gravadas como inscrições rupestres nos anéis da memória de Corina: o casario, o gado espalhado na pastagem, e a aurora chegando no leite mugido pelo vaqueiro na casinha de curral. Mineira de parto, gerada e crescida nas Gerais de Minas, quando morreu o marido, Corina mudou-se para o Rio de Janeiro, com Dulcineia ainda nos cueiros, e Chanana a mameluca de doze anos que pegara ainda pequena para criar.
A viúva arrumou as malas de couro cru, pôs em cada bruaca um pouco de goma, farinha e carne seca.   Vendeu tudo que tinha: porco, galo, pavão, peru e galinhas; cavalos, ovinos e todo o rebanho de gado vacum. Vendeu também por pouco dinheiro a coleção de livros que Cláudio tinha e a fazenda que cobria grande parte do chão banhado pelos rios Juramento e Saracura. Escondeu na matula o dinheiro apurado e tomou o trem na estação de Montes Claros com destino ao Rio de Janeiro. Na cidade grande, nem cogitou Copacabana ou Ipanema. Preferiu sonhar verde e morar na Tijuca, que lhe remonta lembranças de Campo Grande. Saudosas lembranças também ela tinha do coco que Zé cantava a Mirabela e de todas as coisas belas de Minas. Minas tem poeta, boa cachaça e artistas famosos nascidos naquele chão. Tem Carlos Drummond, João Guimarães e o Santos, pai da aviação. Foi em Minas que Cláudio Manuel conquistou Corina, a glória que a Vitória da Conquista na Bahia, não lhe ofereceu. Ela nunca esqueceu a cena de morte quando Cláudio perdeu a vida e a vaca, numa encenação de campeio. Ninguém acreditou na versão que o baiano morreu no breu da noite, acidentado em um toco. Aquilo foi rixa com confrontantes! Sumia galinha da fazenda e as frutas desapareciam da chácara de Cláudio. Também o leite sumia. A vaca que dormia de úbero cheio, acordava vazia.
Vaqueiro Zenofre contava à peonada e a filha do vaqueiro assuntava atrás da porta: “Morte besta teve seu “Claude”. Tudo por conta de uma aposta com o primo Joaquim. “Claude” casou Mimosa, a vaca que mais leite dava na fazenda, a troco de um rufião chamado boto-cor-de-rosa que nunca gerou uma cria. Claude dizia que Durão Preto não ganhava. E quando Preto ganhou a eleição de Juramento, para honrar o nome, quis Claude entregar Mimosa e montou Xerém, burro brabo, amansado sem amansar. Asneira! Dizem que morreu estrepado num toco. Aquilo foi golpe de peixeira...
No velório de Cláudio,   a viúva mandou servir chá com biscoito e dias depois, surgiu o zunzunzum que o homem era santo, porque doentes obtiveram cura de resfriado, bronquite e reumatismo, depressão e muitos males respiratórios depois de tomar chá-de-defunto.
Vaqueiro Zenofre também sofria a perda do patrão, mas se sentia aliviado, porque a partir de então, cessariam os comentários dos filhos da outra a respeito do mal procedimento da índia que ele tomara por esposa. Os homens do tijupá que esperavam pela refeição que Apinajé levava, sempre reparavam nela o cabelo assanhado, dourado de folha seca e diziam entre si.
— Zenofre é negro retinto ajuntado com uma índia. Não deveria a filha ser caburé?
— Pois é...Mas é branca de cabelo liso. Cruz credo! Arrenego...


Biografia:
Adalberto Antônio de Lima, aposentou-se como funcionário do Banco do Brasil, quando então, retomou sua vocação literária. Participou da Bienal Internacional do Livro de São Paulo em agosto de 2008 com quatro títulos. É coautor de diversas antologias e conquistou com o tema “Percalina Verde-drummond” o prêmio de melhor crônica, concedido em novembro de 2009 pelo Projeto Delicatta IV.Posta seus trabalhos em diversos sites:Usina de Letras, Recanto das Letras, O Melhor da Web e Portal Literal, tendo alcançado em dois anos mais de um milhão de acessos.
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