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AQUI JAZ A HIPOCRISIA
Ijaciara Cannataro

Ela estava no escritório, em seu computador. Lá fora chovia a cântaros.
Estava entretida com seu trabalho. Mas, de repente, ouviu um zumbido. Fez uma varredura com o olhar pela sala e não viu nada de anormal. Continuou a fazer o seu serviço.
Mas a sensação de estar sendo rodeada por algo a incomodava. Olhava vez ou outra para os lados como se quisesse pegar alguém de surpresa a lhe espionar.
De repente, na janela à sua frente viu alguma coisa cair ao chão.
Tentou achar o objeto e se deparou com um inseto. No começo não conseguiu distinguir bem o que era, já que estava atrás da lata de lixo. Empurrou-a com o pé e lá estava uma abelha solitária.
Entrou em pânico. Lembrou de quando era criança e havia pisado em uma abelha no banheiro e sentiu muita dor. Sua mãe logo a socorreu, tirando o ferrão com uma pinça de sobrancelha e a dor foi passando. Desse dia em diante, soube que o veneno vinha do ferrão e ao retirá-lo a dor da picada diminuía.
Lembrou-se também de uma vez quando estava prestando serviço para um empresa no interior de SP e um rapaz foi picado por uma abelha e estava em desespero pois ele sabia que era alérgico ao veneno do ferrão desse inseto.
Ela estava na recepção aguardando um táxi para levá-la à rodoviária quando o rapaz apareceu lívido, desesperado em busca de socorro. O pessoal da segurança veio perguntar-lhe se o motorista poderia primeiro levá-lo ao hospital antes de levá-la à rodoviária.
Ela achou aquilo um absurdo! Não deveriam nem ter lhe perguntar. Já deveriam estar com ele no carro a caminho do hospital!
De pronto, ela entrou com ele no automóvel. O motorista correu o mais que podia. O pronto-socorro não era longe da empresa. Quando viu o rapaz sendo recepcionado pelas enfermeiras, sentiu-se mais aliviada. E conseguiu dar um longo suspiro.
O táxi seguiu então para a rodoviária e ela não parava de relembrar a cena toda.
Aquele episódio a marcou muito.
Muitos anos depois, ela descobriu que era alérgica a AAS e lembrou-se do rapaz em pânico por causa da abelha e soube o que é ter medo de algo que sabe que pode lhe envenenar ou até matar.
Tudo isso passou rapidamente por sua mente enquanto observava a abelha e pensou: e se ela me ferrar? E se isso me fizer mal? Dizem que abelhas desgarradas são mais agressivas e atacam rapidamente.
Não teve dúvidas, pegou seu sapato e direcionou para a abelha e disse: - Sinto muito, me desculpe, mas estou com medo de você! E esmagou-a.
Sentiu então seu estômago revirar-se numa mistura de medo e pena.
Sentou-se como se tivesse se autocondenado a uma manhã de remorso e ficou ali parada olhando o computador, remoendo seu ato. Pensando nas alternativas que poderia ter lançado mão antes de se decidir pela vida ou não de um ser.
Ironicamente naquela mesma semana havia inserido seu nome num abaixo-assinado para que fosse proibida a fabricação e venda de um agrotóxico a base de neonicotinóides que matas as abelhas e consequentemente afeta toda a natureza, começando por centenas de plantas que são polinizadas por esse inseto.
Perguntou-se: quantos outros seres eu não ajudei a matar com esse meu ato impensado de medo?
Assinar um documento é fácil, dar uma sapatada numa abelha também.
Pensou na sua hipocrisia e como teria que a partir de agora conviver com ela.


Biografia:
Paulistana, mas adora a vida no campo. Desde pequena mantenho caneta e papel à mão para poder registrar momentos do cotidiano que adoro analisar sob óticas diversas. Meus gêneros literários preferidos são as crônicas e contos. Formada em Comunicação Social pela ECA-Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com especialização em publicidade e propaganda e jornalismo e em Direito pela Faculdade de Direito da USP, atuo profissionalmente como consultora em comunicação empresarial.
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