Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Schusta!
Maria

Vivi seis anos (dos 16 aos 22), numa minúscula cidade do noroeste do Rio Grande do Sul chamada Independência.

Hoje residem na cidade, segundo o IBGE 6.715 habitantes. Em 2004 eram 7.214 conforme o censo, mas na época em que lá residi, lá pelos idos de Mil Novecentos e Oitenta e lá vai pedrada, ouvia falar que já eram mais de 10.000 habitantes. Acredite quem quiser !!!

Bom, parece que quase metade da população da cidade evaporou. Onde está e o que levou esse povo todo a sumir de Independência ainda não sei, nem nunca tive curiosidade em saber.

E por falar em curiosidade, lembrei-me do “Schusta”.

Seu nome até hoje não tenho certeza se era como tinha ouvido falar - José Guerino - e também nunca tive curiosidade em perguntar se de fato era.

Mas o sobrenome do homem, esse, eu sabia. Não tinha como não saber. Todo mundo sabia que o “Schusta” era o Sr. Schuster (e a gente abrasileirava prá “Schusta”).

O apelido pegou bem. Ainda mais que o “Schusta” era famoso. Todo mundo o conhecia ou já tinha pelo menos ouvido falar.

Até as crianças sabiam contar aos visitantes recém chegados na city, quem era o “Schusta”.

Quando eu o conheci, o “Schusta” já beirava os 50 anos, por aí.

No tempo que lá morei, trabalhei dois anos como empregada doméstica e dama de companhia de uma senhora de 94 anos, a Malvina.

Foi ela quem me contou do “Schusta”. E um dia, do alto da varanda da casa, me apontou o homem na rua. Foi assim, de longe, que vi o “Schusta” pela primeira vez.

Depois desses dois anos na casa da Sra. Malvina, fui trabalhar como agente de rodoviária. Quer dizer que eu passava meu dia num balcão vendendo passagens.

E foi maravilhoso porque conheci meio mundo de gente e suas histórias. Meio mundo de gente de Independência, é claro.

A rodoviária era o “point” da cidade. De um lado tinha uma lanchonete e churrascaria. De outro uma fruteira. Na frente um posto de gasolina. E o povo se ajuntava ali. Era o centro da fofoca sobre a vida dos moradores e viajantes.

De trás do balcão eu ouvia, vindos lá de fora, os relatos mais extraordinários do que acontecia na cidade e no interior.

Independência não possuía rádio, nem jornal (ouvíamos a Rádio Colonial de Três de Maio), mas era só dar uma passada na lanchonete ao lado da rodoviária ou no posto de gasolina, e a gente recebia as notícias de todas as intrigas, brigas, festas, bailes, mortes, velórios, casamentos e outros acontecimentos possíveis numa pequena cidade do interior gaúcho.

E no meio de tudo isso é claro, não podia faltar o “Schusta”.

Ele vivia por ali, no posto de gasolina em frente à rodoviária, na lanchonete, no ¨cachorrão¨, sorveteria, na rua em frente à cooperativa, ou ainda na porta do açougue que ficava em frente da padaria da rua principal, outro ponto de reunião dos moradores.

Onde tinha um amontoado de gente, lá estava o “Schusta”.

Onde se ouvia uma risada mais alta, lá se via o “Schusta” rondando a área.

Onde apontava um velho e surrado chapéu de palha... podia contar... era o “Schusta”.

Se acontecia um acidente de carro, uma bicicleta tombava ou um cavalo perdia uma ferradura, a gente já sabia, o “Schusta” estava por lá, averiguando tudo e logo, logo, passava na rodoviária prá contar prá gente.

Se por acaso cruzava a rua principal, um caminhão carregado de porcos, não havia dúvida, o “Schusta” sabia a quantidade da bicharada, a procedência e até o destino da carga.

O “Schusta” era tão curioso, mas tão, tão curioso, que uma folha caia do arvoredo e ele saia correndo prá ver o que era.

Lá do outro lado da cidade se escutava um barulho de ferro na fábrica de cadeiras, e lá se ia o “Schusta”, saber que diabo de barulho era aquele.

Dava um vendaval e destelhava meia cidade? Pergunta pro “Schusta” quantas telhas se quebraram, qual o montante do prejuízo, quem foi o mais atingido, a velocidade do vento. “Schusta” sabia.

