... À noite, a turma se reuniu na pracinha, conforme ficara combinado naquela manhã, lá no campinho:
- Tá todo mundo aqui..., só tá faltando a Ritinha! – Disse João;
- Ela que combinou o horário, e é justamente a que está atrasada! – Augustinho olhou pro relógio;
- Calma galera; daqui a pouco ela aparece..., só quero ver, como é que a gente vai entrar no quintal daquela doida! – Marquinhos não estava feliz com a ideia, mas não queria passar por covarde.
A turma já estava achando que a Ritinha não iria aparecer, e discutiam sobre ir até a delegacia ou não, quando ela surgiu, com uma picareta, uma enxada e sacos nas mãos:
- Desculpa o atraso galera, mas eu precisava fazer uma coisa antes! – Disse ela lançando ao chão a picareta;
- Tava pensando que você não viria mais! Pra que essas coisas? – Perguntou João;
- Antes de vir pra cá, eu passei pela casa de Dona Maria e olhei o muro; o melhor lugar pra gente escachar ele, é na parte que dá lá pro mato! – Disse ela, tomando a direção do plano;
- Mas fica justamente, perto da ribanceira e a gente, vai ficar no fundo da casa e não a onde nós vimos ela enterrar o corpo do filho! – Disse Marquinhos;
- Em primeiro lugar; se queremos descobrir alguma coisa, é pelo fundo da casa que não seremos notado, e em segundo; acho melhor parar de falar que ela matou alguém, até descobrirmos alguma coisa! – Concluiu Ritinha;
- Como vamos escachar o muro sem fazer barulho? – Perguntou João;
- Por baixo! Vamos fazer um buraco por baixo da sapata! – Ritinha gesticulou as mãos, desenhando no ar, o que ela acabara de dizer;
- E o buraco? Dona Maria não vai ver o buraco no muro? – Perguntou Augustinho;
- É por isso que eu trouxe esses sacos; vamos colocar capim seco dentro deles e terra nas bocas do buraco para disfarçar! – Ritinha distribuiu os sacos entre eles e rumaram para o fundo do muro da casa de Dona Maria.
Enquanto ela e alguns dos meninos enchiam os sacos com o capim seco, coube a João e Marquinhos a tarefa de cavar o buraco sob o muro, já que eram os mais velhos e com mais condições físicas para tal! Os meninos já estavam acostumados ao serviço braçal, afinal, sempre cavaram poços artesanais e trabalhavam no roçado. Ritinha voltou pouco tempo depois, carregando os sacos com os outros meninos; observou o buraco, e pediu para que eles alargassem um pouco mais. Terminado o serviço, colocaram os sacos no lugar da terra e cobriram a entrada do buraco com uma camada fina da própria terra que sobrou:
- Não vamos entrar agora e ver onde ela enterrou o filho? – Perguntou Marquinhos;
- Não seu burro! Ta tudo escuro e não trouxemos lanterna, e é melhor nós fazermos isso, quando não tiver ninguém em casa! E outra coisa; eu já te falei pra parar de falar que ela matou o filho! Não tem nada comprovado ainda! – Esbravejou Ritinha;
- Eu sei o que vi e ouvi; não é Tinho? – Marquinhos virou para o amigo esperando encontrar apoio;
- É!!! Se não foi uma pessoa dentro daquele saco grande, não sei o que dizer! – Respondeu Augustinho em socorro ao amigo;
- Vamos embora; amanhã nós ficaremos de tocaia e esperaremos ela sair; aproveitamos também pra ver se ela vai estar com todos os filhos! – Ritinha pegou a picareta e a enxada das mãos de João, e foi pra casa, sendo imitada pelos demais.
Na manhã seguinte, logo cedo, todos já estavam próximos à casa de Dona Maria, esperando ela passar com a charrete, como era seu costume fazer todos os dias antes das oito horas. Eles viram quando o portão se abriu e o cavalo surgiu puxando a charrete com Dona Maria e seus filhos em cima. Tentaram contar os passageiros e só conseguiram enxergar seis pessoas; do total de sete!
João olhou mais uma vez e confirmou:
- Bom; eu vi Dona Maria, seu “BIGODE” (referindo-se ao esposo), as duas meninas e somente dois meninos!
