Vivi seis anos (dos 16 aos 22), numa minúscula cidade do noroeste do Rio Grande do Sul chamada Independência.
Hoje residem na cidade, segundo o IBGE 6.715 habitantes. Em 2004 eram 7.214 conforme o censo, mas na época em que lá residi, lá pelos idos de Mil Novecentos e Oitenta e lá vai pedrada, ouvia falar que já eram mais de 10.000 habitantes. Acredite quem quiser !!!
Bom, parece que quase metade da população da cidade evaporou. Onde está e o que levou esse povo todo a sumir de Independência ainda não sei, nem nunca tive curiosidade em saber.
E por falar em curiosidade, lembrei-me do “Schusta”.
Seu nome até hoje não tenho certeza se era como tinha ouvido falar - José Guerino - e também nunca tive curiosidade em perguntar se de fato era.
Mas o sobrenome do homem, esse, eu sabia. Não tinha como não saber. Todo mundo sabia que o “Schusta” era o Sr. Schuster (e a gente abrasileirava prá “Schusta”).
O apelido pegou bem. Ainda mais que o “Schusta” era famoso. Todo mundo o conhecia ou já tinha pelo menos ouvido falar.
Até as crianças sabiam contar aos visitantes recém chegados na city, quem era o “Schusta”.
Quando eu o conheci, o “Schusta” já beirava os 50 anos, por aí.
No tempo que lá morei, trabalhei dois anos como empregada doméstica e dama de companhia de uma senhora de 94 anos, a Malvina.
Foi ela quem me contou do “Schusta”. E um dia, do alto da varanda da casa, me apontou o homem na rua. Foi assim, de longe, que vi o “Schusta” pela primeira vez.
Depois desses dois anos na casa da Sra. Malvina, fui trabalhar como agente de rodoviária. Quer dizer que eu passava meu dia num balcão vendendo passagens.
E foi maravilhoso porque conheci meio mundo de gente e suas histórias. Meio mundo de gente de Independência, é claro.
A rodoviária era o “point” da cidade. De um lado tinha uma lanchonete e churrascaria. De outro uma fruteira. Na frente um posto de gasolina. E o povo se ajuntava ali. Era o centro da fofoca sobre a vida dos moradores e viajantes.
De trás do balcão eu ouvia, vindos lá de fora, os relatos mais extraordinários do que acontecia na cidade e no interior.
Independência não possuía rádio, nem jornal (ouvíamos a Rádio Colonial de Três de Maio), mas era só dar uma passada na lanchonete ao lado da rodoviária ou no posto de gasolina, e a gente recebia as notícias de todas as intrigas, brigas, festas, bailes, mortes, velórios, casamentos e outros acontecimentos possíveis numa pequena cidade do interior gaúcho.
E no meio de tudo isso é claro, não podia faltar o “Schusta”.
Ele vivia por ali, no posto de gasolina em frente à rodoviária, na lanchonete, no ¨cachorrão¨, sorveteria, na rua em frente à cooperativa, ou ainda na porta do açougue que ficava em frente da padaria da rua principal, outro ponto de reunião dos moradores.
Onde tinha um amontoado de gente, lá estava o “Schusta”.
Onde se ouvia uma risada mais alta, lá se via o “Schusta” rondando a área.
Onde apontava um velho e surrado chapéu de palha... podia contar... era o “Schusta”.
Se acontecia um acidente de carro, uma bicicleta tombava ou um cavalo perdia uma ferradura, a gente já sabia, o “Schusta” estava por lá, averiguando tudo e logo, logo, passava na rodoviária prá contar prá gente.
Se por acaso cruzava a rua principal, um caminhão carregado de porcos, não havia dúvida, o “Schusta” sabia a quantidade da bicharada, a procedência e até o destino da carga.
O “Schusta” era tão curioso, mas tão, tão curioso, que uma folha caia do arvoredo e ele saia correndo prá ver o que era.
