O QUINTAL DE DONA MARIA
Faziam dois anos que ela havia se mudado para aquela casa. Logo no primeiro ano, ergueu um muro de quase dois metros de altura; no início os vizinhos estranharam, nunca ninguém antes havia levantado um muro tão alto e de tijolos. A política era a da boa vizinhança, tanto que os quintais, eram separados simplesmente por cercas de arames farpados. Mas ela sempre se manteve afastada de todos.
Maria; era assim que se chamava! Quando ela chegou, podemos notar que além dela, chegaram também três guris e duas meninas, além de um homem de cara fechada e bigode comprido. Os meninos tentaram fazer amizade, mas bastava dona Maria ver eles conversando com a garotada da rua, que era motivo para ganharem uma surra!
Não frequentavam a escola com a gente, nem apareciam nas festas da comunidade. Com aquelas atitudes, não demoraram muito para surgir os boatos de que aquela família eram do demo, que eram envolvida com o coisa ruim e coisas desses tipo! A desconfiança aumentou depois que ela deu início à construção do muro; o pé de manga e de jambo que ficavam no quintal dela e de onde a meninada costumava pegar os frutos, agora estavam isolados. E foi por esse motivo, que os meninos acabaram descobrindo algo estranho com aquela família...
Certa manhã de outono, Augustinho e Marquinhos, foram pescar na lagoa do Bom Canto! Ao passarem pela casa de Dona Maria, olharam e viram que o pé de manga e de jambo estavam repletos de frutos maduros; sabe como é..., menino com fome e olho grande..., deram um jeito de entrarem no quintal de Dona Maria; escalaram o pé do Ipê Roxo que ficava próximo ao muro, e alcançaram os galhos da mangueira. Estavam enchendo o cesto feito de babaçu, quando viram Dona Maria sair no quintal, arrastando um saco de lona preta, grande o suficiente para colocar uma pessoa dentro.
Eles olharam e ficaram quietos observando ela arrastar o saco e parar justamente, sob o pé de manga! Ouviram quando ela esbravejou:
- Droga! Esqueci a merda da enxada! - Dona Maria voltou para pegar a ferramenta.
Augustinho e Marquinhos aproveitaram que ela voltou para a casa e começaram a descer do pé de manga, quando viram o saco mexer; os dois pararam no meio do caminho, com os olhos arregalados e assustados! Dona Maria voltou empurrando um carrinho de mão com a enxada e umas mudas de plantas, e eles tiveram que voltar pro olho da árvore! Ficaram quieto olhando a mulher cavar um buraco com formato de cova. Após terminar o buraco na terra, ela saiu e puxou o saco para dentro dele; o que estava dentro do saco começou a se mexer e Dona Maria servindo-se da enxada, tascou-lhe com ela sobre o saco gritando:
- Fica quieto coisa ruim! Filho só presta pra dar trabalho...!
Os dois meninos no alto da árvore, se olharam e engoliram à seco a própria saliva:
- … pelo menos, esse aqui não vai dar mais trabalho pra mim!
A mulher lançou o saco dentro do buraco e começou a jogar terra por cima, até cobri-lo por completo! Pegou as mudas de flores que estavam no carrinho ao lado, e plantou-as sobre a terra escavacada; limpou o suor da testa, e entrou em casa! Os dois meninos ainda ficaram na árvore e após terem a certeza que ninguém mais apareceria no quintal, desceram numa carreira que nem bala pegariam os dois!
Chegaram no campinho onde costumavam jogar bola, e encontraram o resto da turma; pararam quase sem fôlego:
- O que foi que houve com vocês? - Perguntou João, o mais velho da turma;
- Nós..., vimos..., uma..., coisa..., lá no..., quintal..., de..., Dona..., Maria...! - Responderam eles juntos, entrecortando as frases, pela falta de ar devido à carreira que deram;
- Viram o quê? O que vocês faziam no quintal da mulher estranha? - Tornou a perguntar João;
O restante da galera se juntou a eles:
- Nós tava indo pescar quando vimos o pé de manga e jambo com fruto maduro, aí fomos arrancar, aí vimos a mulher arrastar um saco preto, aí ela cavou um buraco, aí ela...
- Chega de tanto aí Marquinhos! - Esbravejou Ritinha, interrompendo ele;
- E não é “nós tava indo”; estávamos indo, é o correto! - Ritinha era a mais inteligente da turma e tinha o defeito de viver corrigindo os colegas;
- Isso não é hora para aula de português Ritinha! - Disse João – prossiga Marquinhos, o que você dizia?
- A mulher..., eu acho que ela matou um de seus filhos! - Concluiu ele.
Marquinhos e Augustinho relataram para a turma o que eles presenciaram do alto do pé de manga. A cada cena descrita, todos se olhavam com espanto! Quando eles terminaram, João falou:
- Precisamos ir até à delegacia e falar com o delegado!
- E se não for exatamente isso que aconteceu? - Perguntou Ritinha;
- Como não? Eu sei exatamente o que nós vimos e escutamos lá no pé de manga! - Disse Augustinho;
- Tinho, as vezes nós enxergamos e ouvimos coisas que parecem ser, mas nãos são! Talvez o medo de serem pegos, pode ter causado esta impressão em vocês! - Ritinha sempre era mais racional que emocional;
- Certo, mas o que nós vamos fazer em relação a isso? - Perguntou Marquinhos;
- Então foi por isso que ela construiu o muro...; para ninguém ver ela matar os próprios filhos...! - Disse Jonas, outro que fazia parte da turma, entrando no meio da conversa;
- Deixa de viajar na maionese, ô cabeça de vento! - Disse Ritinha;
- Talvez, ela seja uma dessas malucas que mata a própria família, ou um seriel quila! - Exclamou Augustinho, ficando de pé;
- Meu Deus! Você não fala nada direito! É Serial Killer! Killer, entendeu? - Disse Ritinha já chateada;
- Tá bom dona sabe tudo! Me responda então; o que vamos fazer? - Perguntou Augustinho;
- Primeiro, temos que encontrar um lugar para ESCACHAR* aquele muro, sem que ninguém da casa, encontre o lugar...;
- E depois? - Perguntou João;
- Nós vamos ESCABICHAR** com cuidado este caso...
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ESCACHAR* = Abrir à força, Fender, Partir, Rachar.
ESCABICHAR** = Investigar, Examinar com paciência.
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