Se as moendas do moinho paravam para limpeza, o “Schusta” não agüentava a ansiedade, e precisava verificar o que houve, por que pararam, se estragou ou quebrou alguma peça, o que de fato foi ou não foi...

E quando se ouvia o barulho de um tiro então? O “Schusta” tremia de felicidade pois sabia que logo teria uma boa fofoca prá contar.

O “Schusta” sabia de tudo e de todos. Estava por dentro de todo acontecimento.

Os que aconteceram e os que ainda iriam acontecer...

Não havia o que o “Schusta” não sabia...

Queria saber por que o Venturino separou-se da Eusébia? Era só perguntar pro “Schusta”.

A filha da Gumercinda estava prenhe e ninguém sabia quem era o pai? Pois o “Schusta” sabia.

Tinham roubado as galinhas da Dona Inácia e do Seu Pitássio? Pergunta pro “Schusta” se ele não sabia o nome dos larápios... “Schusta” sabia. E ele dava até o CPF dos desgraçados.

Mataram um fazendeiro lá na Colônia das Almas? O “Schusta” tinha todas as informações do ocorrido, inclusive com detalhes e pormenores de onde e como a bala entrou e de que lado saiu do corpo do miserável morto.

Seu João Emílio era amante da Dona Celeste, a mulher do bolicheiro Fioravante do Rincão dos Sá? “Schusta” sabia de cor e salteado todos os detalhes do caso. Inclusive onde se encontravam e como realizavam suas façanhas extra-conjugais.

Se você queria descobrir algo na cidade era só perguntar pro “Schusta”! Ele sabia !

E ele ficou tão conhecido por sua curiosidade e fofocaria que logo pegou uma mania na cidade:

Quando duas pessoas conversavam e outra ia chegando por perto, alguém já gritava:

- Lá vem o “Schusta” !!!!!

Ou, se um vivente inventava de passar adiante uma fofoca, tinha de aguentar a xingação:

- Mas tu é um schusta de primeira, hein?

Seu Teodorico, que tinha mania de sumir por algumas horas do dia, quando perguntado pela mulher onde tinha andado, dizem os "Schusta" de plantão que o homem respondia cândido:

- Tava schusteando por aí!

Por fim, você não podia perguntar, contar e nem querer saber de nada do que acontecia na cidade, porque se você fazia uma pergunta sobre alguma coisa, já gritavam:

- Deixa de ser schusta, guria!

E pobre de você se perguntava dos desaparecidos:

- Onde anda o José? Alguém ouviu falar dele? Morreu?

- Ah! Mas capaz!!!! Tá schusteando por aí!

Se queria saber da Gumercinda:

- Fica quieta menina! Nem me fale nesse nome! Ela ficou tão schusta, mas tão schusta, que não dá mais prá aguentar!

E na época da semana Farroupilha???

Tá loko !!! Era uma schustaiama comendo “mondongo”, bailando e schusteando, que não acabava mais.

E assim, o sobrenome do homem (hoje já falecido) virou Verbo na cidade. E isso é assim até os dias de hoje. Pode acreditar ! Estou dizendo !!!

Se você por acaso se perder lá pelos lados de Independência, vai ver que todo mundo conhece o “Schusta”, fala a língua do “Schusta”, e passa a vida schusteando por ali...

E nem me invente de perguntar qualquer coisa sobre essa história do “Schusta” ser verdade ou não! Com certeza vão gritar:

- Chegou mais um “Schusta” na cidade !!!

Número de vezes que este texto foi lido: 59424


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas O tempo do tempo Maria
Crônicas As luzes não se entendem mais! Maria
Crônicas Ser feliz sendo você! Maria
Crônicas Vozes do mundo Maria
Cartas Às estrelas do meu jardim Maria
Cartas Ao pai dos filhos meus Maria
Cartas À você que me escuta! Maria

Páginas: Primeira Anterior

Publicações de número 1431 até 1437 de um total de 1437.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
A VIDA COMO A MAIORIA DAS PESSOAS NÃO QUEREM - ANA RUTHIELLY PEREIRA SILVA 59420 Visitas
Amor é como plantar .. . - Mariana de Fragas 59420 Visitas
As Irônicas Palavras de Alice - Lorenzo Revouriè 59420 Visitas
QUE SE FOI - orivaldo grandizoli 59420 Visitas

Páginas: Primeira Anterior