Lá do outro lado da cidade se escutava um barulho de ferro na fábrica de cadeiras, e lá se ia o “Schusta”, saber que diabo de barulho era aquele.
Dava um vendaval e destelhava meia cidade? Pergunta pro “Schusta” quantas telhas se quebraram, qual o montante do prejuízo, quem foi o mais atingido, a velocidade do vento. “Schusta” sabia.
Se as moendas do moinho paravam para limpeza, o “Schusta” não agüentava a ansiedade, e precisava verificar o que houve, por que pararam, se estragou ou quebrou alguma peça, o que de fato foi ou não foi...
E quando se ouvia o barulho de um tiro então? O “Schusta” tremia de felicidade pois sabia que logo teria uma boa fofoca prá contar.
O “Schusta” sabia de tudo e de todos. Estava por dentro de todo acontecimento.
Os que aconteceram e os que ainda iriam acontecer...
Não havia o que o “Schusta” não sabia...
Queria saber por que o Venturino separou-se da Eusébia? Era só perguntar pro “Schusta”.
A filha da Gumercinda estava prenhe e ninguém sabia quem era o pai? Pois o “Schusta” sabia.
Tinham roubado as galinhas da Dona Inácia e do Seu Pitássio? Pergunta pro “Schusta” se ele não sabia o nome dos larápios... “Schusta” sabia. E ele dava até o CPF dos desgraçados.
Mataram um fazendeiro lá na Colônia das Almas? O “Schusta” tinha todas as informações do ocorrido, inclusive com detalhes e pormenores de onde e como a bala entrou e de que lado saiu do corpo do miserável morto.
Seu João Emílio era amante da Dona Celeste, a mulher do bolicheiro Fioravante do Rincão dos Sá? “Schusta” sabia de cor e salteado todos os detalhes do caso. Inclusive onde se encontravam e como realizavam suas façanhas extra-conjugais.
Se você queria descobrir algo na cidade era só perguntar pro “Schusta”! Ele sabia !
E ele ficou tão conhecido por sua curiosidade e fofocaria que logo pegou uma mania na cidade:
Quando duas pessoas conversavam e outra ia chegando por perto, alguém já gritava:
- Lá vem o “Schusta” !!!!!
Ou, se um vivente inventava de passar adiante uma fofoca, tinha de aguentar a xingação:
- Mas tu é um schusta de primeira, hein?
Seu Teodorico, que tinha mania de sumir por algumas horas do dia, quando perguntado pela mulher onde tinha andado, dizem os "Schusta" de plantão que o homem respondia cândido:
- Tava schusteando por aí!
Por fim, você não podia perguntar, contar e nem querer saber de nada do que acontecia na cidade, porque se você fazia uma pergunta sobre alguma coisa, já gritavam:
- Deixa de ser schusta, guria!
E pobre de você se perguntava dos desaparecidos:
- Onde anda o José? Alguém ouviu falar dele? Morreu?
- Ah! Mas capaz!!!! Tá schusteando por aí!
Se queria saber da Gumercinda:
- Fica quieta menina! Nem me fale nesse nome! Ela ficou tão schusta, mas tão schusta, que não dá mais prá aguentar!
E na época da semana Farroupilha???
Tá loko !!! Era uma schustaiama comendo “mondongo”, bailando e schusteando, que não acabava mais.
E assim, o sobrenome do homem (hoje já falecido) virou Verbo na cidade. E isso é assim até os dias de hoje. Pode acreditar ! Estou dizendo !!!
Se você por acaso se perder lá pelos lados de Independência, vai ver que todo mundo conhece o “Schusta”, fala a língua do “Schusta”, e passa a vida schusteando por ali...
E nem me invente de perguntar qualquer coisa sobre essa história do “Schusta” ser verdade ou não! Com certeza vão gritar:
- Chegou mais um “Schusta” na cidade !!!
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