… Aos poucos a velha foi recuperando os sentidos. Olhou para a mão, a onde antes tinha feito o corte e viu que estava enrolada em uma atadura. Suspendeu a cabeça à procura da mulher e a encontrou sentada em uma cadeira de frente para sua cama, com os cotovelos apoiados nos joelhos e descansando o queixo sobre as mãos. Tentou falar, mas se sentia enfraquecida pelo esforço da invocação.
A mulher levantou e foi até a cama, parando ao lado da velha. Pôs as costas da mão sobre a testa dela, e falou:
- Melhor parar de mexer com essas coisas, você já não tem mais idade pra isso!
- No grau que eu cheguei, se eu pensar em parar, eles me matam na hora! - A velha esboçou um sorriso;
- Eu vou procurar pela menina que você deu a boneca, talvez exista ainda uma chance de salvá-la.
- Uma vez dada a alguém, deverá ser dada outra vida em troca! - A velha falava com dificuldades;
- E não existe outra maneira de reverter esta situação que você causou? - Perguntou ela para a velha;
- Sim..., ser oferecida de volta a sua dona original! - A velha fechou os olhos cansada;
A mulher ficou parada na beira da cama olhando para a velha, analisando o que ela acabou de falar. Olhou o papel em suas mãos com o mapa que copiou do chão, que a velha desenhou com seu próprio sangue; respirou fundo, olhou o quarto ao seu redor, e se virou para sair. A velha segurou forte em sua mão, fazendo ela parar:
- Pense bem no que você vai fazer! Será que vai valer a pena por uma família que você nem conhece?
- Eu não estou preocupada com a família, eu estou preocupada com o estrago que tudo isso pode causar, se já não começou; já basta o estrago na minha!
- Se já tiver iniciado, você não poderá fazer mais nada! - Disse a velha largando a mão da mulher;
- Pelo menos, tentarei! - Caminhou até a porta e parou:
- Por sua causa, eu perdi minha filha..., - Falou para a velha, que estava quieta em cima da cama;
- Espero nunca mais precisar voltar aqui..., adeus..., “MAMÃE”...! - Saiu do quarto e deixou uma lágrima escorrer pelo canto dos olhos...
x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x
… Não demorou para que Norma chegasse em casa. Abriu a porta e chamou por Hélio; nenhuma resposta! Olhou na cozinha, na sala onde ele costumava jogar videogame, foi até o quintal. Parou para analisar a situação; correu até o telefone e o colocou no ouvido, após acionar a secretária eletrônica; tudo normal.
Lembrou-se que deixou Sophia de castigo no quarto e disparou escadas à cima; encontrou a porta do quarto fechada. Caminhou lentamente e parou na entrada do quarto da filha quando escutou Sophia conversando com Hélio. Respirou aliviada “GRAÇAS A DEUS, ESTÃO BEM”! Pensou consigo mesma! Estendeu a mão para girar a maçaneta da porta, mas parou no meio do caminho, quando ouviu uma voz fina:
- Preciso comer!;
- Eu tenho medo de ir até o cemitério! - Respondia Sophia;
- Seu irmão pode me levar;
- Eu não entro lá sozinho! - exclamou Hélio;
Norma segurou na maçaneta e girou; encontrou Sophia e Hélio deitados, com metade do corpo embaixo da cama:
- Hélio? Sophia? - Ao ouvirem a voz da mãe, os dois saíram rapidamente de debaixo da cama, assustados;
- O que vocês estão fazendo aí em baixo...? Que estória é essa de cemitério...? - Perguntou Norma desconfiada;
- Conversando com NAZU! - Respondeu Hélio;
- Shiii, Hélio! - Sophia cutucou o irmão;
- Ela não gosta que fale o nome dela! - Completou Sophia;
- Ela quem...? Quem é NAZU...? De quem vocês estão falando...? - Norma olhava séria para os filhos, que permaneceram calados.
