Publiquei o livro Vida de Autista – Uma saga vitoriosa contra o desconhecido, em 1993 contando algumas das minhas brigas com alguns especialistas das Neurociências, destacando-se aquele que receitou medicamentos para o meu filho, já autista diagnosticado, que se ministrados o colocaria na condição de um móvel no canto da sala, inútil e sem perspectiva.
Perguntado por que os receitou, pois que segundo as bulas que li, causariam efeitos sem precedentes no autista, em vista do que ele “não era um doente”, mas sim, dotado de uma síndrome, debatemos intensamente, e levando em conta a minha qualidade de que não era conhecedor do assunto. Trinta e poucos anos depois, continuo esperando a resposta.
Dia desses estava conversando com uma amiga, mãe de autista. Entre veio de antes e vai de agora, eu dizia para ela que, devíamos cobrir nossas mágoas e rejeições sofridas com camadas e camadas de amor, tipo a ostra, já que há pouco tempo atrás nossos autistas, além de encapsulados, foram comparados com ela. O que quem comparava não sabia da ostra, é que se ela não ferida, não produz pérola, pois elas são feridas curadas.
Poucos se lembram disso e outros preferem esquecer-se da comparação até por desconhecer a grandeza da analogia com aqueles autistas tidos como encapsulados.
Agorinha um parceiro da rede, pai de autista, escreveu que a questão da medicamentação, precisa ser levantada e exaustivamente discutida pela comunidade autista brasileira, pois tudo o que entra pela boca ou pela veia é uma questão de conveniência de métodos terapêuticos importados, e embora seguindo o rígido protocolo das ciências sobre suas descobertas e aplicações, é um processo que leva anos para ser concluído.
Em tese, na prática eles já vêm sendo aplicados, proporcionando ilusões enganadoras para pais adeptos do imediatismo que além de não discutir uma solução para a síndrome, ainda tão desconhecida na sua essência, não se preocupa com os efeitos colaterais do novo medicamente ministrado, que eventualmente pode causar danos irreparáveis.
“Quanto maior a nossa ignorância profissional, maior será a nossa prepotência, onipotência e certeza de cura. Esta postura permitirá furtarmo-nos de sensações de insegurança, medo e ansiedade, frente àquilo que não sabemos. Tornamo-nos radicais e senhores da verdade.” Escreveu o psiquiatra Christian Gauderer em 1985.
Nada mudou no front, como diz minha amiga, que citei ali em cima, ou nada se deseja que mude no front.
No Dia Mundial de Conscientização do Autismo, nos idos de abril, o planeta vestiu-se de azul, ensejando maior atenção à síndrome, conseguindo uma mobilização jamais vista em favor do último grande enigma da ciência, onde se busca descobrir a causa ou de onde ele vem, o que é bom.
O que não é bom é o fato de que pesquisas sobre autismo são publicadas como se já estivessem consolidadas, levando-nos à conclusão que são verdades científicas que além de nos deixar mais ansiosos por melhoras dos nossos filhos, começamos a aplicar as sugestões ali descritas, como diz o meu parceiro pai de autista: na expectativa de que nossos filhos sofram menos, mesmo sabendo que todo transtorno comprovado em exames de laboratório não é autismo, e que o autor dessa descoberta será sem dúvida, candidato ao Premio Nobel.
No intenso inverno de agosto de 1987, perguntei ao doutor Edward Ritvo, eminente psiquiatra norte-americano, na época diretor do programa de pesquisas sobre o autismo na Universidade da Califórnia, em conferência na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, depois de expor objetivamente minha história, se após tudo o que fizemos e com prognósticos otimistas da Ciência conseguiríamos a cura do autismo do meu filho, sem tratamento químico?
- Posso lhe afirmar, disse ele para a platéia, que todo o progresso conseguido com o seu autista faz parte de um trabalho que, consciente e integrativo, se o senhor conseguir a cura dele, terei muito prazer de fazer as conclusões definitivas para então dividirmos o Premio Nobel de Medicina.
Atualmente a psiquiatria estaria embarcando na “era científica”, onde uma relação mais direta entre clínica e pesquisa, aliada a novas “armas metodológicas” seriam promotoras potenciais de avanços significativos na clínica, manejo e investigação das doenças mentais.
Não há nada mais trágico no mundo que uma pessoa manter pensamentos de limitação sobre outro ser humano. Até um pensamento de imperfeição, projetado sobre uma pessoa sensível como o autista, o restringe por muito tempo e esses resultados invariavelmente são calamitosos. Imaginemos então o que acontece com o uso indiscriminado de medicamentos utilizados e não testados com a devida carência à luz do protocolo científico.
Com rezas, benzimentos, raiva, liminentos, doses homeopáticas, alopáticas, florais e chazinhos, broncas, dúvidas, discussões, tratos e contratos com “átras, ólogos, eutas, istas, e etc, etc... Suportamos as dores... Cansamos... Confiantes, não desistimos... Continuamos e aqui estamos rindo com nossos autistas, tentando prosseguir livres de medicamentos reducionistas, declaradamente egoístas, e muitas vezes desnecessários até a confiabilidade chegar, tentando impedir que nossos filhos sofram mais do que o inevitável.
rosandores@gmail.com
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