Era um dia como outro qualquer. De sol? Não. Era noite. Valentina estava em casa, só, como de costume. Não morava com os pais desde os 14. E agora com seus 18 anos e meio, já não sentia tanto a falta. Aprendeu a viver só. Estava sentada em sua cama, e as janelas entreabertas faziam com que a lua refletisse em seus olhos, seus cabelos negros esvoaçavam com o vento, seu corpo magro vestia a velha camiseta branca, acompanhada do seu short jeans desbotado, em pés descalços. Sentia-se envolvida por certa nostalgia, e almejava naquele momento um abraço, sabe, daqueles de mais ou menos 10 minutos...
Já era tarde, estava sem sono e algo a perturbava. Sentia falta de acordar as 06h da manhã com os gritos da irmã mais nova, de tomar café na mesa com mais alguém. Mas ao mesmo tempo, gostava de ficar só, no silêncio consigo mesma, de falar sozinha, esconder-se em si, enclausurar-se e sair quando bem entendesse, de curtir a própria companhia. Sentimentos confusos. Carência?! Talvez.
Bebia sua cerveja em frente à janela, olhava pro nada, enquanto se lembrava do rapaz que havia conhecido. Óculos e costeletas! Mais ou menos, nerd-garanhão! (risos)
Lembrava do passeio na praia, daquele sorriso largo e bonito, e de ser levada por ele para ver os caminhões! Naquele dia fazia frio, e acabou levando pra casa um casaco perfumado, beijos, e a saudade.
Não sabia o motivo daquela atração. Valentina gostava de coisas simples, do que se passava despercebido por muitos. Para ela, ele era comum. Ta! Não era tanto assim.
Tinha um abraço incomum, quente. Que todo pensamento ou sofrimento, fazia dissolver. O melhor lugar era ali naquele abraço, e ela, por si, perderia ali todos os seus, e faria dele seu abrigo. Doce. Passava uma fé, uma energia. Arroubo.
Não sabia descrever. Mas era bom, muito bom.
Gostava do sorriso largo, das muitas expressões bobas, do seu jeito naturalmente engraçado, de quando colocava as mãos no rosto tampando os óculos quando ia dizer algo 'Páh’, do ataque quase epilético que a fazia ter quando tentava atravessar sua garganta com aquela língua, sabor 'tridente'. Do jeito inusitado-engraçado de dizer 'Rawr' que o fazia parecer um dinossauro bravo, da forma audaciosa de dizer 'Cala a boca’. E do modo meio atrapalhado de dançar, mesmo não sabendo! Brigão. Enfim.
Tudo muito meio bobo.
Era noite de sexta-feira, a praia, quase vazia.
A música no carro não estava tão alta, mas a respiração às vezes era ofegante, e as palavras saíam atropeladas entre um estalo e outro. Tesão. Naquela noite, as coisas tomaram rumos diferentes. Esperava mais de si. Sabe aquela vontade sem coragem!? Pois é. Mas apesar dos pesares, para ela, sempre era bom estar com ele!
Passeios na praia - Conversas no carro - Festas - E mais conversas à beira da praia.
“Respire pelo nariz, e solte pela boca!” disse ele, vezes o suficiente para Valentina nunca mais esquecer, após aquele ataque demôníaco-psicodélico, depois de ter seu primeiro encontro com o Batman.
Os dias se foram... Três meses e meio passaram tão rápido que mal deu para perceber que ela já sentia saudades antes mesmo que ele dissesse: “Tenho que ir”.
Havia em seu íntimo um sentimento bom. E agora, gostava de poesias e palhaços!
Quinta - feira. E Valentina se arrumava para ir a um show.
Saiu de casa vestindo a velha camisa do 'ex chato', short jeans e seu par de all star.
Chegando ao Porto, já passava das 22 h e depois de meia garrafa de conhaque, ao som de 'Chuva', sem pensar duas vezes enviou a sms que mudou totalmente o rumo daquela noite fria e nublada.
E pra quem tinha só um show e uma chance, parar pra pensar seria desesperador. Após o convite para dormir na 'caverna do dragão', se caso não conseguisse voltar para casa, respondeu ele:
- Só você pra me tirar de casa essa hora!
Ah, nem era tão tarde assim.
Enfim, depois de algum tempo, lá estava ele. Parado na frente da banca de revistas do outro lado da rua.
Talvez se tivesse chegado cinco minutos antes, conseguiria ouvir parte da última música: ♪ Amor Blindado, desejo, intensidade. Eu, você, paredes, grades... ♫
Enfim sós.
Antes que entrasse em casa, ainda subindo as escadas, já avisou para não reparar no guarda-roupa que estava no meio da sala, e que praticamente fazia parte da decoração.
Bem, não foi preciso aquela conversa de meia hora, para que enfim, deixassem cair os panos.
Quando se deu conta, já estava por cima dele. Nada de tradicional. Afinal, a cama não tinha 'seguro’. E quem se importa?! Ela não! (risos).
E aquele suspiro reprimido finalmente se libertou.
- “Foda-se! Quem liga?!”, disse ele. Definitivamente mais ousado. O silêncio do quarto era feito de respirações ofegantes e leves sussurros. Sem mais delongas, lançou-se naquele corpo.
Valentina nunca mais iria olhar para o chão daquele quarto sem recordar daquele momento.
Depois de arrastar a cadeira, das trocas de posições e dos dois copos de água, decidiram dormir.
Quando acordou, ainda não havia recebido nenhuma sms, nada de 'Bom dia’, nem comentários sobre o que fizeram enquanto suas roupas vestiam o chão do quarto. Pudera. Ele ainda estava lá, deitado naquela cama 'sem seguro'.
O celular toca. Era o despertador, avisando que já estava na hora de ir.
Despediram-se e seguiram, cada qual, para um lado.
E ainda não se sabe como deixou aquele 'desconhecido' entrar em sua casa. Talvez ela tenha se distraído no meio daquele abraço, ou demorado demais olhando aquele sorriso largo e bonito. E sem querer ele entrou. Quando se deu conta, já estava lá, esparramado no sofá-cama, bagunçando tudo, comendo os chocolates e esvaziando as latas de cervejas. Quem sabe, quando ele resolver ir embora, deixando a casa de pernas pro ar, ela se lembre de trancar a porta, e fechar suas janelas antes de se perder em algo.
E pode ser, que em algum dia de chuva, cinqüenta e quatro anos depois do tal dia, ela saiba dizer, se era de sol.
(... ♪I can not find the right words. About the things caught in my mind,
So don’t go away... ♫ )
Créditos, ao menino-brigão.
05.07.2012
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