Norma passou um rabo-de-olho nos filhos, e foi até a cama; abaixou-se e...: “PANC”, bateu mais uma vez com a cabeça na cama! Assustou-se novamente ao ver a boneca lá embaixo. Passou a mão no lugar da pancada e sentiu quando ela molhou com o sangue que começou a escorrer por entre os seus cabelos. Puxou a boneca de debaixo da cama e olhou para Sophia, segurando no lugar da pancada:
- Quem mandou você pegar essa porcaria do lixo! - Ralhou com ela;
- Foi eu mãe que a peguei, mas ela não estava no lixo! - Falou Hélio defendendo a irmã;
- Como não estava no lixo se eu mesma a joguei lá?
- Depois que a senhora saiu, a campanhia tocou e eu fui abrir a porta pensando que era você que tinha voltado, - Hélio fez uma pausa;
- Sim..., e daí? - Indagou Norma;
- Quando abri a porta, não tinha ninguém, a não ser, a boneca que estava sentada encostada na porta, eu peguei e a trouxe de volta pra Sophia, já que é dela!
Norma sentiu o coração disparar e bater descompassado pelo medo. Sem perceber, foi apertando o braço da boneca pela tensão que estava passando. Mandou os filhos tomarem banho para jantarem e desceu as escadas arrastando a boneca pelo chão.
Norma foi limpar o ferimento na cabeça, agora estava com duas marcas. Pôs a boneca no canto da porta da cozinha e pegou uma garrafa de álcool:
- Quero ver você aparecer novamente! – Falou olhando para a boneca.
Sophia entrou na cozinha dizendo que estava com fome, rapidamente Norma escondeu a caixa de fósforos e a garrafa do álcool atrás das costas e foi colocar a janta dos filhos. Reparou que a ferida no rosto de Sophia, estava crescendo e com uma cor escura. Pegou o material de primeiros socorros e fez um curativo na face da filha. Deixou os dois jantando na sala e assistindo a televisão. Lembrou do nome que Hélio pronunciou no quarto, foi para a sala que Márcio havia transformado em escritório, sentou na frente do computador e começou a pesquisar pelo nome NAZU.
Em pouco tempo, encontrou o nome em uma matéria postada na religião de zoroastro. Começou a ler o artigo e ficou horrorizada:
“NAZU – demônio feminino que se alimenta de corpos que acabaram de morrer ou já se encontram em estado de putrefação, sua residência é o inferno”.
Norma começou a digitar, o que fazer para combater esse demônio, quando o computador desligou sozinho; ficou com as mãos suspensas no ar, sobre o teclado, olhando fixamente para a tela, quando alguém tocou a campanhia! Norma já estava com os nervos à flor da pele e assustou-se mais uma vez. Levantou-se e foi ver quem estava à porta:
- Pois não? - Disse ela ao abrir a porta somente no pega-ladrão;
- Me desculpe, você não me conhece, mas eu vim aqui por causa de uma boneca que está com sua filha!
- Quem é você e como sabe dessa boneca? - Norma falava com a mulher por entre a fresta da porta;
- Meu nome é Éster! - Norma sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha dorsal;
- Es...ter...?
- Sim! Preciso muito falar com a senhora, sua filha está correndo um grande risco de vida!
Norma ao ouvir Éster pronunciar aquelas palavras, imediatamente fechou a porta! Éster pensando que ela não iria atendê-la, virou-se para ir embora, quando ouviu o barulho da porta sendo destrancada:
- Por favor, entre! – Convidou Norma;
- Com licença! – Éster passou por Norma, que em seguida fechou a porta.