- Eu sabia! Cadê o outro então? Não são três meninos? – Disse Marquinhos;
- É o que vamos descobrir! – Disse Ritinha;
- João, você fica de guarda aqui, pro caso dela voltar; Zé, tu fica lá na esquina de olho na delegacia pra ver se o delegado não vai fazer ronda; Marquinhos e Augustinho vão comigo, pra me mostrar o lugar; - Ritinha distribuiu as funções de cada um, e seguiu, para o lugar a onde eles tinham aberto o buraco na noite anterior.
Marquinhos e Augustinho retiraram os sacos e os três passaram pela abertura, invadindo o quintal da casa. Olharam ao redor, e passaram pela varanda, onde puderam observar uma mesa grande:
- Olha quanto sangue! – Exclamou Marquinhos, observando a mesa;
- Minha nossa! Até parece que alguém foi estripado aqui! – Disse Ritinha;
- Será que foi aqui que ela matou o próprio filho? – Indagou Augustinho;
- Você só fala bobagens! Como é que ela matou o filho, e hoje a família toda sai como se nada tivesse acontecido? – Perguntou Ritinha;
- É mesmo! Como ela extir..., extirpri..., isso aí mesmo que a Ritinha falou..., e o saco tava mexendo? – Marquinhos acompanhou o pensamento de Ritinha, sem no entanto, conseguir pronunciar a palavra estripar.
Olharam ao redor da mesa e descobriram ao fundo, um quarto com a porta trancada à cadeado, de onde exalava um mal cheiro de carne em decomposição, que quase fez Ritinha vomitar:
- Que merda deve ter aí dentro?
- Parece com o mesmo cheiro lá do cemitério! – Completou Marquinhos, a pergunta de Ritinha;
- Vamos logo ver o lugar que essa mulher enterrou o saco, antes que ela volte! – Os dois concordaram com Ritinha, deram a volta na casa e foram até o pé da mangueira;
- Foi aqui que nós vimos ela enterrar o corpo..., quer dizer, o saco! – Disse Marquinhos, apontando o lugar para Ritinha;
- Precisamos desenterrar e ver do que se trata! Arranja uma enxada! – Disse ela.
Augustinho foi até a lateral da casa, e voltou com duas enxadas nas mãos; entregou uma para Marquinhos e puseram-se, a cavar. Não tiveram dificuldades para chegar até o saco, a terra ainda fofa e recém escavacada, facilitou o serviço!
Ao chegar no saco, Marquinhos pulou dentro do buraco e começou a desamarrá-lo. Os três sentiram outra vez o odor de carne em putrefação, puxando mais para o lado de peixe podre; ele largou a boca do saco e pulou fora do buraco, ao largar o saco, um boné branco sujo de sangue, caiu pra fora; os três ficaram parados olhando para o objeto, com os olhos vidrados:
- Esse boné..., já vi na cabeça..., de um dos meninos...! – Disse Marquinhos, pausadamente;
- É daquele que apanhou porque estava com agente conversando! – Completou Augustinho;
- Vamos! Temos que olhar o resto no saco! – Disse Ritinha.
Marquinhos tirou a camisa e amarrou ao redor do rosto, e já se preparava para entrar novamente no buraco, quando eles ouviram um assobio:
- Fiufiuu! Fiufiuu!
- Droga! Ela está voltando! Depressa..., temos que fechar o buraco e cair fora! – Ritinha ouviu o sinal que tinha combinado com João, caso alguma coisa saísse errada.
Os dois rapazes puseram-se a jogar a terra de volta sobre o buraco, enterrando as mudas das plantas de qualquer jeito na pressa. Ritinha e Augustinho correram para o fundo da casa levando as enxadas de volta e sumindo, logo após, buraco à dentro, enquanto que Marquinhos ajeitava a terra por cima dele para não deixar rastro da entrada. Correu para o pé de manga, mas teve que voltar assim que viu Dona Maria entrar pelo portão tocando a charrete, sozinha. Escondeu-se atrás de uns sacos de cal que estavam encostados na parede do quartinho e ficou observando.
Dona Maria puxou a charrete até o curral, liberou o cavalo dos arreios e puxou do fundo da charrete, um embrulho grande! Marquinhos espiou pelo canto da parede e pode ver que o embrulho eram meia dúzia de sacos de lona pretos; seu coração disparou quando ouviu Dona Maria falar:
- Agora sim; não vai faltar saco pra ninguém...
EMANNUEL ISAC
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