Foram para a sala onde os filhos de Norma estavam sentados assistindo a televisão, mas Éster pediu para conversarem em outro lugar, ao perceber a maneira como Sophia olhava para ela. Norma então, a levou para a sala do escritório:
- Sua filha ganhou uma boneca na véspera dos dias das crianças... – Começou Éster;
- Sim, uma senhora a deu para Sophia;
- Essa senhora..., é minha mãe! – Éster falou com certo desgosto na voz;
- Sua mãe? Como assim? Eu não estou entendendo...? – Norma sentou e indicou a cadeira à frente para Éster;
- Há muitos anos, minha mãe se envolveu com a magia negra e eu só vim descobrir, depois que perdi minha filha;
- Perdeu como?
- Certa noite, precisei trabalhar até mais tarde, e deixei Sônia na casa de minha mãe. O que eu não sabia, é que justo naquela noite, minha mãe iria realizar um ritual a ERESSHKIGAL;
- Eressig..., o quê? – Perguntou Norma sem entender;
- Eresshkigal; senhora e rainha do mundo dos mortos, segundo os textos Sumerianos. Mas alguma coisa saiu errado; Sônia entrou no quarto no momento em que outros demônios abriam o caminho para esse espírito e ela acabou sendo possuída por um demônio chamado NAZU!
Norma petrificou; agora tudo começava a fazer sentido em sua cabeça. Ofereceu um copo com água para Éster, e continuou a escutá-la com atenção. Éster narrou o inferno que se tornara sua vida após sua filhar ficar possuída, até chegar no momento em que ela encontrou um livro antigo na biblioteca sobre rituais, e sua mãe tentou realizá-lo:
- O ritual consistia em transferir o espírito maligno para outro corpo. Como queríamos que esse demônio não possuísse mais nenhum ser vivo e ficasse preso, usamos uma boneca!
- A boneca que está com Sophia!!! Ela pôs seu nome nela! – Exclamou Norma;
- Meu nome? Agora entendi o que minha mãe quis dizer! Só que o demônio deu vida à boneca, levando a vida de minha filha junto com ele... – Éster baixou a cabeça e chorou;
- Porque vocês não destruíram a boneca, já que o demônio ficou preso nela? – Norma perguntou, ao tomar o copo das mãos de Éster;
- Tentamos! Mas todas as vezes que fazíamos algo com a boneca, acontecia da mesma forma com a gente! Acabei descobrindo que do jeito que a tratávamos, éramos tratadas;
- Marcelo!!! – Norma lembrou mais uma vez do que aconteceu com o marido...;
- Um dia, minha mãe em um ato de loucura, mordeu a boneca no rosto, e o resultado, foi que em seu rosto surgiu uma ferida feita pelo demônio que aos poucos, foi crescendo e apodrecendo;
- Quando a conheci, ela usava mesmo um lenço cobrindo parte do rosto! Minha filha está com uma ferida no rosto, será... que, ela mordeu a boneca também? - Indagou Norma;
- Talvez sim, talvez não! Como ela se alimenta de carne humana em putrefação, é bem provável que ela mesma tenha mordido sua filha, para abrir a ferida, como fez com minha mãe, para depois ir se alimentando aos poucos, enquanto ela dorme;
- E como vocês fizeram para detê-la? – Quis saber Norma;
- Quando eu encontrei o livro, descobri que poderia mantê-la presa em uma caixa, revestida de couro de boi, até encontrar o ritual certo para mandá-la de volta para o inferno;
- E você descobriu como fazer isso? – Norma já estava esperançosa pela resposta;
- Por esta razão viajei até a Índia, mas quando eu voltei, você já sabe do resto da história...!
Sophia que se encontrava com o irmão na sala assistindo televisão, começou a escutar a boneca chamar pelo seu nome:
- Sophiiia! Sophiiia!
Levantou sem Hélio ver, passando pela porta do escritório sem que Norma e Éster, a percebesse. Procurou descobrir a direção de onde a voz a chamava, entrou na cozinha e encontrou a boneca em pé, na porta da cozinha. Pegou a boneca no colo, abriu a porta e saiu...
EMANNUEL ISAC
|